A Irlanda Eugenista e os seus castelos em ruínas: o futuro sombrio não será uma lenda urbana

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Gabriela Cavalcanti

A IRLANDA EUGENISTA E OS SEUS CASTELOS EM RUÍNAS:

O FUTURO SOMBRIO NÃO SERÁ UMA LENDA URBANA

1. Morte aos não nascidos

“Eliminar pessoas deficientes, as malformadas ou as muito doentes” – qualquer entusiasta da experiência nazista estufaria o peito e diria: é esse o conteúdo da verdadeira ciência da evolução, chamada Eugenia. Mas a pseudociência – aparentemente descartada e em tese inadmissível em nosso tempo, esse tempo de hiatos entre o presente e o passado (ARENDT, The Origins of Totalitarism, 1979) e embargado pelos traumas da Segunda Guerra Mundial – não só coexiste amistosamente como é fomentada, difundida e abastecida pelos discursos oficiais dos Direitos Humanos no âmbito nacional e internacional.

Um dado apresentado pelo obstetra irlandês dr. Peter Mc. Parland (Revista Estudos Nacionais, http://estudosnacionais.com/aborto/a-irlanda-eugenista-e-os-seus-castelos-em-ruinas-o-futuro-sombrio-nao-sera-uma-lenda-urbana/, 16 de março de 2017) divulgado em assembleia especial na Irlanda, deixou estupefatos os que reconhecem o direito à vida de todas as crianças concebidas. Segundo Parland, a Islândia pode ser considerada o primeiro país a “erradicar a Síndrome de Down” – tendo recorrido, para tanto, à morte dos portadores no momento da gestação. Esse tipo de procedimento é conhecido como aborto eugênico. “Não houve um só nascimento de bebê com Síndrome de Down nos últimos cinco anos”, afirmou o médico.

Infelizmente, o retrocesso à barbárie tampouco poupou a Irlanda, que aprovou com 66,4% dos votos, a legalização do aborto. A ferocidade da maioria no referendo realizado em 25 de maio de 2018 revoga a oitava emenda à Constituição. Os resultados definitivos foram divulgados na tarde deste sábado no castelo de Dublin. Com isso, o aborto passa a ser permitido de forma irrestrita em solo irlandês até a 12ª semana de gestação e em caso de risco para a saúde da mulher ou anormalidade fetal (significa: extermínio de fetos com algum tipo de indicação de fragilidade, deficiência ou síndrome, ou seja, eugenia positiva) até a 23ª semana. Ironicamente, “não nascido” em irlandês é, literalmente, beo gan breith, que significa “vivo, mas ainda não nascido”. Até a língua irlandesa transpirou linguisticamente o oposto odioso do seu povo.

2. A corrida eugenista

Reflexo do modo como são tratados os não nascidos, a Islândia, campeã na triste corrida eugenista, tem sua macabra liderança ameaçada, pois outros países ganham fôlego nessa corrida eugênica: a Dinamarca já anuncia que em 10 anos terá conseguido o mesmo objetivo. Nos Estados Unidos são 85% e no Reino Unido, 90% dos bebês diagnosticados com a Trisomia 21 (Síndrome de Down) que são abortados. Em 2014, apenas 65 bebês com essa síndrome nasceram na Espanha, dos 609 que haviam sido diagnosticados em ultrassonografias de rotina. Assim, somente 65 desses pequeninos puderam desfrutar de seu direito à vida, enquanto as vidas de outros 544 bebês foram lamentavelmente consideradas inúteis e merecedoras da morte. Fiquemos atentos ao mundo e aos seus sinais totalitários.

3. Requintes de crueldade em nome do estado de bem-estar hedonista

A argumentação contemporânea em prol da interrupção da gestação conta com um requinte de crueldade que funciona como recheio para a casca de alegações politicamente corretas: sofrimentos poupados – dos genitores e dos bebês – que precisaram constituir suas histórias com sacrifícios, renúncias, preconceitos e limitações de ordem física e intelectual.  Para este objetivo, vale apelar para a afirmação de que a vida humana intrauterina, condição existencial da extrauterina, é uma mera extensão corporal possível de ser extirpada do corpo hospedeiro e também à barbárie, para sofisticar a doutrinação darwiniana aos olhos do humanismo e da aparente compaixão: se vale a inevitável luta dos mais fortes contra os mais fracos – ainda que dissolvida em novos recursos argumentativos sinuosos – não é preciso ter paciência para respeitar o direito à vida e à morte espontânea de ninguém que interrompa ou comprometa o bem estar de si mesmo e dos outros. É possível usar a condição existencial especial de um ser humano em formação para reforçar a ideologia de eliminação desses inimigos objetivos da felicidade.

4. Eles, os fracos expurgos: inimigos objetivos dos prazeres alheios

Segundo Arendt (The Origins of Totalitarism, 1979) os inimigos objetivos, pela visão totalitária, são definidos porque são consideradas como “perigosos” porque portadores de “tendências”. Ou seja, são inimigos de um determinado propósito tão somente por sua condição objetiva, por exemplo, a ascendência de uma etnia indesejada.

Na contemporaneidade, os inimigos objetivos são crianças e adultos com necessidades especiais – todas essas condições humanas são consideradas, na atualidade, hostis aos objetivos da felicidade – no sentido mais hedonista e deturpado desse último termo. É justamente esse o cerne da questão: o modo como são tratadas pessoas com necessidades específicas – seja por uma síndrome, por uma condição de idade avançada ou uma doença intratável – corresponde ao termômetro totalitário e genocida de uma sociedade. A sociedade educada para a indisposição a qualquer tipo de sacrifício, uma exigência moral de tempo e dedicação ao outro, que acolhe a morte silenciosa de centenas e milhares de vidas humanas absolutamente inocentes, não deveria se estarrecer com a burocratização e banalidade do funcionalismo público alemão nos tempos sombrios dos Holocausto.

Os princípios da eugenia apresentam a justificativa não só da defesa de intervenção médica em gestações consideradas “perigosas” ao objetivo do prazer da vida como tornam o útero o laboratório,  o locus em que permite não apenas o extermínio físico das pessoas mas também sua eliminação controlada e tratada como mero procedimento técnico. Por sinal, é esse o conceito filosófico de campo de concentração. E não há no campo de concentração nenhum critério de justiça – todos os castigados são inocentes – e nenhuma possibilidade de misericórdia. Eis o campo de concentração pós-moderno, inimaginável até para a criatividade nefasta das piores experiências totalitárias: o útero.  Assustadoramente, a substituição do termo funcionou e o sangue vazou pelas arestas da palavra.

11 de junho de 2018. Todos os direitos reservados.

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