São José, as Bem-Aventuranças e os Dons

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Marcelo Andrade

SÃO JOSÉ, AS BEM-AVENTURANÇAS E OS DONS

 

<em>José era justo. (Mt 1,19)</em> - São José: Oratório de Oxford

José era justo. (Mt 1,19) – São José: Oratório de Oxford

1. INTRODUÇÃO 

Nossa reflexão, fundada nos doutores da Igreja[1] e em outros estudiosos[2], pretende relacionar, de um lado, as bem-aventuranças e os dons do Espírito Santo e, de outro lado, aquele gigante da santidade que chamou, de modo especial e castíssimo, Cristo de filho e Nossa Senhora de esposa, São José. Ou, em outros termos, investigar como o Espírito Santo o moveu e como possuiu ele, in specie, as bem-aventuranças. Assim, não é objetivo deste trabalho avançar na exploração da figura desse grande santo além do necessário para o desenvolvimento desse tema. Tampouco temos a pretensão de esgotar as análises sobre os dons e as bem-aventuranças, mas apenas estuda-los em sua relação com o Pai Adotivo de Jesus. Como se sabe, as bem-aventuranças descritas em Mt 5,1-12 associam-se, esplendidamente, aos dons do Espírito Santo, que estão relacionados em Isaías 11,2-3[3]. Com a diferença de que os dois repertórios estão elencados em ordem inversa.

 

2. SÃO JOSÉ

Os autores que escreveram sobre São José, principalmente nos últimos séculos, reconheceram que ele é uma figura escondida. O véu que cobre a sua glória é tão espesso que pouca coisa é explícita, a maioria das conclusões a seu respeito é alcançada somente por meio de deduções. Pio XI, por exemplo, ensinou que a missão deste grande santo foi tão “recolhida, tácita, quase despercebida, desconhecida, que não devia iluminar-se senão alguns séculos mais tarde (…)”[4] Por outro lado, todos os santos que escreveram sobre ele são unânimes em afirmar sua colossal santidade, como fazem São Gregório de Nissa, São Basílio, São Teresa de Ávila, entre outros. Segundo eles, São José tem todas as virtudes em grau elevadíssimo. Ora, entre as virtudes, existem as virtudes cardeais. Etimologicamente, a palavra “cardeal” deriva de “cardo” ou dobradiça. E São José foi como uma das dobradiças que Deus usou para virar a página da história, para passar do Antigo para o Novo Testamento. Todos os patriarcas geraram descendência. José não gerou, porém, é um patriarca e é a luz deles. Ele migrou da sinagoga para a Igreja. Ele era da casa do rei Davi e morreu na casa do mais ilustre filho de Davi, Cristo-Rei. Foi educado sob a antiga lei e educou Cristo, o autor da nova lei. Viveu entre o pão do Antigo Testamento, o maná, e o pão do Novo Testamento, a hóstia. Mas, não os aproveitou diretamente, porque sua missão era ganhar o pão para a alimentação de Cristo. Os santos do Antigo e do Novo Testamento se nutriram da palavra de Deus, ou do Verbo. Ele, porém, nutriu o Verbo. Cristo sustentou os profetas antes do tempo e os apóstolos depois do tempo. Ele, porém, sustentou Cristo no tempo. Os profetas anunciaram Cristo antes de Seu nascimento, os apóstolos anunciaram Cristo depois de Sua morte. Ele, porém, escondeu Cristo. Os profetas e os apóstolos obedeceram a Deus. Ele, porém, mandou em Deus. Maria recebeu Cristo de maneira castíssima. José recebeu Maria de modo castíssimo. Ele residiu e conviveu, de modo castíssimo, com Maria desde o casamento até a morte dele. Que santidade não lhe teria Ela comunicado se, por meio de apenas uma visita que fez a sua prima Santa Isabel, encheu-a do Espírito Santo e santificou São João Batista. O anjo saudou a Maria chamando-a cheia de graça e bendita entre as mulheres. Ele podia dizer simplesmente: “esposa”. Apesar de tanta grandeza, na Sagrada Escritura, há apenas um comentário direto a respeito do esposo de Maria: “José era justo” (Mt. 1,19). Simples. Direto. Singular. E a Bíblia não precisaria dizer mais nada. Ele refletiu com intenso brilho o que ensinaram o profeta (Isaías) e o apóstolo (Mateus). Desta forma, simbolicamente, os profetas formam um lado de um imaginário arco ogival gótico e os apóstolos formam o outro lado. São José, por sua singularidade, é um arco ogival único. Que aponta para o céu. Radiante.

 

3. A MONTANHA E SÃO JOSÉ

As bem-aventuranças saíram da boca de Cristo do alto de uma montanha. E por que montanha? Entre outras razões: 1)      Está apartada do mundo, de seus bens. 2)      É mansa porque está distante da ira do século. 3)      É consoladora porque os que a buscam encontram alívio e tranquilidade. 4)      É como uma fortaleza porque é difícil de ser escalada. Ela faz justiça só para os que a merecem. 5)      Ela é misericordiosa porque as fontes dos rios nascem dela, que saciam a sede e fertilizam o solo. 6)      Seu ar é puro, e se vê com mais clareza, tanto o céu, quanto as máculas do mundo. 7)      Ela é pacífica porque é estável, imutável e ordeira, inspira sabedoria. Ela é tão excelente que quanto mais alta, mais os homens a buscam. Parece existir na companhia do céu. Majestosa. Como terra pode simbolizar o homem, uma elevação dela representa a santidade. São José é uma montanha altíssima: 1)      Amante da Pobreza e obedientíssimo. 2)      Silencioso e espelho de paciência. 3)      Alívio dos miseráveis e consolação dos infelizes. 4)      Fortíssimo e justo. 5)      Misericordioso e prudentíssimo. 6)      Casto e fidelíssimo. 7)      Pacífico e sábio. Foi perseguido, em mais de um sentido. Viveu em companhia de Nossa Senhora e de Cristo, a Rainha e o Rei do céu. Majestoso.

 

4. AS BEM-AVENTURANÇAS E OS DONS 

4.1 AS BEM-AVENTURANÇAS

O fim último do homem são as bem-aventuranças. A esperança de conseguir o fim resulta em certa prática virtuosa, através de atos repetidos[5] Esses atos são as bem-aventuranças, que são os bons costumes e um modo perfeito de viver cristãmente. Os prêmios para quem as pratica já são colhidos neste mundo e estão previstos nelas mesmas.

 

4.2 DONS 

Os dons são perfeições infundidas por Deus no homem, permitindo que ele seja disposto a seguir bem as moções do Espírito Santo. São hábitos, assim como as virtudes, mas estão acima delas (menos das teologais) e as aperfeiçoam.[6]  

 

4.3 A MONTANHA, OS DONS E AS BEM-AVENTURANÇAS 

Percorrer as bem-aventuranças e os dons é como escalar uma montanha. Parte-se da base (o temor) e chega-se ao topo (a sabedoria). Por isso, está escrito: “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria” (Prov. 9,10). Tarefa árdua que exige sacrifício e a morte para este mundo. Permitindo imitar e seguir a Cristo, que carregou a Cruz até o topo de um monte e lá foi crucificado.  

 

5. A RELAÇÃO: SÃO JOSÉ, O BEM-AVENTURADO  

5.1- Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus. Dom: temor 

Pobres de Espírito são aqueles que vencem o apego às riquezas e às honras mundanas[7]. São aqueles que trocam a cidade dos homens pela cidade de Deus. São os humildes. Os pobres de Espírito têm o coração aberto para Deus. Por isso está escrito: “Filho, dá-me o teu coração, e o resto dar-te-ei por acréscimo” (Prov. 23,26). Seus corações são pobres de si mesmos.  Os soberbos têm o coração repleto de si mesmos, por isso não há espaço para Deus, que resiste a eles (Ti 4,6). Temor de Deus é o medo de perder as riquezas espirituais, de ofender a Cristo, de dEle se separar. Quanto mais temente se é a Deus, mais desapego se tem do mundo (evitando as honras e as riquezas) e mais se deixa o coração aberto para Ele. Cuida-se aqui somente do temor filial (ou casto)[8] “Os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai” (Mt. 13,43). “E José, seu Esposo, como era justo e não queria difamá-la, quis deixá-la secretamente. (Mt. 1,19) e “Não temas José, filho de Davi, receber Maria.” (Mt. 1,20). Alguns Padres da Igreja, apoiados mais modernamente pelo Pe. Landucci, afirmam que estas passagens demonstram que São José temeu desapontar Deus, adivinhando o mistério, temeu desonrar Cristo e sua Mãe. Essa interpretação parece de difícil conciliação com o texto do Evangelho, que parece dizer que o resultado de uma possível manifestação sua, que ocorria a São José, seria uma difamação e não uma glorificação. De qualquer modo, ele certamente temeu o mistério, não quis pronunciar-se sobre o que não podia compreender, dada a imensa santidade que reconhecia na Virgem Santíssima. Por isso, quis deixar secretamente a Mãe de Deus. Ora, difícil de ver na história, temor filial mais perfeito e elevado que este. Em sua profunda humildade, segundo alguns, ele se sentiu indigno de ser esposo da Mãe de um Filho gerado pelo Espírito Santo[9], julgava-se aquém da missão. Como o temor é causado pelo amor[10], vê-se quão profundo era seu amor por Deus. Porém, quando o anjo lhe apareceu, ele não hesitou e, de modo incontinenti e sem retrucar, acatou o desígnio divino. Belíssima lição de magnanimidade[11] ele deu, evitando nas suas ações os vícios opostos. Ao querer deixar Maria, não foi presunçoso e ao aceitar sua missão não foi pusilânime. José, junto com Maria e Cristo, passou pelo mundo como fugitivo. Peregrinos, os três, sem apego aos bens do mundo. “Não temos aqui cidade permanente, mas procuramos a futura” (Hb 13,14).[12] Tudo isso relaciona-se com a primeira dor de São José[13], o amargor de ter pensado em deixar Maria Santíssima. Ele era tão pobre de espírito que não se achava digno de ter a riqueza de ser o esposo da Mãe de Cristo. Porém, por meio do anjo que lhe apareceu, conheceu o mistério da encarnação e soube que ia ter a companhia da Rainha e do Rei do céu. Isso foi a sua alegria e o seu prêmio[14].

 

5.2- Bem-aventurados os mansos porque eles possuirão a terra. Dom: piedade 

Mansos são os opostos dos iracundos, são aqueles que controlam o irascível. São aqueles que que põem em prática o que se diz no Pai Nosso: “Seja feita a Vossa vontade assim na terra como no céu”. São os que não querem impor suas vontades e paixões.[15]   Piedade é render culto a Deus como Pai, de modo filial, e secundariamente a todos os homens enquanto se referem a Deus. Por consequência, é também ser o socorro dos que estão na miséria. Por esse dom, também, devem-se honrar os santos e não contradizer as Escrituras.[16] Como “servir a Deus é reinar” e não existe reino sem território, sem terra, os mansos a possuem. Uma terra que não é como a Babilônia dos vícios, mas sim como a Jerusalém das virtudes. “Os justos possuirão a terra e habitarão sobre ela para sempre” (Sl. 36,29). A mansidão em São José foi exemplar, como ele nada disse nas Escrituras, só obedeceu e agiu, significa, entre outras coisas, que ele nunca impôs sua vontade. Foi obedientíssimo. Ensina Santo Hilário: “O Senhor oferece aos mansos a posse da terra, isto é, de Seu corpo, aquele que Ele mesmo tomou. E como, pela mansidão de nosso coração, habita Jesus Cristo em nós, quando isto se sucede, também, ficamos adornados com a glória de seu corpo”.[17] Ora, São José tomou o corpo de Cristo. “Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito” (Mt. 2,13).[18] Desta forma, de modo singular, José perdendo sua terra, Israel, possuiu a terra, Cristo. Piedade é, como vimos, prestar culto a Deus como Pai, de modo filial. Ora, o modo de São José prestar o culto a Deus foi sui generis, de modo “paternal”, como seu pai eletivo. Como pertence à virtude da piedade alimentar os pais[19], ele alimentou a Deus. E ainda, cabe ao dom da piedade honrar os santos. Ora, a santidade máxima pertence à Mãe de Deus que é merecedora da hiperdulia. Então, antes de todos, por antecipação miraculosa, São José já era mariano e católico. O que se relaciona com a quinta dor de São José. A dor de ter alimentado (e servido) com muito sacrifício a Cristo (em especial na fuga para o Egito). Deu o pão para o próprio Pão. Tira-se o alimento da terra. José alimentou a Terra, Cristo. Porém, ao possuir a Terra (Cristo) no Egito, que é a terra dos ídolos que sua Esposa esmagou, isso foi a sua alegria e o seu prêmio.

 

5.3- Bem-aventurados os que choram porque serão consolados. Dom: ciência 

O concupiscível é o impulso voltado para a satisfação do apetite sensível. O controle desta paixão é difícil e exige sacrifício, ou choro. Por isto é que Deus vem em socorro para consolar. Para escalar a montanha das virtudes é necessário sofrimento.[20] Os que choram, portanto, são aqueles que têm esse domínio. Todavia, mais perfeito ainda é chorar pelas paixões alheias. Por ciência, entende-se o conhecimento das coisas humanas, o reto juízo sobre as criaturas[21], devendo ordená-las ao bem divino. Ela leva às lágrimas, pela qual o homem conhece as próprias deficiências e as das realidades mundanas. “Quem aumenta o saber, aumenta a dor” (Ecl. 1,18).[22] A consolação para os trabalhos da vida presente vem de Deus[23]. Se a virtude faz chorar, o trabalho faz suar. “Os justos serão livres pela sua ciência” (Prov.11,9). São José tinha totalmente o controle do concupiscível. Chorou pelos outros, por isso ele é a consolação dos infelizes e alívio dos miseráveis. Todos os católicos querem imitar Cristo. Cristo, todavia, imitou a profissão de São José. Ele era carpinteiro. Ou seja, trabalhava com a madeira em seu estado natural. Transformava a matéria bruta em objetos mais perfeitos e úteis. Sacrificava, portanto, aqueles bens naturais (as árvores) em favor de usos mais elevados. Esculpiu objetos. Ele é o modelo dos trabalhadores. José ensinou o ofício para Cristo, que nasceu na madeira (a manjedoura), trabalhou com ela e depois morreu nela (a cruz). Além de ter esculpido homens (os apóstolos). São José, portanto, desceu dos montes[24], desmontou árvores, que foram os frutos de seu trabalho, com os quais sustentou e protegeu a Sagrada Família. E suou. Cristo subiu a um monte, foi crucificado de braços abertos, como uma árvore montada que sustentou todos os pecados da família humana e como fruto disto salvou-a. E sangrou. Relaciona-se isso com a terceira dor de José. A circuncisão de Cristo (Lc 2,21). Na relação de José com Cristo houve choro, suor e sangue. José suou para sustentar a Sagrada Família, chorou pelos pecados alheios que Cristo iria redimir, anteviu o sangue que Cristo ia derramar na Cruz, por antecipação, na circuncisão. Essa era uma profissão de fé e remédio contra a concupiscência carnal.[25] Porém, sabendo que seria necessário derramar sangue para curar a geração pecaminosa que vinha desde Adão e que tudo isto seria feito por aquele que se chama Jesus, isso o consolou. Foi a sua alegria e o seu prêmio.

 

5.4. Bem-aventurados os que tem fome e sede de Justiça, porque serão saciados. Dom: fortaleza 

Justiça consiste em dar a cada um o que lhe é devido. Não recusando isto a ninguém.[26] O dom da fortaleza implica firmeza de alma tanto para praticar o bem quanto para evitar o mal[27]. Dá a força e a paciência para sustentar a justiça, desejando-a ardentemente, suportando os sofrimentos decorrentes da fome e da sede dela. “O justo encontra a sua alegria na prática da justiça”(Prov. 21,15). Os destinatários da justiça de José eram Cristo e Nossa Senhora. Ele se calou, agia em silêncio porque sabia que toda a glória tinha de ser dada a Rainha do céu e a Cristo Rei. Eles é que tinham de brilhar, não ele. Ora, fazer justiça com Nossa Senhora e com Cristo é a mais elevada que existe. “Guarda o bom depósito” (1Tim. 1,14) Os católicos devem guardar Cristo e Maria em sua vida interior. São José guardou-Os literalmente no interior de sua casa. Era depositário dos maiores tesouros de Deus. “Na casa do justo há grande tesouro” (Prov. 15,6). Carpinteiros ergueram um Palácio para Davi (2Sam. 5,11). Um outro carpinteiro, José, ergueu uma casa para o maior dos descentes de Davi, Cristo. Do mesmo modo que recebeu de Deus, Cristo e Maria, ele Os devolveu. Protegidos e íntegros. E seguiram prontos para a Paixão e a Redenção. São José foi o depositário mais fiel de toda a história, o mais justo. Para esta missão ele só poderia ser fortíssimo e ter em sua alma um castelo inexpugnável que mesmo de longe já espanta os inimigos. Ele é uma fortaleza invencível; por isso é o terror dos demônios e o protetor da Igreja. Relaciona-se isso à sétima dor de São José. A perda e o reencontro de Cristo no Templo. Como Cristo é Justiça (1Cor. 1,30), Maria e José tiveram, de modo sui generis, fome e sede dela, decorrentes da ausência da própria Justiça encarnada. Só uma fortaleza muito grande para suportar esta dor de ter perdido literalmente – ainda que temporariamente e sem nenhuma culpa – a Deus. E desejaram o reencontro, com a Justiça, ardentemente: “Filho, por que fizeste isso? Não sabias que teu pai e eu, aflitos, ter procurávamos? ” (Lc. 2,48) Porém, José foi saciado quando encontrou Cristo em seu lugar, na Fortaleza do Templo. Afinal, encontra-se Deus na Igreja. Isto foi a sua alegria e o seu prêmio.

 

5.5. Bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia Dom: conselho 

Misericórdia é ter pena pelas misérias alheias. O misericordioso se envolve com a desventura dos outros, age para combatê-las.[28] Conselho é agir bem, é evitar o mal, é aplicar, em caso particular, os bons princípios. Aconselhar é ser misericordioso.[29] Ao justo, nasce luz nas trevas; ele é benigno e misericordioso (Sl. 111,4). São José aderiu, incontinenti, ao decreto Divino da redenção. O nascimento e morte de Cristo fazem parte do mesmo mistério[30]. A morte de Cristo e sua consequência, a salvação da humanidade, foi a maior missão de amor e de misericórdia da história. José, portanto, foi peça usada por Deus para isto. O dom do conselho corresponde à virtude da prudência[31]. Esta é a memória do passado, a inteligência do presente e a previdência do futuro.[32] José foi educado na antiga lei, por isso, sabia bem das profecias e aguardava o Messias. E isto era a memória do passado. Por desígnio divino, recebeu, conscientemente, a missão de ser o pai eletivo do Salvador e protetor da Mãe de Deus. E isto era a inteligência do presente. Por revelação, por meio de Simeão, soube do futuro martírio de Cristo e de Maria. E isto era previdência do futuro. Agir em função do fim é próprio do dom do conselho. Ora, São José viveu sempre em função deste mistério. Por isso, São José é prudentíssimo. Prudência implica autoridade.[33] No cotidiano da Sagrada Família, que não conhecemos nem é nosso direito conhecer, com Maria e Cristo, José teve a árdua tarefa de mandar, de regrar, de aconselhar. Só uma humildade colossal para suportar isto. Note-se também neste caso a humildade ainda maior de Cristo e de Maria obedecendo a uma criatura inferior a Eles. O que se relaciona com a sexta dor de São José. A de ter de mandar no autor dos Dez Mandamentos. Foi senhor do Senhor dos exércitos celestiais. Teve autoridade sobre o Juiz Supremo. “Então foi (Cristo) com eles (Maria e José) para Nazaré, e era-lhes obediente” (Lc. 2,51). Porém, a convivência pacífica em Nazaré e a sua autoridade exercida com humildade, por Misericórdia Divina, foi a sua alegria e o seu prêmio.

 

5.6- Bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus Dom: Inteligência 

Os puros de coração são aqueles não carregam a mácula do pecado, das paixões, dentro de si. Então, desprovidos de imundícies, podem ver a Deus.[34] O dom da Inteligência é a compreensão das verdades que se ordenam à fé. Estende-se, também, para as obras que versam sobre as razões eternas.[35] “Os homens retos[36] verão a face do Senhor” (Sl. 10,8) São José foi pai de Cristo na terra (Lc. 2,48). Mais que um pai adotivo, ensina São Tomás, porque a adoção decorre de um fator acidental e a paternidade de José não foi assim, pois ela já havia sido decretada desde a eternidade por Deus, dentro do mistério da encarnação e da redenção. Ele fora predestinado. O que à natureza falta, Deus completa. Como São José não era, pela biologia, pai de Cristo, Deus teve de lhe emprestar um coração de pai para que ele pudesse velar o menino–Deus adequadamente[37]. Ora, se Deus lhe emprestou um coração, este só poderia ser o mais puro. Deste modo, ele via Deus sem nenhum turvamento.   Como ninguém entende melhor o Filho que o Pai, e como São José, tomou emprestado o coração de pai, então ele tinha o mais perfeito entendimento do Filho, ou inteligência. E, ainda, ter inteligência, é compreender as verdades da fé. São José faz parte, ainda que extrinsecamente, do mistério da encarnação, ou seja, ele próprio faz parte da verdade de fé.[38] A vida intelectual vem por meio dos ouvidos e dos olhos, por isso está escrito: “nem os olhos viram nem os ouvidos ouviram nem chegou ao coração do homem, o que Deus preparou para aqueles que o amam”. Porém, só Eles, Maria e José, viram e ouviram o que nenhum homem jamais viu ou ouviu: a infância de Cristo. Ou seja, para Eles, antes do tempo, em certo sentido, já havia chegado o que Deus preparou para os que O amam. E mais, inteligência significa “ler dentro”[39] e José teve a convivência com Cristo dentro de casa. A vida ativa e a contemplativa em José parecem se confundir, indivisas. Jacó teve duas esposas, Lia, representando a vida ativa, e Raquel, representando a vida contemplativa[40]. José teve uma esposa, Maria. A vida contemplativa se refere diretamente ao amor de Deus e a vida ativa se ordena ao amor do próximo[41]. Porém, os próximos de José são Deus e Sua Mãe. A vida contemplativa consiste na contemplação de Deus[42] e a vida ativa cuida das coisas exteriores[43]. Porém, as coisas exteriores para José são Deus e Sua Mãe. Relaciona-se isso com a quarta dor, a profecia de Simeão (Lc. 2, 25-35). Nela, José conheceu, como também Maria, o futuro, o que iria acontecer no Calvário. Teve a inteligência do sofrimento de Maria e de Cristo. Porém, ao compreender que isto era necessário para a salvação das almas e que estas iriam ver a Deus no céu, isto foi a sua alegria e o seu prêmio.

 

5.7- Bem-aventurados os pacíficos porque serão chamados filhos de Deus. Dom: sabedoria 

A paz é produzida pela ordem. Pacíficos são aqueles que vivem de modo estável, inabalável, que acreditam em uma só verdade imutável, que servem a ela, que não são movidos por novidades. São aqueles que já sufocaram dentro de si todas as revoltas promovidas por paixões e por vícios. A alma reina e a carne é escrava. Pacíficos são aqueles que ensanguentam a espada, se necessário, para impor a Justiça e por meio dela, a paz. “E a paz será obra da justiça”. (Is. 32,17). Dar a paz, portanto, é estabelecer uma ordem querida por Deus, para si mesmo e para os outros. Não há paz para os ímpios. (Is. 48, 22)[44] Sabedoria consiste em julgar todas as coisas segundo a causa divina, como elas são vistas e queridas por Deus. É ter uma visão ordenada de tudo. É ter uma contemplação deiforme. Cristo, Filho de Deus, é a sabedoria encarnada. Por isso, os homens que têm sabedoria serão chamados filhos de Deus.[45] A Sabedoria exige a paz. “Sobre a boca do justo floresce a sabedoria” (Prov. 10,31) Chegamos ao topo da montanha. Nos topos é onde se encontra a visão máxima, após todos os sacrifícios da escalada. E foi num cume que Cristo morreu. E é aqui onde São José brilhou mais e onde se encontrava sua real morada. Cristo deu Paz aos apóstolos. São José deu paz a Cristo e a Nossa Senhora. Ele manteve sua família protegida da perseguição. Deu-lhe ordem. Escondeu-a da fúria do século, das turbas raivosas. Ele foi um pacificador por causa de sua fé inabalável. Os católicos devem proteger Cristo, defender sua causa e estabelecer a ordem querida por Deus. São José o fez. Para ter a contemplação deiforme, conforme ensina São Tomás, é necessário compreender o Verbo ou a palavra de Deus. De acordo com o mesmo doutor, são cinco as fases em relação à Palavra, ou ao Verbo[46]: 1)      Devemos ouvi-la de bom grado, mostrando que amamos a Deus. 2)      Devemos crer nela, desta forma que Cristo habita em nós. 3)      Devemos meditar, ruminá-la dentro de nós como se fosse nossa. 4)      Devemos comunicá-la aos outros. 5)      Devemos realizá-la. Quanto mais perfeita é a união com o Verbo de Deus mais se é sábio. Ora, São José, depois de Nossa Senhora, foi a criatura que mais fez isto com perfeição. Enquanto Maria Santíssima teve participação intrínseca, seu castíssimo esposo participou extrinsecamente. E a relação de Maria[47] e José com a palavra de Deus, ou com o Verbo, foi miraculosamente singular: 1)      Maria ouviu o anjo. José, depois, ouviu o anjo. 2)      Maria acreditou. José, depois, acreditou. 3)      Maria conservou-o e o carregou dentro de si. José acompanhou. 4)      Maria deu o Verbo ao mundo. José estava presente. 5)      Maria amamentou o Verbo. José, depois, alimentou-O. Viram que “Jesus ia crescendo em sabedoria, estatura e graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2,52). O silêncio de São José é consequências de sua sabedoria. Significa que todas as paixões, os vícios e as tentações foram silenciados em sua alma. O mundo já era calado para ele. Não havia o menor resquício de barulho causado por conflitos em sua vida interior. Reinava em seu interior a paz. Sua adesão ao plano divino era clara, simples e silenciosa. Diante da própria sabedoria encarnada, não se deve falar, deve-se deixá-la mostrar todo seu esplendor. Foi obedientíssimo. Por isso o anjo sempre lhe apareceu em sonhos, porque São José dormia para o mundo e só acordava para o céu e seus desígnios. E mais, os sábios serão chamados filhos de Deus. “Os que agem pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus” (Rom. 8,14). Deus nos quer como seus filhos eletivos. Porém, com José, Ele o quis como seu pai eletivo. “Não é este (Cristo) o filho do carpinteiro (José)?” (Mt. 13,55). Relaciona-se isso com a segunda dor de São José. A de ver o nascimento de Cristo na manjedoura. Neste local, simples e imerecido, porém repleto de paz, contemplaram a sabedoria encarnada do Deus que é ao mesmo tempo Pai e Filho. Maria ao mesmo tempo Mãe e Filha de Deus. José ao mesmo tempo pai eletivo e filho de Deus. O que terminou na Cruz, começou na Manjedoura. O Presépio já era o sopé do Gólgota. As vozes que trocaram Cristo pelo ladrão foram as mesmas que negaram pouso na noite feliz. Aquele Estábulo era como o Pretório. Porém, a glória do momento que definiu para sempre os tempos foi tão sublime que isto foi a sua alegria e o seu prêmio.

 

5.8 Bem-aventurados os que sofrem perseguição, porque deles é o reino dos céus. 

Esta bem-aventurança, na realidade, é um resumo, conclusão e arremate das anteriores. Por isso, não há dom associado. O vício suporta tudo, menos a virtude. O vale pantanoso, que aponta para a baixeza, tem inveja da montanha, que aponta para o alto. E a inveja produz a ira. A cidade dos homens, cheia de soberba, quer a morte dos justos. Como se sua impiedade se saciasse com sangue inocente. “Levantaram-se contra mim homens soberbos, e um tropel de poderosos atenta contra a minha vida” (Sl. 85,14). E ainda: “E todos os que querem viver piamente em Jesus Cristo padecerão perseguição” (2Tim. 3,12). São José sofreu o martírio, por causa de Cristo, interior e espiritualmente, de modo singular. Para ser mártir é suficiente sofrer uma dor capaz de dar a morte, ainda que em realidade não se venha a morrer[48] O número três simboliza a ordem espiritual e o quatro, a ordem material. Sete simboliza a perfeição total (soma dos anteriores). Por isso, Nossa Senhora teve sete dores, pois ela participou materialmente e espiritualmente da morte de Cristo. São José participou espiritualmente da morte de Cristo por antecipação, mas não materialmente. O mistério da encarnação e o da redenção são o mesmo[49]. E o primeiro remete ao segundo. José, muito embora tenha tido as suas próprias sete dores, acompanhou três das sete dores de Maria: profecia de Simeão (Lc. 2,34-35), fuga para o Egito (Mt. 2,13-21) e perda do menino Jesus (Lc. 2,41-51). Ora, estes episódios (ocorridos ainda na infância de Cristo e ligados ao mistério da encarnação) remetem à paixão de Cristo, que Maria e José sofreram por antecipação, interior e espiritualmente. Assim, por exemplo, a perda e o reencontro remetem à morte e ressurreição de Cristo. As quatro dores seguintes se referem à participação material de Maria no suplício e morte no calvário, que José não acompanhou. São José carregou três cruzes: 1)      Sofreu, por antecipação, o que Cristo iria sofrer 2)      Sofreu por Nossa Senhora, porque sabia que uma espada ia transpassar a alma dEla. 3)      E teve seus próprios sofrimentos (suas sete dores).

 

6. CONCLUSÃO 

São José não acompanhou a morte de Cristo. Sua missão era protegê-Lo e dentro dela, foi invencível. Encerrada esta, Deus o chamou. A sua forma de morrer só poderia ser silenciosa, não há nada sobre ela nas Escrituras, e protegida por Aqueles que ele defendeu em vida. Ele teve a morte mais singular de toda a história, impossível de ser repetida. Faleceu junto da Porta do Céu, Janua caeli, ao lado da Corredentora e do Redentor. São José nada disse nas Escrituras. Nem precisou. Sua missão, sua graça e sua glória falam por si. Ele não foi profeta nem patriarca típico nem apóstolo nem evangelista nem mártir nem doutor nem fundador de ordem. Ele não quis ser conhecido nem estimado nem honrado nem preferido nem consultado. Ele aceitou se calar. Nosso Senhor e Nossa Senhora é que detém toda a glória.

Único.

Humilde.

Justo.

Com lágrimas neste vale imundo,

vejo a montanha de alto valor,

que muito contrasta com o mundo.

 

Olha para este mui pecador,

pequeníssimo, ante tua grandeza.

Minhas misérias pesam com dor.

 

A ti imploro com singeleza,

alívio, consolo e proteção.

És sábio,de incorrupta fortaleza.

 

A mais honrada e bela missão.

Jesus e Maria são tua história,

Deles, mantenedor e guardião.

 

És vaso transbordante de glória,

ó castíssimo tutor e esposo.

 Tua vida respira só a vitória.

 

Movido ao modo mais venturoso,

                                                              extrema graça e máxima fé,                                                                

Nobre, justo, humilde e poderoso.

 

No “dies irae”, roga por mim, José.

São Paulo, 19 de março de 2016

Na festa de São José Marcelo Andrade

 

7.BIBLIOGRAFIA 

1) Aquino, São Tomás. Suma Teológica, São Paulo, Ed. Loyola, 2006. Catena Aurea, disponível no site (em espanhol): http://hjg.com.ar/catena/c0.html

2) Fedeli, Orlando. O Sermão da Montanha e as Bem-aventuranças Evangélicas, disponível no site: www.montfort.org.br.

3) Garrigou-Lagrange, Reginald. La Madre Del Salvador Y Nuestra Vida Interior. Madrid, Ediciones Rialp, 1976.

4) Liguori, São Afonso Maria. Glórias de Maria Santíssima, Petrópolis, Vozes, 1937, 2ª Ed.

5) Montfort, São Luis Maria Grignion. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, Petrópolis, Vozes, 1996.

6) Torrel, Jean-Pierre. Iniciação a Santo Tomás de Aquino, São Paulo, Ed. Loyola, 1993.                                         

 


[1] Principalmente São Tomás de Aquino.

[2] Especialmente Garrigou-Lagrange.

[3] Conforme ensinou São Agostinho, por primeiro.

[4] Discurso na festa de São José, 19/03/1928.

[5] I-II, q. 69.

[6] I-II, q. 68.

[7] I-II, q. 69, a. 3, rep.

[8] II-II, q.19, a.9, rep.

[9] Neste sentido, São Basílio, São Efrém e outros apud São Tomás de Aquino, Catena Aurea, comentários a Mt. 1,19. Há outras interpretações, todavia, foge ao escopo deste trabalho relacioná-las.

[10] I-II, q. 43, a. 2.

[11] Sobre a magnanimidade ver: II-II, q. 129.

[12] Ligório, São Afonso Maria. Glórias de Maria Santíssima, Petrópolis, Vozes, 1937, 2ª Ed., p. 339.

[13] A relação dos dons e das bem-aventuranças com as sete dores de São José ocorre naturalmente. Evidentemente, outras interpretações e relações seriam possíveis.

[14] No decorrer deste trabalho, o prêmio sempre será o da bem-aventurança descrito nos títulos; e a alegria sempre será aquela associada a cada dor de São José.

[15] I-II, q. 69, a.3, rep.

[16] II-II, q.121, a.1.

[17] São Hilário, apud São Tomás de Aquino, Catena Aurea, comentários a Mt 5,4.

[18] Interessante observar que o verbo (accepit), em latim na Vulgata, usado nesta passagem, é o mesmo usado na fórmula da Consagração.

[19] II-II, q. 101, a.2.

[20] I-II, q. 69, a.3, rep.

[21] II-II, q. 9.

[22] I-II, q. 69, a.3, sol. 3.

[23] I-II, q. 69, a.4, rep.

[24] Dá-se como certo que as árvores na Palestina, naquela época, encontravam-se nos cumes.

[25] III, q.70, a.2, sol.1.

[26] I-II, q.69, a.3, rep.

[27] II-II, q. 139.

[28] I-II, q.69, a.4, rep.

[29] II-II, q. 52.

[30] Neste sentido São Bernardo apud Liguori, São Afonso, ob. cit. P. 319

[31] II-II, q. 52, a.2

[32] Segundo Cícero apud II-II, q. 49.

[33] II-II, q. 47, a. 8.

[34] I-II, q. 69, rep.

[35] II-II, q.8.

[36] Retos são também os justos, pois é própria da justiça a retidão que se realiza nas coisas exteriores que estão a serviço dos homens, I-II, q.55, a.4, sol.4.

[37] Neste sentido, Bossuet apud Garrigou-Lagrange, Reginald. La Madre Del Salvador Y Nuestra Vida Interior. Ediciones Rialp, Madrid, 1976, p. 389.

[38] Neste sentido Sinibaldi apud Garrigou-Lagrange ob. cit, p. 385.

[39] II-II, q.8, a.1, rep

[40] II-II, q.179, a.2, s.c.

[41] II-II, q.182, a.2, rep.

[42] II-II, q.180, a.4, s.c.

[43] II-II, q. 181

[44] II-II, q.45, a.6, rep

[45] II-II, q. 45

[46] Torrel, Jean-Pierre, Iniciação a Santo Tomás de Aquino, São Paulo, Ed. Loyola, 1993, p. 39

[47] São Tomás apud Torrel, Jean-Pierre, ob. cit. P. 39

[48] Liguori, São Afonso Maria, ob cit. P. 318

[49] Idem. P. 319

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