Orlando Fedeli
Cristo e a Pena de Morte
- Localização: Belo horizonte – MG
Salve Maria!
Li seu tópico “Helio Bicudo e a Pena de Morte”, e gostaria de que me respondesse algumas perguntas que tive ao ler as seguintes passagens que enumero:
(1)”É muito importante, hoje, demonstrar que a pena de morte é defendida pelo próprio Cristo, porque a sociedade está literalmente morrendo pela impunidade aos crimes.”
(2)”O sentimentalismo romântico, o liberalismo, o modernismo adorador do Homem, tem causado o aumento da criminalidade e da violência pela propagação de utopias que exaltam uma bondade quimérica do homem, negadora do pecado original.”
(3)”Paz e amor é o slogan que domina e paralisa as autoridades, como se a paz não fosse fruto da justiça, e como se o amor proibisse punir os que erram. Só pode haver paz com a justiça. E castigar os que erram é obra de misericórdia.”
Perguntas:
(1) De onde, em toda doutrina Cristã, seja o Velho ou Novo Testamentos, você tirou que Cristo, o Cordeiro de Deus, defenderia a pena de morte? Pelo que sei, Cristo sempre defendeu o ato de “dar a outra face” e dizia que não se paga o mal com o mal. E a pena de morte vai contra dois mandamentos fundamentais: um dos 10 mandamentos de Moisés (não esqueça do “não matarás”) e um dos 2 mandamentos de Cristo ao resumir a doutrina Judaica em “Amar a Deus sobre todas as coisas” e “Amar ao próximo como a ti mesmo”.
(2) Afinal de contas, o que você quis dizer com essa “bondade quimérica” negadora do pecado original? Afinal, Cristo não disse para sermos como crianças para irmos ao Reino de Deus? Se o pecado original pesa sobre todas a humanidade, e se todos os homens são maus, por que Ele cita a pureza da criança? Não acha que essa maldade de que tanto fala, “o liberalismo, o modernismo adorador do Homem” são apenas bodes expiatórios de uma doutrina que o senhor segue, e que no fundo não quer enxergar a verdade sobre a violência e criminalidade: a concentração de riqueza, da propriedade, a disparidade de renda, um ambiente urbano insalubre com disparidade na qualidade habitacional, entre outras coisas?
(3)Verdade. Mas como o Amor e a Misericórdia permitem o ato extremo contra a vida que é a pena de morte?
Gostaria de entender o que motiva um católico tão puro e fervoroso a defender a pena de morte.
Por favor, mande uma confirmação em meu e-mail de sua resposta! Desejo lê-la o quanto antes!
Saudações católicas!
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Muito prezado,
salve Maria!
Você me pergunta: “De onde, em toda doutrina Cristã, seja o Velho ou Novo Testamentos, você tirou que Cristo, o Cordeiro de Deus, defenderia a pena de morte?”
Mas tirei da Sagrada Escritura, claro!
No Apocalipse, Cristo diz: “Quem matar à espada , importa que seja morto à espada” (Apoc. XIII, 10).
Tirei do Evangelho de São João, onde se lê que Pilatos disse a Cristo que tinha poder de condená-lo à morte, coisa que Cristo reconheceu imediatamente.
Disse Pilatos a Jesus: “Não me respondes? Não sabes que tenho poder para te soltar, e também para te crucificar? Respondeu Jesus: “Tu não terias poder nenhum sobre mim, se não te fosse dado do Alto. Por isso, quem me entregou a ti, cometeu pecado maior” (Jo. XIX 10-11).
Logo, o poder das autoridades estatais de condenar à morte vem de Deus.
E Jesus disse a Pedro, quando este cortou a orelha do servo de Templo; “Pedro, mete a espada na bainha, porque, quem com o ferro fere, como ferro será ferido” (Mt.XXVI, 52).
Repare que Cristo não mandou São Pedro jogar fora a espada. Não proibiu que a usasse. Mandou guardá-la, porque, no futuro, quando Pedro fosse o representante de Cristo, ele deveria mandar matar à espada, quem matasse à espada.
E na Cruz, quando o bom ladrão disse que ele e o mau ladrão haviam recebido o justo castigo de suas ações, isto é, a pena de morte, Jesus o aprovou na hora:
“Nem tu temes a Deus estando no mesmo suplício? Nós estamos na verdade justamente recebendo o castigo que merecem as nossas ações, mas este não fez mal nenhum”. (Luc.XXIII, 40-41).
O bom ladrão defendeu a pena de morte e Jesus lhe disse que nesse mesmo dia estaria ele no paraíso.
E agora, meu caro?
Que Evangelho você leu onde não se aprova a pena de morte?
Nos Evangelhos se lê que Cristo aprova a pena de morte.
Você alega que Deus nos mandamentos disse: “Não matarás” e não repara que o sujeito desse verbo é TU. Deus proibiu que cada homem matasse outro. Mas ordenou que Moisés, que era a autoridade sobre todo o povo, matasse os feiticeiros, os incestuosos os assassinos, etc.
Veja no Êxodo capítulo XXI, versículos 12 a 18 a lista dos crimes que Deus mandou punir com a pena de morte.
E agora, meu caro?
São Tomás, na Suma Teológica, prova que a pena de morte é legítima do seguinte modo: Ele trata desse problema na Suma Teológica no Tratado da Justiça II, IIae, Q. 64, a.2.
Esse artigo 2 reponde à questão: “Se é lícito matar os pecadores”.
Evidentemente, ele trata, aí, se é lícito à autoridade pública matar os pecadores, porque ao indivíduo enquanto tal, é claro que isso não é lícito, pois o quinto mandamento da lei de Deus diz: “Tu não matarás”.
São Tomás mostra que, na Sagrada Escritura, Deus diz a Moisés: “Não permitirás que vivam os feiticeiros” (EX, XXII, 18) e que nos Salmos está escrito: “De madrugada matava todos os pecadores do país” ( Sl.C, 8).
Dando solução ao problema posto na questão 2 , diz São Tomas:
“Conforme já foi exposto [ no artigo 1 da Q. 64] é lícito matar os animais brutos, enquanto eles são ordenados por natureza ao uso dos homens, como o imperfeito se ordena ao perfeito.
Pois toda a parte se ordena ao todo, como o imperfeito ao perfeito, e, por isso, cada parte existe naturalmente para o todo.
Assim, nós vemos que se fosse necessário para a saúde de todo o corpo humano a amputação de algum membro, por exemplo, se a parte está apodrecida e pode infeccionar as demais partes, tal amputação seria louvável e salutar.
Pois bem, cada pessoa singular se compara a toda a comunidade como a parte para o todo.
Portanto, se um homem é perigoso para a sociedade e a corrompe por algum pecado, louvável e salutarmente se lhe tira a vida para a conservação do bem comum, pois como afirma São Paulo, “um pouco de fermento corrompe toda a massa”.”
Essa é a argumentação fundamental de São Tomás para defender e justificar a pena de morte.
E agora, meu caro?
No site Montfort*, você poderá encontrar várias cartas e artigos meus, tratando mais largamente desse tema.
Jesus nos mandou dar a outra face, mas quando Ele foi esbofeteado, Ele não deu a outra face, mas protestou dizendo: “Se errei, mostra-me onde. Se não, porque me bates” (Jo. XVIII, 24).
Logo, nem sempre se deve dar a outra face. Depois, devo dar, em certas circunstâncias, a outra face, quando me ofendem pessoalmente, não quando outra pessoa é agredida.
Quando alguém é agredido injustamente, devemos defender a vitima, e não pedir que o esbofeteado dê, de novo, a cara para apanhar mais um pouco. E o governo deve defender os agredidos, e nunca pedir às vítimas que se deixem agredir de novo pelos agressores.
Por isso São Paulo nos ensina: “Teme o príncipe, porque não é em vão que ele traz a a espada. Porque ele é ministro de Deus vingador, para punir aquele que faz o mal” (Rom. XIII,4).
E agora, meu caro?
Ensina São Tomás, que a pena de morte sempre é caridosa;
– Primeiro, porque faz o criminoso fazer penitência e facilita sua conversão.
– Segundo, porque, se ele não se arrepende, ele viverá menos tempo em pecado, e sofrerá menos no inferno.
A doutrina que sigo do pecado original é a católica que ensina que todos os homens –exceto a Virgem Maria –são concebidos no pecado.
Cristo mandou que fôssemos como as crianças ainda sem malícia, mas, também essas crianças nascem com o pecado original.
In Corde Jesu, semper,
Orlando Fedeli
*O professor Orlando Fedeli foi presidente da Associação cultural Montfort de 1983 a 2010.