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1484- Sem Pretender Ensinar o Padre Nosso ao Vigário

Orlando Fedeli

 Sem Pretender Ensinar o Padre Nosso ao Vigário

 

  • Localização: Brasília – DF

Muito prezado e Reverendo Padre X.,
Salve Maria!

Agradeço seu elogio a meus trabalhos e seus santos desejos de bênção para minha pessoa. Deus lhe pague. Peço-lhe, Padre, que, em suas Missas, não se esqueça da Montfort* e de mim.
Fico bem contente que o senhor considere que, depois do Vaticano II, uma onda de barbárie invadiu a Igreja.
De minha parte considero que essa onda invasora só conseguiu ser tão devastadora e tão universal, em grande parte, pela Reforma da Liturgia, visto que a Missa é o coração da Igreja Católica. E essa desgraça só teve tão péssimo resultado exatamente pela introdução do vernáculo na liturgia, coisa desejada por Lutero e pelos jansenistas.
Vejo que o senhor não leva isso em conta, e julga que a adoção do vernáculo na Missa trouxe vantagens.
Seu erro de consideração, Padre, — permita-me dizê-lo com todo o respeito pelo seu caráter sacerdotal — consiste em julgar que a Missa é dirigida primeiramente ao povo.
Ora, a Missa é rezada para Deus, e não para o povo. Por isso é secundário que o povo entenda todas as palavras da Missa. O povo precisa conhecer o que é a Missa.
A Missa, o Papa João Paulo II teve que lembrar isso a todo o clero, e a todo o povo, é a renovação do sacrifício do Calvário. Quem sabe disso entre os que freqüentam, e mesmo entre os que rezam a Missa Nova, hoje em dia?
Poucos…Bem poucos…
Infelizmente.
Infelizmente, sim, porque hoje, quando a Missa é rezada em vernáculo, nem o povo, e, muitas vezes, nem certos sacerdotes, sabem o que é a Missa.
É claro que as partes didáticas da Missa dos Catecúmenos — a Epístola e o Evangelho junto com o sermão — visam a instrução do povo. Por isso, sempre essas partes, mesmo na missa de sempre, durante quase dois mil anos, essas partes da Missa foram ditas em vernáculo, para que o povo compreendesse mais facilmente o que lhe era ensinado. As demais partes, que visam a Deus, sempre foram ditas em língua morta, sagrada.
O senhor sabe muito bem que na Missa se usam palavras em latim, grego e hebraico, porque a condenação de Cristo escrita por Pilatos, e colocada sobre a Cruz, no Calvário, foi redigida em latim, grego e hebraico. Por isso a Missa usa palavras dessas três línguas, visto que a Missa é a renovação do sacrifício do Calvário.
A missa não é aula. Nem muito menos é show para divertir o povo, como desgraçadamente ela foi transformada depois da reforma da Liturgia decretada por Paulo VI, e redigida com a cooperação de seis pastores protestantes.
Que se poderia esperar dessa cooperação, senão a destruição da Liturgia, como bem lembrou o Cardeal Ratzinger — agora, graças a Deus, papa Bento XVI — várias vezes?
O senhor me lembra que “Jesus, quando esteve entre os judeus, procurou falar uma língua que lhes fosse compreensível. A língua para ele não era importante”.
Sim, é verdade. Quando Jesus falava, ensinando o povo, usava o aramaico, língua do povo. Por isso, o sermão deve ser feito, normalmente, em vernáculo.
Mas o senhor notou, Padre que, no Calvário, Jesus disse “Eli, Eli, lama sabactani”, e que os judeus não entenderam o que Jesus disse ?
Por que não entenderam?
Por que, na hora do seu divino sacrifício, Jesus não usou a língua do povo. Usou o hebraico, língua sagrada. Usou a língua litúrgica, que o povo normalmente não entendia.
O senhor me diz, ainda: “A roupagem muda e deve mudar, para que não haja anacronismos ridículos”
Ora, o ridículo se introduz exatamente com o vernáculo, língua viva, na qual o significado das palavras muda constantemente.
Veja, por exemplo, Padre, o seguinte exemplo.
Quando o Padre diz: “Ide, a Missa está acabada” — o antigo e solene: “Ite, Missa est” — o povo responde hoje, ridiculamente, um “Graças a Deus”, que na linguagem comum significa, hoje: “Ufa! Ainda bem! Não agüentava mais!”
Bem diferente do solene e sacrossanto “Deo gratias!” de antigamente.

Padre, nas línguas vivas, as palavras mudam continuamente de sentido, o que possibilita a introdução de termos que passam a ter sentido dúbio, errôneo, e por vezes, até obsceno.
Veja, por exemplo, a palavra formidável. Hoje, dizer que se assistiu a um filme formidável significa que se assistiu a um filme excelente. Entretanto, a palavra formidável significa, literalmente, que dá medo.
Por isso a Igreja, usa uma língua morta, na qual as palavras tem seu sentido cristalizado, e, portanto, que dificulta a introdução de erros doutrinários.
O senhor diz que o latim era uma língua pagã.
Sim, o latim foi uma língua pagã que a Igreja “batizou”. E convinha muito para a Missa, culto central da religião de um Deus morto e ressuscitado, o emprego de uma língua morta, que a Igreja ressuscitou e santificou.
Toda a sua argumentação a favor do vernáculo se fundamenta na idéia de que o vernáculo é entendido pelo povo.
Será isso verdade, Padre?
Será que o povo entende as Epístolas de São Paulo, só porque são lidas em vernáculo ?
É claro que não, Padre.
E vamos a uma questão bem mais simples que as epístolas de São Paulo:
Que se entende quando o padre diz : “O Senhor esteja convosco?”
Que se entende quando o povo responde : “Ele está no meio de nós”.
Padre, acredito que até muitos sacerdotes, hoje, muito mal formados em seminários que ensinam mal a verdade, e que muitas vezes só ensinam as heresias modernistas, não entendam o que significa essa simples frase, dita em vernáculo: ” O Senhor esteja convosco.”
Essa frase tem o verbo no subjuntivo presente, o que exprime desejo. Por ela, o Padre afirma seu desejo de que todas as almas das pessoas presentes à Missa estejam na graça de Deus, possuam a graça santificante, isto é, que participem da vida divina.
Tenho certeza, pelos debates que já tive, que muitos sacerdotes, infelizmente, nem têm idéia do que é a graça santificante. E se alguns padres não sabem o que é a graça santificante — e alguns não sabem nem o que o modo subjuntivo exprime — muito menos o povo sabe o que repete de modo puramente maquinal.
Ora, a resposta a esse desejo do sacerdote era “Et cum spiritu tuo”. (E com teu espírito).
O povo retribuía o santo desejo do sacerdote, desejando que Deus habitasse também na alma do sacerdote pela graça santificante, pois ninguém sabe se está ou não na graça de Deus. Desejamos e esperamos estar na graça. Não sabemos se a possuímos, pois está dito no Eclesiastes (IX,1):
“O Homem não sabe se é digno do amor, se do ódio” [ de Deus]. [Só Padre Jonas Abib tem a certeza de que está na graça de Deus. Mas essa certeza vai contra a doutrina revelada pela Escritura e confirmada pela Igreja].
Agora o desejo expresso pelo sacerdote no Dominus vobiscum é respondido com um estranho “Ele está nomeio de nós”.
Como está no meio de nós?
Em português seria “Ele está entre nós”, e não “no meio de nós”.
E teologicamente isso seria certo?
Deus está mesmo no meio de nós?
Isso dá mais idéia de imanentismo panteísta do que de doutrina católica.
Conforme a doutrina católica isso é descabido. Mas essa tradução absurda do “et cum spirito tuo” está bem de acordo com a doutrina modernista e liturgicista de que Deus está presente na assembléia dos fiéis.
Na “comunidadje”, como se diz hoje.
Hoje, se crê mais numa pseudo presença divina no povo — presença gnóstica — do que na presença real de Jesus na hóstia consagrada.
Essa foi, Padre, uma das péssimas conseqüências do vernáculo na Missa.
E se o senhor considera que o vernáculo é melhor, porque é compreensível pelo povo, explique-me, Padre, como se deve entender a frase “O amor de Cristo nos uniu”.
Padre, Deus ama a todos os homens, santos e pecadores. A uns, Ele ama, também porque são bons. Os pecadores Ele os ama, porque lhes deseja o bem da conversão, e lhes concede as graças necessárias e suficientes para que se convertam, e vão para o céu. Deus amou Caim e Abel. Mas esse amor de Deus por eles não os uniu.
…A não ser pelo pescoço…
O amor de Deus não une os bons e os maus.
É o amor a Deus que une os bons.
E visto que o senhor defende o uso do vernáculo, ouso — com todo respeito — ter dúvida de que o senhor mesmo não se tenha dado conta da importância dessa preposição a na frase citada e analisada logo acima.
E que significa, em português, o povo responder, logo depois da Consagração, à palavra do sacerdote “Eis o Mistério da Fé!”!:
“Nós anunciamos, Senhor, a tua morte, e proclamamos a tua ressurreição, enquanto aguardamos a Tua vinda. Vinde Senhor Jesus”.
Como se pode aguardar a vinda de Cristo, se Ele acabou de estar realmente presente na Hóstia consagrada?
Não insinua essa frase, tão mal colocada, que Cristo ainda não está realmente presente na Hóstia que o Padre acabou de consagrar?
Essa resposta do povo é, pelo menos, bem ambígua.
Sei, sei bem o que o senhor — como todo mundo — vai argumentar; que se aguarda a vida de Cristo, no final dos tempos, para julgar todos os homens, no Juízo Final.
Ora, João Paulo II, ainda quando era Cardeal, escreveu uma interpretação diversa desta, que todo o mundo imagina e repete.
Disse João Paulo II:
“Jesus prediz a sua segunda vinda, que, como a primeira, deve ser preparada pelo Espírito Santo, não mais no seio da Virgem, mas no seio de todo o Corpo místico. Por isso a Igreja durante a assembléia eucarística proclama depois da consagração: “Anunciamos, Senhor, a vossa morte, e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde Senhor Jesus” (Karol Wojtyla, Sinal de Contradição,Paulinas, São Paulo, 1979, p.82).
Portanto, para o Cardeal Wojtyla, a segunda vinda anunciada é na união de Cristo com a Igreja, e não propriamente no fim do mundo.
E se o senhor for discutir o significado do que escreveu o Cardeal Wojtyla, ainda que eu esteja errado em minha leitura, o senhor terá provado que não adianta o texto ser em vernáculo para ser corretamente entendido.
Portanto, de que adianta a Missa em vernáculo, como a desejavam Lutero e os jansenistas?
E por que os hereges desejavam que a Missa fosse rezada em vernáculo?
Desejavam isso, porque diziam que quem rezava a Missa era o povo e não o padre. E esse erro gravíssimo, que acaba com a distinção entre clero e leigos, é repetido por muitos, hoje em dia.
Por isso, padre, é preciso combater a Missa em vernáculo. É preciso salientar o sacerdócio real e completo do clero devidamente ordenado, e explicar o que é sacerdócio, apenas por participação, do povo fiel.
A Missa em vernáculo preparou a democratização da Igreja através da colegialidade igualitária.
O senhor me diz bem que:
“O que interessa é a verdade, o conteúdo. Se o conteúdo for mau, mesmo que a língua seja maravilhosa, de nada vale. Um hereje pode ser hereje falando latim ou qualquer outra língua. Não é a língua que faz a diferença”.
Por isso, não basta rezar a Missa em latim, se nas frases em latim houver a ambigüidade certas fórmulas da Missa Nova. Mesmo em latim, algumas fórmulas da Missa Nova de Paulo VI — feitas por seis pastores protestantes — são criticáveis.
E ainda falando do texto em vernáculo, será que o povo entende o que significa a fórmula : “Santo, Santo, Santo, é o Senhor Deus dos exércitos?” (Sanctus, Sanctus, Sanctus, Dominus Deus sabbaoth!)
Será que o senhor não se ofende se lhe disser o que me parece óbvio: que poucos sacerdotes compreendem o que significa essa frase dos anjos revelada por Isaías?
E por que acredito que bem poucos sacerdotes compreendem essa frase? Porque praticamente ninguém estranhou a troca de “Deus dos exércitos” por “Deus do Universo”.
Ora, nosso Deus não é o Deus do universo. Nosso Deus é o Deus infinitamente transcendente, o Criador do universo. Deus do universo é Júpiter. É Zeus.
Deus do universo insinua panteísmo.
E será que se compreende o que significa a palavra Santo aplicada a Deus?
Entende-se o que é a transcendência divina?
Quantos compreendem que se diz três vezes Santo para distinguir a Trindade de Pessoas, e depois se afirma que essa Trindade é o Senhor, no singular, afirmando a Unidade de substância do Deus Uno.
Alguns, muito grosseira e tolamente, vêem uma conotação militarista na fórmula “Deus dos exércitos”, que evidentemente não faz referência às forças armadas, e sim às milícias dos espíritos angélicos, pois que, segundo Isaías, eram dois serafins que cantavam a transcendência divina.
E quem, nos seminários atuais, explica o que significa transcendência?
E essa palavra é de língua vulgar!
Padre, de nada adianta a Missa em português, porque bem poucos hoje, desgraçadamente, mesmo do clero, entendem o que é dito em português.
Exagero?
Claro que sei de bem honrosas exceções, entre as quais o incluo.
Mas elas parecem ser tão poucas…
Pois faça um teste, Padre.
Pergunte a sacerdotes de seu convívio, especialmente aos mais jovens ordenados depois do Vaticano II, o que significa Verbo, e como, e por que, está escrito que “No princípio era o Verbo”?
Tenho a certeza que muitos lhe dirão que esse “no princípio” significa “no começo”.
Só que em Deus não há começo.
São confusões de quem pensa que entende o vernáculo…
Confusões de quem aprendeu a Teologia modernista pós conciliar.
Pergunte ainda como Jesus é o Filho de Deus… Pois se Deus é puro espírito, e não tem corpo, como pode Ele ter um Filho?
E o senhor verá que explicações estapafúrdias lhe darão os “teólogos” modernos e moderninhos…
E eles pensam que entendem o português!…

“Coisas espantosas e estranhas se tem feito nesta terra: os profetas profetizaram a mentira, e os sacerdotes do Senhor aplaudiram-nas com suas mãos, e o meu povo amou essas coisas. Que castigo não virá, pois, sobre essa gente no fim de tudo isto?” (Jer. V, 30).

E não é verdade, Padre, que o Vaticano II mandou abolir o latim na Missa. Pelo contrário, mandou conservá-lo.
Veja, Padre, o texto do Vaticano II sobre a conservação do latim, na Missa:

“Salvo o direito particular, seja conservado o uso da língua latina nos ritos latinos.
“Contudo, já que, ou na Missa, ou na administração dos Sacramentos, ou em outras partes da Liturgia pode, não raro, o emprego da língua vernácula ser muito útil ao povo, permite-se dar-lhe um lugar mais amplo, principalmente nas leituras e admoestações, em algumas orações e cânticos, conforme as normas que a respeito disso serão pormenorizadamente estabelecidas nos capítulos seguintes” (Concílio Vaticano II, Constituição Sacrosanctum Concilium, n * 36, apud Compêndio do Vaticano II, Vozes, Petrópolis, 1969).

Dar um “lugar mais amplo” foi entendido como eliminar o latim.
É assim que o novo clero da Nova igreja — como eles a chamam — entende o vernáculo

O senhor reconhece que o Vaticano II foi mal interpretado. Entretanto, ele tem versões oficiais em vernáculo…
Se ele foi mal interpretado é porque foi ambíguo, e não foi claro em suas formulações. Daí, a divisão existente, hoje, na Igreja, entre os seguidores da “letra do Concílio”, e os seguidores do “espírito do Concílio”.
O Papa Bento XVI terá que escolher o caminho nesse dilema. E como disse, um jornalista, o Pontificado de Bento XVI se anuncia dramático.
Rezemos pelo Papa Bento XVI
Seguirá Bento XVI, na Liturgia, o que ele defendia quando era o Cardeal Ratzinger?
Ele defendia a Missa versum Deum e não mais versum Populum. E defendia preferencialmente o uso do latim. E o Cardeal Ratzinger condenou o rock na Missa como um “contra culto”. Se Bento XVI, restaurar a Missa em Latim, sem rock, e voltada para Deus, e não para o povo, a Missa nova perderá toda a “graça”.
Deixará de ser show, e acabarão os abusos que João Paulo II condenou, e que ninguém leva em conta. É como se João Paulo II tivesse falado língua que ninguém entende: o latim, a língua da Igreja.
Para mau entendedor nem longos decretos bastam.
Perdoe-me, Padre, “mon trop franc parler” – minha linguagem franca demais, e meu tom direto. Mas mesmo escrevendo em vernáculo é preciso ser claro.
Como na liturgia…
Antiga….
E em latim.

In Corde Jesu, semper,
Orlando Fedeli

PS Como o senhor me pede, não publicarei sua carta e nem o seu nome.
Creio, porém que não violo o seu pedido, se publicar somente a minha resposta, sem citar seu nome, e nem a sua missiva — para aproveitar meu texto, a fim de que seja útil aos leitores do site Montfort*.
Com todo o meu respeito e estima OF

 

 

*O professor Orlando Fedeli foi presidente da Associação cultural Montfort de 1983 a 2010.