A Cidade do Santo Nome de Deus

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Marcelo Andrade

 

A CIDADE DO SANTO NOME DE DEUS
Uma cidade incontroversa com nome de uma controvérsia

 

Macau, a cidade do Santo Nome de Deus, ex-colônia portuguesa, é um dos locais mais ricos do mundo e chegou-se a anunciar que ia ser o local, provido de administração autônoma, com a maior renda per capita. Possui uma população de aproximadamente de 650.000 almas.

Ué, mas, e a “maldita herança portuguesa”? Como Macau que era portuguesa até 1999, pode ser tão rica?

Bom, vão dizer: Mas, Macau é pequena, é por causa da China que ela é rica, é por causa dos cassinos, lá quase ninguém fala português etc. Realmente, é verdade, os investimentos chineses foram decisivos, ou seja, os “fatores externos”, estranhos à colonização portuguesa, é que definiram a riqueza do local.

Mas, porque, então, certos “fatores externos” não poderiam ser aplicados à história do Brasil, no sentido oposto, ou seja, que a decadência que o Brasil enfrentou após a Proclamação da República não teve nada a ver com a “herança portuguesa”?

Mas, aí não vale, desculpas serão empregadas, será sempre “dois pesos e duas medidas”. A falsa questão: “Brasil pobre por causa de Portugal” é uma conclusão sem premissas, não passa de um “bordão papagaiado”.

Contudo, a excelência de Macau, não está no dinheiro, está na sua ímpar história, está no apostolado realizado por Portugal lá, um valor que a sociedade moderna não entende, um valor que não se aproxima das contas bancárias, mas sim das contas do Rosário.
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Após a fundação do Império do Oriente Português pelo leão dos mares, Afonso de Albuquerque, com sede em Goa, Portugal pôde ir além, em direção ao Extremo Oriente e em 1513, Jorge Álvares chegou na costa chinesa.

Na década de 50 do século XVI, os portugueses estabeleceram-se ilegalmente, à revelia dos chineses, na região do delta do Rio das Pérolas, mas em 1557 (pouco depois da fundação de São Paulo, no outro lado do mundo ), foi dada a autorização pelos chineses para a permanência desta base portuguesa e, então, nesta data e no mesmo local nasceu a Macau (nome chinês) portuguesa, batizada pelos católicos de “Porto do Nome de Deus”, mudada depois para “Cidade do Nome de Deus”, expressão usada também acrescentando-se a palavra “Santo”.

[1] https://cnf.org.br/macau-vai-superar-o-qatar-como-o-mais-rico-do-mundo/

[2] É interessante observar que nestas terras brasileiras houve o que se chamou de “chinesices mineiras”, que eram ornamentação oriental (trazidas de Macau pelos jesuítas) presente em algumas igrejas, como a Capela do Padre Faria em Ouro Preto.

 

Logo depois da fundação, já começaram as missões e em 1576, a cidade já era o centro de uma diocese instituída por Gregório XII na Bula Super Specula Militantis Ecclesiae, sob o rito romano e sufragânea de Goa. A diocese macauense tinha jurisdição sobre toda a China, Japão, Coreia e ilhas adjacentes e dela, nasceram outras 600 dioceses. A maior parte das missões, como era a regra no Império Lusitano, era feita pelos jesuítas.

Macau estava para a China e o Extremo Oriente, assim como Portugal estava para o mundo. Rotas de comércio e de missões foram feitas para o Japão, Indonésia, Camboja, Vietnã e Tailândia.

A Santa Casa de Misericórdia macauense foi fundada em 1569, instituição extremamente popular nas cidades coloniais portuguesas. E por causa do comércio de Macau com Manila, nesta cidade também foi fundada uma Santa Casa, caso único no Império Espanhol. O Colégio São Paulo foi fundado em 1594, pelo jesuíta Alessandro Valignano e foi na realidade a primeira universidade do Extremo Oriente, o concelho de Macau foi fundado em 1583.

De todas as rotas que saiam de Macau, a mais notável foi a de Macau-Nagasaki (esta cidade também era portuguesa), que funcionou de 1557 a 1639, chamada de Viagem do Japão, o responsável por ela, era o Capitão-mor da Viagem do Japão, e utilizavam a “nau do trato”, também conhecida como “o grande navio de Amacau”, sempre pintada de preto, por isso eram conhecidos também como “navios negros”. Esta rota levava seda, armas, carpetes persas etc. pra Nagasaki e voltava com prata, chegou a ser uma das rotas mais lucrativas do mundo, mas seu maior valor é que ela permitiu a ida de missionários para o Japão, reforçando o apostolado por lá. Os jesuítas participaram ativamente dela.

Porém, no Japão iniciou-se uma perseguição feroz contra os católicos de lá, no ano de 1640 saiu de Macau a esplêndida “embaixada mártir”, conhecida assim porque os seus integrantes foram executados, por serem católicos, quando chegaram em Nagasaki. Infelizmente, a rota com o Império do Sol Nascente findou.

De todos os missionários que partiram de Macau, o mais famoso foi o jesuíta Matteo Ricci, “Grande Mestre do Ocidente” , autor de vários livros de apologética, que se instalou em Pequim no começo do séc. XVII, com permissão do Imperador chinês, iniciando um longo e profícuo apostolado nesta cidade. Em 1690, décadas depois da sua morte, foi restabelecida a diocese de Pequim também a cargo do Padroado, de modo que quem indicava o bispo desta cidade (que era ratificado pelo papa) era o rei de Portugal. Os jesuítas eram conhecidos lá como “mestres da religião do Senhor do Céu”.

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[3] A Instituição “Santa Casa de Misericórdia” foi fundada em Lisboa em 1498 por iniciativa da rainha-mãe Leonor de Lancastre e serviu de modelo para todas as outras similares que tinham seus estatutos baseadas na primeira Misericórdia. Foi bastante difundida no Império Lusitano e foi talvez a instituição secular de caridade provida de um mesmo estatuto mais difundida no mundo, a primeira do Brasil foi a de Olinda de 1539. O objetivo das Misericórdias era fazer as 14 obras de caridade material e espiritual.

[4] http://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/messages/pont-messages/2009/documents/hf_ben-xvi_mes_20090506_ricci.html

 

 

O catolicismo na China conheceu muitos martírios, desde meados do séc. XVII até o séc. XX foram reconhecidos 120 mártires, mas o número deve ser bem maior. Houve períodos de tolerância com o catolicismo e tempos de perseguição, havendo também regionalismo nas perseguições.

No contexto da Guerra Luso-Holandesa (1595-1663), os holandeses da VOC (Companhia das Índias Orientais) uma companhia protestante a serviço do dinheiro e do ódio contra o catolicismo, conseguiram, depois de roubar os segredos de navegação portuguesa, navegar no Extremo Oriente a partir do começo do séc. XVI, e então, nessa época, já assaltavam as cidades portuguesas e saqueavam os navios lusitanos. No dia 24 de junho de 1622, Macau sofreu uma investida dos holandeses que desembarcaram com uma força de 800 contra apenas 200 macauenses prontos para a luta, contudo, os católicos venceram de modo heroico a ponto de fazer os hereges correrem em desespero em direção aos seus navios, muitos deles se afogaram. A vitória foi atribuída à intervenção de São João Batista, por isso, ele é o padroeiro da cidade.

Durante a união Ibérica de 1580-1640, época na qual Portugal era dominado pela Espanha, a cidade nunca deixou de hastear a bandeira portuguesa. Macau, até 1999, não tinha bandeira oficial própria e era a portuguesa mesmo que era hasteada lá. Sob certo ângulo e pelo simbolismo, por causa de Macau, Portugal manteve a unidade e independência lá.

Dom João IV, após a independência da Espanha, por causa da lealdade da cidade, alterou o nome dela para: “A Cidade do Nome de Deus de Macau, Não há Outra mais Leal” (a palavra “Santo” foi omitida). E o concelho passou a ser chamado de “Leal Senado”.
A partir do séc. XVIII, Macau perdeu importância, mas continuava viva. No séc. XIX, formou-se nesta cidade o padre André Kim, mártir coreano.

No começo do século XX, vários atritos surgiram na China com o Ocidente, como foi o caso da “Revolta dos Boxers”, durante estes atritos surgiram vários mártires, entre eles, o padre salesiano Versiglia que atuou na diocese de Macau.

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[5] A diocese foi instituída em 1307 no tempo do grande missionário Montecorvino, enviado pelo papa Nicolau IV, porém, ela foi suprimida em 1375 por causa das invasões turcas.

[6] Informalmente, muito tempo depois, passou a se usar a bandeira do Leal Senado.

[7] A Coreia conheceu talvez o único caso de autoconversão da história, episódio no qual um grupo de coreanos resolveram estudar para saber qual seria a religião verdadeira e leram uns livros de Matteo Ricci e se converteram para a fé verdadeira, fizeram batismos entre si (após um coreano ir a China e ser batizado lá por meio do bispo de Pequim) sem a presença de missionários. Porém, toda uma geração foi martirizada porque negaram a religião tradicional da Coréia. André Kim é fruto disto.

 

Nos anos 1960, houve protestos em Macau, o “motim 1-2-3”, alimentado por comunistas, este fato levou Portugal a negociar sua entrega para os chineses em 1999, e tristemente, nesta data, a cidade foi entregue aos chineses, onde foi instalado um governo autônomo, com tutela da China. O Império Português se encerrou lá (sobraram além de Portugal continental, apenas as henriquinas Madeira e Açores), e o fim do Padroado, na realidade se deu lá, também, pois lá viveram os últimos padres sustentados sobre este regime.

De fato, foi a cidade mais leal do Império Português. Infelizmente, hoje a cidade é famosa pelos seus cassinos (que foram instalados lá ainda durante o governo português), mas isto não apaga o seu augusto passado que está relatado nos livros, gravado nos belos monumentos históricos construídos pelos portugueses e principalmente pelo testemunho das almas salvas pelo apostolado desenvolvido lá.

Por fim, além do nome da cidade ser belo e diferente, é intrigante, pois se relaciona com as controvérsias dos “ritos chineses” que inclui justamente o “nome de Deus”. Nesta disputa, discutiu-se se os “ritos chineses” eram ou não superstição, foi uma das mais complexas questões da história da Igreja e que envolveu, infelizmente luta política, principalmente, de um lado, os jesuítas defendendo que os “ritos” não eram superstição e de outro lado, os dominicanos que defendiam que eram superstição.

Esta disputa durou desde 1630 até 1939 (ou ainda existe?), com idas e vindas, assim houve condenação dos ritos em 1645 por Inocêncio X, mas em 1656, Alexandre VII desfaz a condenação, para em 1669 e 1704 voltarem a ser condenados, os ritos, pelos papas, porém, voltam a ser permitidos em 1721, mas voltam a ser condenados em 1742. Por fim (?), Pio XII deu razão aos jesuítas e anula as condenações em 1939, dizendo que os ritos não eram superstição.

Assim é Macau, uma cidade incontroversa com nome de controvérsia.

 

Marcelo Andrade, 11 de abril de 2020.

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