1

A Destruidora de todas as heresias

Marcelo Andrade

A Destruidora de todas a heresias

 

Um dos títulos de Nossa Senhora é ser Aquela que é a “destruidora de todas as heresias”, como foi ensinado pelo papa São Pio X, na Pascendi Domini Gregis. Essa magnífica honra é deveras instrutiva e, sem nenhuma pretensão de esgotar o tema, este pequeno texto propõe explorar alguns aspectos desse dístico.

A origem da palavra heresia vem do grego “haíresis” (αἵρεσις), que tem uma variação em latim “haeresis”, cujo significado é “escolha ou opção”.

Há vários modos de “escolha”, pode-se escolher entre um bem e outro bem, entre o bem e o mal e entre um mal e outro mal. Os hereges, na escolha entre o bem e o mal, escolheram a segunda opção e depois, se avançam na perversidade, entre um mal menor e um mal pior, optam pela segunda opção. O mundo atual parece caminhar desse modo, não basta navegar na maldade, há de se ir em direção à impiedade máxima.

Mesmo na escolha lícita entre coisas boas, há vários níveis, podemos escolher com total adesão, com má vontade, com pleno conhecimento ou não, não escolher o melhor bem etc.

O nível de escolha de Nossa Senhora foi o mais perfeito que existiu, o que pode ser simbolizado por:

“Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,26-38).

A adesão mais humilde e certeira que existe em relação à verdade é ser “serva” dela, pois, concentra-se, foca-se, no que é escolhido e não em “quem escolhe”. Manifesta total adesão ao plano de Deus, com pleno conhecimento e plena vontade. Logo, há um desnível máximo entre a escolha de Maria e a escolha dos hereges.

A heresia sempre carrega consigo uma contradição, porque a mentira viola a realidade das coisas e a boa doutrina. Desse modo, há nos hereges uma patente desinteligência, pois, sempre vivem em desacordo com a veracidade dos fatos. Os pecadores não hereges também vivem numa contradição, porém, num nível inferior de maldade porque caem por fraqueza e não têm adesão intelectual ao mal. Os hereges têm adesão intelectual ao mal, vivem numa contradição mais intensa.

Nossa Senhora nunca esteve em contradição, o que pode ser simbolizado pela Ava Maria: “…cheia de graça, o Senhor é convosco…”.

Ela sempre viveu na plenitude da graça e na perfeição da inteligência, não havendo desacordo entre sua vida e o plano de Deus.

A heresia e o mal, na boa parte dos casos, são dialéticos, pretendem uma fusão de contrários, uma igualdade quimérica entre polos opostos. Mas, a heresia pode avançar mais na impiedade quando busca a fusão de erros opostos. Uma virtude cardeal está num cume de excelência cercada por dois vales de erros. Deste modo, por exemplo, a fortaleza tem os vícios opostos: a temeridade e a covardia. O pior vício é aquele que quer unir os vales de sujeira e no mundo de hoje há uma temeridade ao se defender o mal e uma covardia de seguir o bem.

Um exemplo de mal que une polos opostos é contra o 6º mandamento, tendo de um lado a luxúria e de outro, o ódio à procriação, consubstanciados nos pecados contra naturam.

Algumas virtudes opostas são irreconciliáveis, por exemplo, ser mãe e ser virgem.

Mas, não para Nossa Senhora.

Ela é Mãe e Virgem, Ela é Rainha do Céu e da Terra e Serva do Senhor, Ela é Mãe de Deus Filho e Filha dileta de Deus Pai. Interessante observar que podemos relacionar a primeira expressão com o “Terceiro Estado” (burguesia e camponeses), a segunda faz referência à nobreza e a terceira ao clero. As sociedades na Idade Média eram organizadas tendo esses “três estados”.

Até nisso, Nossa Senhora destrói a concepção errada de Estado e de sociedade modernas.

Não há nada que seja mais distante da dialética que Nossa Senhora, pois a primeira pretende a fusão de vícios opostos e a Segunda é uma harmonia única e perfeita de virtudes opostas.

Por fim, a heresia não compreende o liame entre céu e terra, entre o Criador e a criação. Pelo panteísmo há o erro de se identificar o Universo com Deus e pela gnose há o erro de se separar totalmente, como se não houvesse um relacionamento de criação entre Deus e o Universo, ou como se “outro” tivesse feito o Universo.

Mas, Emanuel é Deus conosco e Maria é Sua Mãe, o que reduz a pó a gnose e o panteísmo, porque Deus trouxe à terra o milagre e o mistério da Encarnação do Verbo, sem se identificar com o Universo: “meu reino não é deste mundo” (Jo 18,36).

Nossa Senhora já nasceu vencedora e a heresia já nasceu perdedora. Não há ninguém mais glorioso que a Virgem, não há ninguém mais fracassado que o herege.

Ante o exposto, parece clara a razão pela qual Nossa Senhora é a destruidora de todas as heresias.

 

Marcelo Andrade, 27 de novembro de 2021, na festa de Nossa Senhoras das Graças.