Marcelo Andrade
A GLÓRIA DO NÃO RETORNO
Os heróis costumam retornar, sua jornada é circular, o ponto de partida é o mesmo da chegada. Porém, o herói volta diferente, mudado, volta com glórias, é aclamado, gera mudanças e serve de exemplos. E essa mudança pode ser ou não oriunda de uma “iniciação”.
Isso vale para tudo, uma montanha conquistada, um ponto geográfico superado e, principalmente, uma guerra ou batalha vencidas. No cinema, os espectadores esperam que os heróis voltem. Há algo de confortável no retorno, afinal, os dias, as semanas e os anos formam ciclos que sempre retornam. Parece que é obrigatório que os heróis voltem, se não voltam parece que faltou força, parece que a obra não foi concluída.
Mas, só parece…
Existe a glória do não retorno.
Portugal, por exemplo, embora tenha tido também heróis que retornaram e havia a navegação de roda mundo, teve sua história marcada pelo “não retorno”. Daí a brilhante frase do padre Antonio Vieira (ele mesmo nascido em Lisboa e falecido em Salvador):
“Para nascer, Portugal; para morrer, o mundo”
A atividade missionária tem sua excelência no não retorno, porque sua natureza é converter os povos até o limite das forças, até custando a vida. Não pode haver retorno porque a atividade missionária nunca acaba. O retorno se apresenta como quase um fracasso.
A excelência do Padroado português, que enviou missionários para locais desde a Amazônia até o Timor, é marcada pelo não retorno: São Francisco Xavier, São João de Brito, São José de Anchieta, Matteo Ricci etc. não retornaram. Grandes figuras da navegação, como o príncipe dos navegadores, Vasco da Gama, e o leão dos mares, Afonso de Albuquerque, morreram no além-mar. E tantos outros batalhadores que morreram nos mais variados locais como Brasil, Congo, Etiópia, Ormuz, Índia, China, Japão etc.
Até os barcos se cansavam de voltar e terminavam seus dias no além-mar, seja por causa de batalhas, de tempestades, ou porque foram queimados para não serem deixados para os inimigos. Não podia haver coisa mais infame que um barco acostado em Lisboa. Isso porque ele deveria estar no mar, vencendo os inimigos ou as procelas. Até a Torre de Belém, apesar de fisicamente estática, tem a sua alma em movimento, desafiando os mares.
O objetivo de Portugal não era ir e voltar, mas somente chegar. O retorno era secundário. Não era do tipo “venci e voltei”, mas “vou continuar lutando até o fim”. O grande marco português é a vitória que fica no local de destino, o objetivo português era levar a fé para o outro. O martírio em terras estranhas é o cume da história portuguesa. Nesse ponto, é nitidamente oposto à lógica pagã de Roma que conquistava cidades e levava os ídolos delas para o seu panteon. Forçava os generais inimigos a desfilar em Roma como vencidos. Roma contemplava o retorno, o paganismo é circular. Parafraseando Camões, “Cale-se de Trajano, as vitórias portuguesas são mais nobres”.
Outro dado é que Portugal não devia mudar, ele teria de ser o mesmo no destino porque como está no Mensagem (de Fernando Pessoa): “Dobrado o Assombro, O mar é o mesmo”. A fé é a mesma, o Império é o mesmo, as Santas Casas de Misericórdia são as mesmas, pouco importa se era em Colônia do Sacramento ou em Nagasaki. E havia “Antonios” no Brasil, no Congo e em Macau.
Portugal acabou enquanto nação missionária quando resolveu “voltar” e mudar. Cambiou e ficou onde está, por isso está secularizado e domesticado. Se algum dia Portugal retomar sua glória, ele não voltará, não cambiará.
Parta Portugal, parta, não retorne e não mude!
A mãe de São João de Brito, quando soube da morte do filho na Índia, vestiu roupa de festa e os lisboetas receberam a notícia como uma “boa nova”. Portugal celebrou a glória do não retorno.
Marcelo Andrade, 29 de agosto de 2022.