1

A Luz da Tradição e o Concílio Vaticano II

Orlando Fedeli

A LUZ DA TRADIÇÃO E O CONCÍLIO VATICANO II

Artigo escrito em 7 de janeiro de 2007

 

Muito se tem falado de interpretar o Vaticano II “à luz da Tradição”. Já tivemos ocasião de dizer que essa fórmula, um tanto ambígua,  reconhece, afinal de contas, que o Vaticano II é obscuro, porque aquilo que é claro não necessita ser iluminado e nem interpretado. Daí, como reconheceu o próprio Papa Bento XVI, o Vaticano II ter sido objeto de duas leituras, pelo menos.

Em seu famoso discurso à Cúria Romana, em 22 de Dezembro de 2005, Bento XVI condenou a leitura mais modernista do Vaticano II pelo chamado “espírito do Concílio”, mas defendeu a letra do Concílio, que gerou aquele espírito.

Se a leitura feita pelo “espírito do Concílio” foi condenada, dever-se-ia criticar e corrigir a letra que, por sua ambiguidade, permitiu esse espírito. Quando um texto é condenável em seu primeiro sentido, e pode ser também bem interpretado, esse texto é também condenável, como tendo sabor de heresia.

Portanto, não só o “espírito do Concílio Vaticano II” é condenável, mas o é também sua letra, por favorecer a heresia e por ter sabor de heresia, por permitir leitura condenável e enganadora.

O Vaticano II foi mais do que ambíguo: foi polissêmico.

Ora, o que a Igreja impõe como verdade dogmática que todos os fiéis católicos devem aceitar como de Fé, tem que ser claro e monossêmico.

Logo, o Vaticano II não foi infalível! Pode e deve ser criticado exatamente pela pluralidade de sentidos de muitas de suas afirmações.

Se o Vaticano II precisa ser interpretado “à luz da Tradição”, então é melhor ir diretamente ao que ensina infalivelmente a Tradição. Ao invés de citar o Vaticano II e discutir em que sentido se deve entender o que ele diz de modo ambíguo ou polissêmico, devemos ir diretamente ao que ensina o Magistério infalível tradicional.
Um magistério, que ensina polissemicamente, não ensina. Confunde.
Um professor de Geometria que ensinasse de modo tão vago – de modo polissêmico – que suas palavras pudessem ser interpretadas de modo variado pelos alunos, nada teria ensinado, pois não se faria entender, e ninguém nada aprenderia com ele, com plena e clara certeza.

Um professor de cirurgia que, numa Faculdade de Medicina, ensinasse polissemicamente seria culpado de muitas mortes.

Que responsabilidade a de João XXIII e de Paulo VI fazendo um Concílio de textos ambíguos e até polissêmicos!

Magistério e polissemia são termos contraditórios. Não existe magistério ambíguo. Não há magistério polissêmico.

O Concílio Vaticano II – disse-o Bento XVI – permite duas leituras, pelo menos.

Seria o Vaticano II magistério?

Certamente não é magistério infalível.

Seria Magistério falível? Como seria Magistério falível, se nenhum Magistério pode ser polissêmico?

Agora, se anuncia que o Papa Bento XVI pretende dar, logo mais, a verdadeira interpretação dos textos do Vaticano II.

Se isso acontecer, se terá um ato do Magistério interpretando um ato anterior do Magistério – o Vaticano II –, o que será uma confissão de que o Vaticano II não foi ato claro e autêntico do Magistério.

O Magistério da Igreja é quem interpreta a Tradição e a Escritura.

Se hoje o Concílio Vaticano II precisa ser interpretado, é como se um professor precisasse ser interpretado no que ensinou. Os alunos discutiriam entre si para saber que foi que esse professor ensinou. Então, esse professor não teria, de fato, ensinado, e ainda por cima os alunos ficariam sem saber como interpretar o que o professor disse.
Portanto, o fato de se ter reconhecido que o Vaticano II permite várias interpretações, e que, no futuro, se dará sua interpretação oficial correta, isso o anula como ato de Magistério autêntico. Esse é nosso parecer que submetemos, é claro às autoridades legítimas da Igreja, assim como aos teólogos e especialistas ortodoxos. Mas, sem dúvida, o Vaticano II não foi infalível.

Como explicou Padre Rafael Navas Ortiz, superior do distrito da América Latina do Instituto do Bom Pastor, a luz da Tradição é a luz da Fé.

A luz da Fé condena vários erros do Vaticano II, como, por exemplo, a liberdade de religião e de consciência – (não a das consciências) — e o ecumenismo.

A luz da Fé esclarece as teses ambíguas do Vaticano II, mostrando que elas, por sua ambiguidade, têm sabor de heresia ou de erro, como por exemplo a colegialidade e o novo conceito de Igreja como sacramento da unidade do gênero humano, ou ainda o famigerado e nefasto “subsistit in“.

A luz da Fé confirma como verdade uma ou outra afirmação do Vaticano II, colocadas para mascarar e fazer introduzir sob elas erros que contradizem essa verdade afirmada inicialmente. Exemplo típico disso é a afirmação da Dignitatis Humanae de que “a única verdadeira religião se encontra na Igreja Católica e apostólica, a quem o Senhor confiou a tarefa de difundi-la aos homens todos” (Vaticano II, Dignitatis Humanae, n0 1534, Edit. Vozes, Petrópolis, 1969, p. 600), para logo em seguida defender que “a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa” (Vaticano II, Dignitatis Humanae, n0 1534, Edit. Vozes, Petrópolis,1969, p. 600). Daí a Nostra Aetate, elogiar depois as falsas religiões, falando de parcelas de verdades que elas podem ter, sem condenar seus erros, o Concílio Vaticano II assim omitindo que não existe o erro absoluto, e que toda heresia tem que ter uma parcela de verdade, e que toda heresia é tanto mais perigosa quanto mais verdades afirmar para camuflar sua mentira fundamental.

Por isso, Dom Lefebvre, em Conferência em Ecône, em 2 de Dezembro de 1982, afirmou:

“A única mudança ocorrida, e que facilitou a redação do primeiro ponto a respeito do Concílio [Vaticano II], é a própria frase do Santo Padre [João Paulo II], que disse que era preciso examinar o Concílio e os decretos do Concílio à luz da tradição e do Magistério constante da Igreja”.
“Eu creio que essa frase, ele não a tornaria a dizer, agora. Devem tê-la criticado várias vezes, a ele, por tê-la dito. Ela é, aliás, é preciso dizê-lo, um pouco ambígua., não é muito clara. No pensamento do Papa e no pensamento do Cardeal Ratzinger, se bem compreendi, seria preciso chegar a integrar os decretos do Concílio na Tradição, dar um jeito de, a qualquer custo, fazê-los encaixar-se na Tradição. É uma empreitada impossível.
Creio, quanto a mim, para nós, penso, afirmar que se julgam os documentos do Concílio à luz da Tradição, isto quer dizer, evidentemente, que se rejeitam aqueles que são contrários à Tradição, que se interpretem conforme à Tradição os que são ambíguos, e que se aceitem aqueles que são conformes com a Tradição. É uma coisa clara, e, aliás, coloquei isso numa carta ao Cardeal Ratzinger. Mas enfim, eles querem manter um tanto essa ambiguidade” (Apud Antoine BAUDOUIN, Le concile à « la lumière de la Tradition » http://www.laportelatine.org/formation/disputatio/baudouin1/baudouin1.php#)

Portanto, se o Cardeal Ratzinger queria, a todo preço, encaixar os textos do Concílio na Tradição Católica, isto significa que ele reconhecia que, eles, pelo menos à primeira vista, não se encaixam nela, e que é preciso um esforço para fazê-los se encaixar na Tradição, usando para isso, como fórceps, a fórmula ambígua de lê-los “à luz da tradição”, luz que os condena.

Liberada a Missa de sempre, começará a batalha contra os erros do Concílio Vaticano II, mas começará mais facilmente, pois que a liberação da Missa de sempre será, de si, uma condenação do Vaticano II, pelo menos simbolicamente, como afirmou Paulo VI e como o proclamam os Bispos modernistas franceses.

Á luta!

E à vitória, pois que a luz da Tradição condena o Concílio Vaticano II.

São Paulo, 7 de janeiro de 2007, no qual o espião comunista Monsenhor Stasnislaw Wielgus foi obrigado a renunciar ao Arcebispado de Varsóvia, no mesmo dia em que ia tomar posse dele.

Deus seja louvado!

Orlando Fedeli