A Parábola do Bom Samaritano

Data

Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no linkedin
Compartilhar no email
Compartilhar no whatsapp
Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no linkedin
Compartilhar no email
Compartilhar no whatsapp
image_pdfConverter em PDFimage_printPreparar para impressão

Orlando Fedeli

 

A PARÁBOLA DO BOM SAMARITANO

 

Normalmente, Nosso Senhor, nos Evangelhos, ensinava por meio de parábolas e comparações. E isto já fora predito nos salmos:

“Abrirei em parábolas a minha boca, direi coisas escondidas desde o Princípio” (Sl., LXXVII, 2).

E em São Mateus isso foi repetido:

“Abrirei em parábolas a minha boca, publicarei os enigmas dos antigos tempos” (Mt. XIII, 35)

Em São Marcos, por sua vez se afirma que Jesus:

“Não lhes falava sem parábolas, porém tudo lhes explicava em particular a seus discípulos” (Mc., IV, 34).

Falava dessa forma (em parábolas), porque, sendo o homem de corpo e alma, a melhor forma de ensiná-lo é por meio de parábolas, que são histórias concretas contendo um ensinamento espiritual.

Falava em parábolas, para que os maus, ouvindo, não compreendessem, pois assim seria menor o seu pecado.

Falava em parábolas, para que a verdade fosse respeitada, não atirando pérolas a porcos, pois a glória de Deus está em ocultar a palavra, e a glória dos reis (réus) está em descobrir o discurso.

A parábola é semelhante às rodas do carro da Glória de Deus, de que fala o Profeta Ezequiel: elas tocavam no solo e alcançavam o céu, e nelas havia os quatro símbolos dos Evangelistas. E São Gregório Magno nos Morales explica que essas rodas tocam no solo porque contém um ensinamento simples acessível aos homens rústicos, e alcançam o céu, porque nelas se acha um ensinamento sublime que é alcançado pelos grandes sábios. E esses dois ensinamentos não se contradizem.

O ensinamento mais simples para as pessoas mais rústicas é comparável à bebida que se toma sem necessitar cortar ou mastigar: basta engolir. O ensinamento sublime é como a comida sólida, que é preciso destrinchar, e cortar, e mastigar.

Por isso, com as parábolas dos Evangelhos alimentam quer os simples, quer os nobres de inteligência.

Hoje em dia, por causa do ensinamento deficiente e herético dos seminários, quase não se ouvem bons sermões nas igrejas. E, por isso, o povo fiel morre de sede, e os nobres morrem de fome “( ), porque não lhes é repartida a palavra de Deus“. E se fala em Liturgia da Palavra, quando os ministros de Deus não tem mais a Palavra que alimenta ou que dessedenta. Por isso mesmo, eles retiraram das igrejas os púlpitos, porque reconhecem que suas palavras já não vêm do alto, e que eles não têm mais altura para subir ao púlpito… Nas igrejas, hoje, fala-se só do homem, e de problemas humanos, em linguagem vulgar e por vezes de gíria, sem elevação e sem saber clerical. Como dizer palavras vazias do alto de um púlpito?

Outrora, era bem diferente. Havia padres de batina, de saber teológico e com compostura. Que falavam do Alto. Do alto do púlpito.

Hoje…

 

***

 

Por tudo isso, sem pretender ensinar a parábola ao vigário, mas apenas aos leitores do site Montfort, que são famintos ou sedentos de saber, decidi explicar a parábola do Bom Samaritano, seguindo as sapientíssimas lições de um monge medieval pouco conhecido, hoje, nestes tempos de ronaldos e ronaldinhos… Refiro-me a Hugo de São Victor, que viveu no século XII na Abadia de São Victor, em Paris.

Comecemos recordando que essa parábola foi contada por Jesus a um Doutor da Lei, que cumpria os mandamentos, e que, para tentar a Jesus, lhe perguntou quem era o próximo que ele devia amar.

Eis a parábola do Divino Mestre tal como se a lê no Evangelho de São Lucas:

Descia um homem de Jerusalém a Jericó

Para entender isso, há que compreender que, de fato, para ir de Jerusalém a Jericó se desce, pois Jerusalém situa-se a 2.000 metros de altitude, e Jericó, junto ao mar Morto, está a 250 metros abaixo do nível do mar. E há que compreender o que significa Jerusalém, o que significa Jericó e o que significa descer.

E convém muito saber quem é esse homem que descia pelo caminho de Jerusalém a Jericó.

Jerusalém, literalmente significa cidade da paz, ou visão da paz (Cfr., São Tomás, Catena Áurea, comentário a São Marcos, cap. XI, 1-10). Jerusalém é a cidade santa de onde vinha toda a luz da verdade para o mundo. E a luz vem do sol. E a luz da verdade vem de Deus. Portanto, Jerusalém significa a imutabilidade da verdade e a estabilidade trazida pela paz.

Jericó significa Lua (Cfr., São Tomás, Catena Áurea, comentário a São Marcos, cap. X, 46-52), e, portanto mutabilidade, dado que a Lua é variável em seus aspectos.

Jerusalém é a cidade santa, representando assim o céu e sua justiça, ou ainda o Paraíso terrestre. Jericó, no vale da Morte, representa então o vale de lágrimas, a cidade da mutabilidade e do pecado. Por isso foi dito: “Maldito seja diante do Senhor o homem que levantar e reedificar a cidade de Jericó. Morra o seu primogênito, quando lhe lançar os fundamentos, e perca o último de seus filhos, quando lhe puser as portas” (Jos. VI, 26). Profecia que se cumpriu nos filhos de Hiel (Hilel), que reedificou Jericó, morrendo-lhe o seu primogênito Abirão, quando lançou seus alicerces, e lhe morreu Segub seu último filho, quando lhe pôs as portas (Cfr. I Reis XVI , 34).

Portanto, descer de Jerusalém a Jericó é passar da verdade imutável para a opinião variável e para o erro múltiplo. É passar da virtude para o vício, da santidade para o pecado, do Éden para o vale de lágrimas.

Se descer de Jerusalém a Jericó é corromper-se, subir de Jericó a Jerusalém significa converter-se.

E quem era esse homem que descia de Jerusalém a Jericó?

Esse homem era Adão que, expulso, deixou o paraíso, caminhando e descendo para o vale de lágrimas deste mundo.

E o caminho, nesse caso, é a História.

E aconteceu que o homem foi assaltado pelo demônio que o largou ferido e chagado, como morto, no caminho duro e inclinado da História, pois quando Adão pecou, o demônio lhe roubou todos os dons com que Deus o adornara ao criá-lo à sua imagem e semelhança: a graça santificante, os dons sobrenaturais e os dons naturais, a imortalidade, a ciência infusa. E o largou como morto, inclinado ao erro e à mutabilidade; inclinado ao pecado; atraído pela mentira, pelo mal e pelo feio.

Eis, pois, Adão caído no caminho que descia de Jerusalém a Jericó.

Cristo continua a parábola, dizendo que um sacerdote judeu descia também de Jerusalém a Jericó, isto é, ele também decaía…

Deus elegera o povo judeu para salvar a humanidade, e instituíra o sacerdócio judaico para lhe oferecer sacrifícios e orações e para cuidar do homem. Mas eis que o sacerdote judeu, ele também, descia alegre e apressadamente para Jericó, e por isso mesmo, não tinha tempo para cuidar do homem abandonado no caminho da História…

E eis que passa por ali também um levita, homem da tribo sacerdotal, nada preocupado em cuidar do homem, pensando apenas na Cidade do Homem, na Jericó, que hoje se chama a Modernidade.

E quantos sacerdotes, hoje, descem sôfregos para a Jericó do Mundo, empunhando guitarra e pandeiro, ou falando em línguas de Babel, enquanto o homem jaz abandonado à beira do caminho!

E aconteceu de passar por ali um samaritano, que vendo o homem caído, compadeceu-se dele, cuidando de suas feridas. O samaritano era desprezado pelos judeus zelosos porque era de origem mestiça, sendo provenientes da mistura de israelitas com assírios. Além dessa mestiçagem, os samaritanos eram provenientes do cisma das dez tribos, e que para manter-se em seu cisma político, fizeram também um cisma religioso, aceitando apenas o Pentateuco, rejeitando os demais livros da Escritura. Por tudo isso, os Fariseus, Escribas e Doutores da Lei, membros da seita gnóstica que, já desde antes de Jesus, estava fazendo o Talmud, desprezava, sobremaneira os samaritanos como mestiços e hereges.

Cristo então toma um samaritano como exemplo para demonstrar a um Doutor da Lei, que a essência do que Deus mandou consiste no amar ao próximo, e não numa execução legalista, escrupulosa e material dos mandamentos, tal como era praticada pelos Fariseus, Escribas e Doutores da Lei.

O samaritano, sendo um mestiço, tinha como que duas naturezas: a de israelita e a de assírio. Desse modo o samaritano simbolizava a Jesus Cristo que tinha duas naturezas: a divina, pois era o Verbo de Deus, e a humana, pois descendia de Davi.

O bom samaritano cuidou do homem, como Cristo curou as chagas de Adão, lavando seus ferimentos com vinho e azeite.

Por que com vinho e azeite?

Com vinho, porque o vinho contém álcool, que faz arder os ferimentos, desinfetando-os. Com azeite, porque o azeite isola do ar as feridas, impedindo que causem ardor.

Assim também, toda cura de um defeito ou de um pecado exige que causemos uma certa dor e ardência pela repreensão, pois não há cura sem dor. Mas, repreendido o pecador, não convém levá-lo ao desespero, e sim dar-lhe esperança de cura e de salvação, isolando seus males com o azeite da esperança no auxílio de Deus.

A seguir, o bom samaritano colocou o homem ferido sobre um jumentinho e o levou até uma cocheira.

Lembremo-nos que Jesus nasceu numa cocheira onde havia um boi e um burro simbolizando o judeu e o pagão. E Jesus quis entrar em Jerusalém montado num jumentinho que nunca fora montado, isto é, o povo pagão.

Por que levou o homem ferido – Adão – a uma cocheira? Porque a cocheira é símbolo da Igreja.

Na cocheira os animais deixam seus dejetos no chão e comem no cocho. Assim também, na Igreja, os homens deixam os pecados no confessionário – pelo menos quando havia confessionários, antes do Concílio Vaticano II – e comiam o corpo de Cristo, na mesa da comunhão. Foi por essa razão que Nossa Senhora envolveu a Jesus Menino em panos e o colocou num cocho, porque é no cocho que os animais comem.

E o bom samaritano mandou ao dono da cocheira que cuidasse do homem, para isso dando-lhe duas moedas.

Ora, se a cocheira é o símbolo da Igreja, o dono da cocheira é o Papa, que recebeu de Cristo o mandato de cuidar do homem ferido pelo pecado original.

E por que foram dadas ao Papa duas moedas e não três?

Porque Deus deixou ao Papa os dois Testamentos: o Antigo e o Novo, prometendo que tudo o que fosse feito além do que manda a lei, o que fosse feito por puro amor de caridade, Ele recompensaria, quando voltasse, no fim do mundo.

Assim, Deus mandou que amássemos o próximo, e não o longínquo, não o desconhecido, como quer o romantismo.

Convém ainda reparar que esta parábola foi dita a um Doutor da Lei, isto é a um judeu zeloso da lei. Jesus, nessa parábola, mostrava que o povo eleito não cumpria a sua missão, numa execução material da lei, desprovida de caridade, que é o amor a Deus sobre todas as coisas, e ao próximo como a nós mesmo , por amor de Deus. Cristo pintava a classe sacerdotal judaica descendo festivamente para Jericó.

Mais tarde, Cristo repudiado pelos judeus, foi a Jericó, salvar os gentios. Lá, conta o Evangelho de São Marcos, ele curou um cego que esmolava à beira do caminho. O cego, registra São Marcos, chamava-se Bartimeu, filho de Timeu. Ora, Timeu não era nome judaico, e sim grego. Possivelmente, esse homem, ou era grego ou era judeu helenizado, portanto, ou gentio ou gentilizado. Não era um homem seguidor da lei. Por isso, este cego vivia em Jericó, à beira do caminho, à margem da História, pedindo esmola.

E está dito que clamando que Jesus o curasse, reconhecendo-o como o Filho de Davi, Jesus fez questão que ele lhe rogasse o dom da vista, e o cego, largando a sua capa, aproximou-se de Cristo que o curou. E esta escrito que o cego de Jericó seguiu a Cristo em seu caminho, subindo com Ele a Jerusalém. Portanto, que fez o caminho oposto ao do sacerdote judeu e do levita: converteu-se, pois já vimos que subir de Jericó a Jerusalém significa converter-se, passar da Lua ao Sol, da mutabilidade das coisas do mundo, do relativismo para a permanência e estabilidade da verdade.

Passar da cidade do Homem para a Civitas Dei exige passar da compreensão puramente material da lei e das coisas, para o sentido profundo. Pois que todas as coisas nos falam analogicamente de Deus, e o idólatra é aquele que pensa ser verdade a criatura material em sua materialidade, e não o sentido profundo que Deus colocou em todas as coisas. Como numa parábola.

Todo o universo foi feito analogicamente ao Criador de todas as coisas e tudo nos fala dEle.

E sabemos ler, quando temos um coração reto que nos permite ler as coisas em seu significado mais profundo. Só assim teremos olhos para ver e ouvidos para entender.

 

E este é o sentido doutrinário da parábola do Bom Samaritano.

Os Padres da Igreja ensinavam que dentro do sentido literal da Sagrada Escritura, que é o sentido fundamental, podiam estar contidos três outros sentidos:

1) O Sentido Doutrinário, também chamado de profético, analógico ou trópico, que ensina às inteligências dos que têm olhos para ver, o que se deve crer.

2) O Sentido Moral que ensina o que se deve fazer.

3) O Sentido Místico que ensina o que se deve amar, e como se deve amar a Deus Nosso Senhor.

 

Pois assim como há três Pessoas reais e distintas, na unidade substancial divina, assim também existem três sentidos dentro do uSentido literal, guia dos outros três.

Estas são as três portas do céu das quais Pedro, e somente Pedro recebeu as chaves, e contra as quais as portas do inferno não prevalecerão. E as portas do inferno também são três, a saber, a da heresia, a do pecado, e a do falso amor ou da falsa mística.

Só se deve aceitar a interpetação da Escritura aprovada pela Igreja, pois como escreveu São Pedro em sua segunda Epístola:

“Nenhuma profecia da Escritura é de interpretação particular”
(II Pedro, 1, 20)

Explicamos, aqui apenas o sentido doutrinário contido na parábola do Bom Samaritano. Geralmente, os sacerdotes, quando muito, explicam, hoje, apenas o sentido moral, que eles normalmente transmutam em sentido filantrópico rotariano. Quando não falam de reforma agrária, da ética petista, ou simplesmente de futebol.

Que Deus nos mande santos e sábios sacerdotes é que devemos pedir a Nosso Senhor, nós que estamos abandonados e feridos à beira do caminho da História, vendo os padres descerem de cuíca, guitarra e pandeiro para a Jericó do relativismo mutável como a Lua.

 

Junto ao Mar Morto.

Domine, ut videam!

Ut videant.

 

São Paulo, 11 de janeiro de 2.006.
Orlando Fedeli

image_pdfConverter em PDFimage_printPreparar para impressão