A Religião do Concílio Vaticano II – parte I

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Orlando Fedeli

 

A RELIGIÃO DO CONCÍLIO VATICANO II – PARTE I

 

1. O TETRAEDRO REGULAR
Em tempos já longínquos, quando era eu um aluno rebelde, no primeiro ano do Curso Colegial, no Colégio Nossa Senhora do Carmo, em São Paulo, um irmão marista ensinou a calcular onde se situava o centro de gravidade do tetraedro regular, o mais estável entre todos os objetos geométricos.
O teorema era longo…
E complicado!
No final, provava-se que o centro de gravidade do tetraedro regular – pequena pirâmide formada por quatro triângulos equiláteros iguais – estava situado a um terço da altura, em relação à sua base.
Disse que a explicação geométrica era longa e complicada. Bem difícil de entender e de reproduzir sem falha. Fiquei para o exame oral. O professor, certamente, ia se vingar, cobrando-me do modo mais rigoroso a bagunça que promovia em suas aulas.
O exame oral era longo.
Rigoroso.
Duro.
Minucioso.
Complicado…
Chegou minha vez.
Não sabia eu, quase nada. Mas, sabendo do caráter vingativo do professor, e de quanto ele tinha razão em se vingar de mim, estudei apenas o cálculo do centro de gravidade do tetraedro regular, ponto misterioso que fazia com que o tetraedro, jogado para o alto, como gato, caísse sempre de pé, firme em sua base.
Chegou minha vez…
De ser como o gato: caindo de pé!
O professor, ao me ver, exclamou um “Aaah!” que me pareceu um rugido de onça ao ver a presa.
Evidentemente ele estava com “fome”…
“Aaah! Agora, é você! Chegou a sua vez! Isto é, chegou a minha vez!”
Era a vez dele…
E foi com o ar de um gato que lambesse os beiços, antes de morder o rato, que ele me sentenciou: “Calcule o centro de gravidade do tetraedro regular!”.
Parecia a ele que me sentenciava à morte !
A uma morte tetraédrica!
Dei um suspiro…
Ele pensou que era o meu último.
Na verdade, era um suspiro de alívio!
Ufa!!!
Era a única coisa que eu havia esperado de sua vingança. A única coisa que eu estudara, e que sabia.
Na ponta da língua.
Respondi tudo devagarinho. Ele escutando. Cenho atento e franzido. Respondi tudo tudinho.
Deixei o tetraedro de pé.
Passei.
Na ponta do tetraedro.
Passaram-se muitos anos…
Esqueci o teorema. Esqueci a Física. Esqueci o Irmão Caio.
Não esqueci meu susto.
Principalmente, não esqueci mais o tetraedro regular, seu equilíbrio e sua estabilidade.
Bendito cálculo do centro de gravidade do tetraedro regular!
Centro salvador de todo equilíbrio!
***
Muitos e bem sofridos anos depois, voltei a encontrar o tetraedro regular.
Foi num texto medieval. O texto ensinava que, na Idade Média, – idade da luz, que os morcegos do diabo chamam, hoje, de idade das trevas – o homem perfeito era chamado de “homem tetraédrico”, por jamais perder o equilíbrio.
Que saudades do tetraedro!
Que saudades de meu velho Colégio, cujas escadas tinham dois sulcos rebaixados em seus velhos degraus de madeira, comidos pelos passos corridos das duas fileiras dos peraltas, que subiam as escadas em duas filas alegres, sussurrantes e brincalhonas, no “silêncio” com muita dificuldade imposto pela disciplina…
O velho Colégio!…
O tetraedro!
Os exames severos!…
O susto!!!!!
O tetraedro!
Quanta sabedoria no seu símbolo de equilíbrio, que o moleque sapeca, agitado e pobre que eu era, não tinha…
Ah! O equilibro das virtudes!
Quanta dor e quando sofrimento!  Quantas lágrimas! Quanta oração para alcançá-lo!
Sem Deus, “inatingível” equilíbrio da virtude heróica, que só é alcançado através da graça, até a santidade!
Ser tetraédrico, equilibrando as quatro virtudes cardeais — Justiça, Prudência, Fortaleza e Temperança – é ser santo. Pois está escrito:
“Se alguém ama a Justiça, são obras suas as grandes virtudes, porque ela ensina a temperança e a prudência, a justiça e a fortaleza, que é o que de mais útil há na vida, para os homens” (Sa 8,7).
Já Platão, no diálogo República, mostrara que as três últimas dessas virtudes cardeais se unificam, numa só virtude cardeal culminante, chamada Justiça. Porque Três são Um, e o Um é Três, ensinara sabiamente Platão.
Mistério do Um e do Três…
Três em Um.
Como Deus, Uno e Trino.
Como o fogo…
Fogo, Luz e Calor.
Potência Verdade e Amor.
Inseparáveis!
…   …   …
Mistério do Tetraedro…
E, quando Lúcifer conheceu a Luz da Verdade, – O Verbo – e quis separá-la do ardor do Amor – o Espírito Santo, Deus o puniu com o calor sem a luz. Com o fogo inextinguível.
Nas trevas eternas.
Eternamente inseparáveis.

                                                            

1.a) O TETRAEDRO DO SABER
 
Três temas captam o interesse do homem: Deus, o Mundo e o Eu.
O conjunto desses temas compõem toda a sabedoria humana. Mas, como tudo se fundamenta no ser, esses três temas se baseiam na Metafísica, formando, com ela, o tetraedro do saber.
Três temas fundados no ser.
Primeiro, Deus, o Alfa e o Ômega. Alfa: a causa de tudo. E Ômega, nosso fim supremo, cuja posse nos dará a vida eterna.
Segundo, o Mundo, porque vivemos nele, e porque através dele conhecemos naturalmente as qualidades invisíveis de Deus. Como disse São Paulo, “as qualidades invisíveis de Deus, após a criação, se nos tornaram visíveis, através das coisas criadas” (Rm 1,20).
Em terceiro lugar, o próprio eu. Conhecer-nos é de enorme importância, porque o Bem nos leva a amar-nos a nós mesmos, e a querer nossa própria salvação. Daí o grande interesse que nos despertam a Psicologia, a Carateriologia, a Arte, a Estética, assim como todas as ciências que, de algum modo, nos proporcionam o autoconhecimento.
Claro, porém, que só chegamos ao conhecimento natural da existência de Deus através do conhecimento do mundo e de nós mesmos. Noutras palavras, chega-se ao conhecimento da existência de um Ser necessário e infinito através do conhecimento dos seres contingentes e finitos. É com base na noção de ser, que conhecemos todas as coisas, inclusive a nós mesmos, e Deus em sua existência, assim como algumas de suas qualidades, como sua imutabilidade, sua infinitude, sua  eternidade, Bondade, Veracidade, etc.
Todavia, o tetraedro do saber natural tem base na metafísica, no conhecimento do ser por meio de nosso intelecto.
Daí a Filosofia Especulativa dividir-se em:
A) Metafísica Geral, que estuda o ser enquanto tal (Ontologia), e o estudo do ser enquanto pensado (Criteriologia);
B) Metafísica Especial que estuda Deus (Teodicéia); o Mundo (Cosmologia); e o Eu (Psicologia) (Cfr E. Collin, Manual de Filosofia Tomista Ed. Luis Gili. Barcelona, 1950, I Volume, p.16).       
Claro que, pela Revelação, recebemos as verdades da Fé que estão acima da nossa razão e nas quais devemos crer por nos serem dadas por Deus, e confirmadas pela Igreja.
Por isso, a Ciência mais elevada de todas é a Teologia que estuda exatamente Deus, as verdades que nos foram reveladas por Deus e confirmadas pela Igreja. Não há ciência mais alta que a Teologia, pois ela tem por Mestre Supremo Deus revelador e a confirmação infalível da Igreja Mãe e Mestra da Verdade.
Do ponto de vista natural, a ciência mais elevada é a Filosofia, por ter como objeto o conhecimento do ser pelos primeiros princípios e pela busca racional das causas primeiras e mais profundas.
Entretanto, a ciência que mais desperta interesse, no sentido de ser a mais atraente, é a História, porque só nela se encontram Deus, o Mundo e o Eu.
Fomos postos por Deus no Mundo em certo momento da História para fazer algo e enquanto participamos da História, devemos lutar para salvar nossas almas e ajudar a salvar as almas dos demais homens.
A História registra a grande luta entre a Igreja, estabelecida por Deus para salvar as almas, lutando contra aquela que São Gregório Magno chamou de Anti-Igreja, a Sinagoga de Satanás, da qual Cristo nos falou no Apocalipse (Apoc. II, 9): a Civitas Dei contra a Civitas Homini das quais tratou Santo Agostinho.
Pois “os filhos da Sabedoria formam uma congregação dos justos,e a sua índole é toda obediência e amor” (Eus 3,1), enquanto os maus formam um “consilium impietatis” – um Conselho da Impiedade (Sl 1,1). E os maus conspiram para fazer o mal: “as nações conspiraram uma a uma para praticar o mal” (Sa 10,5); “Os reis da terra sublevaram-se, e os príncipes coligaram-se contra o senhor e contra o  seu Cristo” (Ps 2,2).
As três ciências – a de Deus, a do Mundo e a do Eu – devem ser relacionadas, para que se tenha verdadeira Sabedoria.
Somente compreendendo o relacionamento correto de Deus e do próprio Eu com o Mundo se alcança a sabedoria natural.
Um dos  males do sistema educacional atual  – eles são tantos! – é a separação completa que se faz desses três campos da ciência. Em nossas escolas, todas as ciências que estudam o Mundo nos são ensinadas separadas de Deus, do nosso eu pessoal, e sem base na Metafísica, no ser. Desse modo, elas ficam sem base e sem apoio, como uma face do tetraedro que se quisesse equilibrar sem base, e sem as duas outras faces.
Por outro lado, nas paróquias, freqüentemente, quando nelas ainda se dão aulas de Catecismo – o que é bem raro – ensina-se a Religião separada das ciências do Mundo, da História, da Arte, da Psicologia, da Filosofia, etc. Essa é uma das razões do fracasso da catequese.
Para consertar esse erro da catequese conservadora, que só fala de Deus, de espiritualidade seráfica, de novenas de piedade devocional, os seguidores da Teologia da Libertação pretendem ensinar uma religião que só trata do mundo. Por isso, eles só falam de economia, finanças, preço do feijão, reforma agrária, revolução, luta de classes, greve, etc. O discurso dos Bispos da CNBB parece programa de vereador em Alto do Goloso do Grogotó dos Pimentas, glorioso lugarejo do sertão pernambucano. Nos manifestos da CNBB, trata-se de habitação, transporte, emprego, moradia, desenvolvimento material etc. Deus, o Céu, as virtudes e os pecados, nada disso existe para a Teologia da Libertação marxistóide de Genésio Boff, inspiradora dos manifestos, longos, prolixos, indigestos dos vários setores ceenebebêicos. Em vez de falar Cristo, falam de Chê Guevara, um Tom Mix, herói de filme de cowboy, comunista e assassino. Em vez do Reino dos Céus, querem o soviet da terra. O racionalismo os faz esperar o impossível. O delírio os faz sonhar com a utopia, o pesadelo dos povos.
Sonham com o Reino de Deus na terra, construído com a ciência e a técnica. Com trator e fuzil. Com mentira, cobiça, violência e até crimes contra os bens alheios e mesmo contra suas vidas. Lutam para realizar a terra sem males, o Reino de Deus na terra, com cercas de arame farpado eletrificado. Essas são as únicas cercas admitidas por certos Bispos, como o comunista Dom Casaldáliga, que odeiam cercas. As cercas cubanas e soviéticas, contra as quais os teólogos da Libertação nunca falam.
A Utopia, o Éden do Futuro, para eles, será guardada por torres cheias de ninhos de metralhadoras: os ninhos de “amor” da modernidade. A utopia se chama Auschwitz, Gulag ou Cuba. Todas as tentativas de construir o paraíso na terra, invariavelmente produziram o inferno, disse o insuspeito Karl Popper.
Por outro lado, em erro oposto ao racionalismo naturalista da Teologia da Libertação, os carismáticos, cultuadores do irracionalismo, só falam do eu, da vivência experimental interior, da experiência pessoal com Deus e com Cristo – ou com Buda, Xangô, ou Allah –  Só falam de misteriosos sentimentos religiosos pessoais, em carismas extraordinários, tornados vulgaríssimos. Cuidam só de “graças” espetaculares dadas a indivíduos, pouco se lhes dando a Igreja ou a Sociedade, e pouco se importando até com Deus, que, para eles, pode ser Brahman, Xangô, Cristo, Allah ou Buda, ou qualquer outra coisa, com qualquer nome que seja. O importante é ter uma experiência “divina” inefável e irracional. O mistério os faz admitir o delírio. E o delírio os leva ao transe.
Sonham com um “reino de Deus” na terra, que seria uma espécie de retorno ao Éden da felicidade primeva. Pensam ser possível retornar ao passado por meios mágicos. Esquecem-se de que toda tentativa de retornar ao Éden terminou normalmente no hospício, na orgia criminosa, ou no suicídio. E prometem uma volta de Jesus, que se daria já, já. E se Jesus está demorando para chegar, talvez seja pelo engarrafamento do trânsito, na marginal do Tietê.
Teólogos da libertação e carismáticos irracionalistas, todos se mostram contrários à Metafísica.
Isso chega a tal ponto que em um grande seminário brasileiro, em vez de Metafísica, o Padre responsável por essa matéria decidiu ensinar aos futuros sacerdotes… “erotismo bíblico”, isto é, blasfêmia, pornografia e ódio ao ser.
Ainda bem que Bento XVI, em viagem aos Estados Unidos, declarou que deseja fazer tudo para expulsar a pedofilia e o homossexualismo dos seminários e das sacristias.
Um trabalho maior que os doze famosos trabalhos de Hécules.
Somente com base na Metafísica, pode-se erguer corretamente o tetraedro do saber natural equilibrado, no qual se unem a ciência de Deus, do mundo e do eu. Saber que prepara para Fé, virtude intelectual.
Em quantas paróquias se vêem, hoje, “teólogos” da libertação pregarem o marxismo, o terrorismo e  a revolução, sem referência alguma ao sobre natural. São paróquias das CEBs, verdadeiros sovietes da TL e da CNBB castrista.
Por oposição, uma paróquia carismática é alienada do mundo, desconhecendo a relação entre Deus e o mundo, Deus e a História. Toda ciência é desprezada em troca da experiência mágica e histérica carismática. A Bíblia substitui a Eucaristia; a letra substitui a Fé. A História e o mundo não importam. Vive-se para o outro mundo, – para o mundo da Lua – mas não para o Sobrenatural. Busca-se sentir impressões, e não ser santos. Busca-se o preternatural. Sem jamais pensar no sobrenatural.
Em quantas paróquias, por fim se vê uma arte espúria corromper por meio de seus símbolos estéticos a doutrina conservadora do pároco. Um dos grandes males dos seminários do passado, e ainda dos atuais, é não fazer ver que toda arte é um sistema filosófico posto em símbolos. Daí, um padre conservador não se aperceber que as músicas românticas que ele faz tocar ou cantar em suas Missas, com seus tons melosamente dulçurosos, injetam nas almas o veneno sutil que vai causar o enervamento da Fé, pelo sentimentalismo, pelo sensualismo, pelo sonho irrealista, pela irracionalidade que levará as almas ao delírio gnóstico.
E há, infelizmente, até mesmo padres que se afirmam tradicionalistas — conheço alguns — que julgam bastar a missa de sempre para converter os homens, sem lhes dar qualquer ensinamento doutrinário, que julgam supérfluo. Esquecem-se eles do mandamento de Cristo: “Ide, e ensinai”.
E como nunca ensinam, nunca estudam. Repetem slogans. Fazem juízos sobre tudo, citando frases feitas. Nem tem idéia que pela música romântica se pode transformar o tradicionalista de hoje em progressista, depois de amanhã.
Certa vez um padre, então defensor da Missa tradicional, tocava num piano uma música romântica, e me perguntava desafiadoramente: “Então, Professor, onde está a Gnose nessa música?”
Hoje, ele reza também a Missa Nova. E canta musiquinhas do Padre Marcelo Rossi…   
É o resultado de não ter princípios e de não estudar para firmá-los.
Praticamente não há, hoje, paróquia que ensine uma religião não alienada do mundo, ou não extrapolada para a histeria. Deus, o Mundo e o Eu estão separados.

Quão difícil é encontrar o tetraedro regular do saber. E quão mais difícil ainda é encontrar homens realmente tetraédricos, equilibrados na santidade, sabendo viver no Mundo, para Deus.


2. ADÃO TETRAÉDRICO
Deus criou Adão do limo da terra, e infundiu nele uma alma imortal (Cfr. Gn 2,7 e 1,26). Criou-o em estado de inocência e de santidade, concedendo-lhe gratuitamente a participação na vida divina, pela graça santificante. Com o pecado original, Adão perdeu a vida da graça e a amizade com Deus, ficando sujeito à morte e a muitos outros males. E só com a Paixão e Morte de Cristo na Cruz é que o homem seria redimido, podendo salvar-se por meio da graça obtida pelos méritos infinitos do Redentor, Jesus Cristo, sem os quais ninguém pode se salvar.
Depois da criação, Deus ordenou a Adão que crescesse e se multiplicasse e dominasse a terra com todos os seres que existissem abaixo dele (Cfr. Gn 1,28).
“Crescei e multiplicai-vos e enchei a terra, e sujeitai-a, e dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves do céu, e sobre todos os animais que se movem sobre a terra” (Gn 1,28).
A primeira ordem de Deus continha dois mandamentos:
1.  ”Crescei”.
2.  “Multiplicai-vos”.
Vejamos o primeiro mandamento contido na primeira ordem dada por Deus a Adão.
1.  “Crescei”.
Como Adão e Eva poderiam crescer, se já foram criados adultos?
Embora essa ordem possa ser entendida com o significado que todo homem deve antes crescer para, depois, gerar, para nossos primeiros pais não era esse o sentido do mandamento, pois já foram criados adultos.
Que significava então que deveriam “crescer”?
Eles deveriam crescer quanto à perfeição de seu ser. Deviam fazer suas potências se mudarem em ato, pois o ato é o bem, no ser. Ser e bem são reversíveis.
Portanto, eles sabiam que o ser deles era contingente, com ato e potência, suscetível de mudança. Como sabiam também que Deus era ato puro, imutável.
Deus exigiu, pois, de Adão o reconhecimento de que o Ser – Deus – é imutável, enquanto o ser da criatura é contingente, mutável, capaz de aperfeiçoamento e de queda.
Compreende-se então que tinha que ser esse o primeiro mandamento dado a Adão: reconhecer a perfeição absoluta do Ser criador, e buscar a perfeição de seu próprio ser, tornando-se mais semelhante a Deus. E nesse primeiro mandamento estavam implícitos os três primeiros mandamentos do futuro decálogo.
Como também estava incluso o oitavo mandamento: o de reconhecer a verdade do ser, dando testemunho verdadeiro.
Crescei, isto é, passai para ato as potências que recebestes. E porque ato e bem são reversíveis, Deus lhes diria: sede bons, como Deus é bom. “Sede perfeitos como o vosso Pai do céu é perfeito” (Mt 5,48).
Só um ser que possui uma qualidade em ato é capaz de transmiti-la a outro ser que tenha potência para recebê-la, para possuir aquele bem. Por exemplo, o fogo que tem calor em ato, tem a potência ativa de transmitir calor para o que está frio em ato, mas que possui potëncia para ficar quente em ato. O fogo se transmite. O bem se transmite.
Por isso, depois do mandamento de crescer, de buscar a perfeição e a semelhança com Deus criador, Adão e Eva receberam ordem de transmitir o bem que tinham a outros: “multiplicai-vos”. Tende filhos. Tramsmiti o bem da vida a outrem.
Como Deus criou e deu vida, como Deus é Pai, Adão e Eva deveriam ser pais, transmitindo o bem da vida. E nesse segundo mandamento relativo ao próximo, estavam contidos os mandamentos relativos à geração da vida (quarto, sexto e nono mandamentos do futuro decálogo). Assim como, indiretamente, o quinto e o sétimo mandamentos destinados à manutenção da vida. Estavam, pois, dados, em síntese, os dois mandamentos que resumiam a lei: amar a Deus sobre todas as coisas criadas e ao próximo como a si mesmo.
Nessa ordem primeira, dividida em dois mandamentos, estava determinado, em mais profunda instância, que Adão devia reconhecer a Deus como Ser perfeitíssimo, Ato puro, Ser absoluto, transcendente a todo universo criado; devia reconhecer ainda a contingência do ser criado, mutável, possuidor de bens relativos, sujeito a aperfeiçoamento e a possível decadência.
A primeira ordem dada por Deus a Adão tinha então profundo sentido metafísico. O homem deveria conhecer o Ser. Conhecer o Ser necessário e o ser contingente. O ser por si mesmo e o ser por participação com todas as conseqüências metafísicas que disso decorrem.
Desse modo, foi posta por Deus, para Adão e Eva, a base metafísica do teatraédro do saber humano.
***
A segunda ordem dada por Deus a Adão foi:
“Enchei a terra e sujeitai-a, e dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves do céu, e sobre todos os animais que se movem sobre a terra” (Gn 1,28).
Também nesta segunda ordem se podem distinguir dois mandamentos:
1.  Dominar a terra, porque Adão era de terra. Adão devia dominar o próprio eu;
2. O homem deveria dominar todos os seres que lhe fossem inferiores e criados para ele. Adão deveria dominar o mundo.
Dominai… Dominar significa ter o domínio, o senhorio.
Deus Pai onipotente fez Adão pai de todos os homens e senhor da terra, com poder de dominá-la.
Deus fez Adão rei.
Dominar a terra, como vimos, significava que Adão deveria dominar em primeiro lugar a si mesmo, pois o nome Adam significa “feito de terra”. E aqueles que se dominam –  os que têm a virtude da mansidão — possuirão a terra, ensinou a Sabedoria encarnada, Jesus Cristo, no sermão da montanha. Dominando-se, Adão dominaria também a terra, isto é, o mundo.
Assim como Deus é o Ser absoluto, o Dominus por excelência, o Senhor, o Rei por antonomásia, assim também Adão era rei, mas rei feudal, rei por participação e não rei absoluto. Adão foi constituído por Deus como senhor –  como dominus – por participação no poder de Deus. Não como tirano. 
Deus nos deu o ser, (corpo e alma) em posse. Corpo e alma que podemos usar livremente, sendo responsáveis pelo seu bom uso, porque a propriedade eminente de nosso ser é de Deus. Temos o ser somente como um feudo do qual deveremos dar contas ao Senhor eminente.
Foi a Onipotência de Deus Pai que instituiu Adão como rei feudal da terra, porque é a Deus Pai que se atribui o poder. Desse modo, Deus nos “empresta” os bens que temos feudalmente, e dos quais deveremos dar conta, pagando os juros, pois os seus dons são como talentos que devem produzir juros. E a quem muito foi dado, muito será pedido em retorno.
Portanto, antes de ser Rei de outrem, Adão deveria ser rei do próprio Eu, pois um rei que não domina si mesmo como poderá dominar o mundo?
Com esta segunda ordem, Deus estabeleceu outra face do tetraedro de Adão: o conhecimento do Eu.
Com uma terceira ordem, Deus constituiu Adão como profeta, cheio de Sabedoria, ao ordenar-lhe que nomeasse todos os animais da terra (Gn 2,19-20). “E todo nome que Adão pôs aos animais vivos, esse é o seu verdadeiro nome” (Gn 2,19).
Foi pela palavra, pelo Verbo, que Deus criou todas as coisas, e sem o Verbo nada foi feito (Cfr. Jo 1,3).
Deus, ao criar as coisas, “dizia” o nome de uma criatura, e ela passava a ser. Deus disse:
“Faça-se a luz, e a luz passou a ser” (Gn 1,3).
Evidentemente, Deus não disse faça-se a luz com palavras sopradas por sua boca, porque nem Deus tem boca, nem cordas vocais. Deus disse “Faça-se a luz”, em sua “mente”, em sua Inteligência. No Verbo. E ao “dizer” luz, a luz passou a existir, recebendo forma substancial e existência.
Assim como nós temos palavras sonoras em nossa boca, pensamos com palavras silenciosas em nossa inteligência. Temos em nós um verbo pensado e um verbo falado. Em Deus, só há o Verbo pensado. Foi no Verbo que Deus pensou a luz, e, ao pensá-la, Ele criou a Luz.
Cada criatura é um pensamento, uma “ideia” de Deus, realizada como ser criado, como ser por participação. Toda criatura é ser contingente análogo ao ser necessário, que é Deus Altíssimo.
Por sua vez, Adão, dotado de sentidos corporais e de inteligência, Adão era capaz, mais do que nós hoje, por causa de sua inteligência tendente à verdade e à sua ciência infusa – de captar perfeitamente, por abstração, a forma substancial de cada criatura. Nossa inteligência recebe a “informação” de cada ser que conhece. Recebe a informação, isto é, recebe por abstração mental a idéia, a forma, que torna o ser o que ele é. Por isso, somos informados na nossa inteligência, captando a forma do ser.
Ao criar um ser, Deus lhe dá uma forma substancial posta numa matéria. Ao conhecermos nós um ser, captamos sua forma substancial, a idéia que Deus teve dele, e com que o formou substancialmente. Do ser criado, por abstração, captamos a sua forma substancial, a verdade dele, o seu verum.
Quando, então, a Sagrada Escritura afirma que Adão deu a cada ser o nome que lhe era conveniente, o seu nome apropriado, afirma que Adão era sábio, captando por abstração a forma substancial que Deus deu ao criar cada ser. Desse modo foi que Deus Filho, Sabedoria de Deus, constituiu Adão profeta, concedendo-lhe sabedoria participadora do Verbo, que lhe permitia conhecer a forma de cada ser, dando-lhe o nome conveniente, nome designador perfeito de sua forma substancial. Deus criou tudo dizendo o nome de cada coisa que criava. Adão conhecia cada criatura, e “lia” nelas o seu nome, a sua forma.
Desse modo, conhecendo todas as coisas do mundo é que Adão poderia dominar todas as coisas do mundo, reger o mundo. Porque convém que o Rei perfeito seja profeta. Como Davi.
 Deste modo, como profeta, Adão teria o conhecimento sapiencial para ordenar o mundo. E esta seria a terceira face do tetraedro de Adão.
Finalmente, Deus constituiu Adão sacerdote, podendo oferecer a Deus um sacrifício santo. Ele fez isso ao dar uma quarta ordem a Adão:
“Come de todas as árvores do paraíso, mas não comas o fruto da árvore da Ciência do Bem e do mal, porque em qualquer dia em que comeres dele morrerás indubitavelmente” (Gn 2,17)”.
E como foi que, com essa ordem, Deus fez Adão sacerdote?
 Sacrificar é tornar algo sagrado, renunciando ao seu bem, e entregando-o –  de volta – totalmente a Deus.  
Deus era o supremo Senhor de todas as coisas. Como Dominus, Ele deu a Adão todos os frutos da terra, porque todos eram bons, visto que Deus tudo fez bom. Mas Deus quis que Adão reconhecesse esse donativo universal que Deus lhe dera, assim como o domínio por excelência que Deus tem sobre tudo, não comendo de um fruto do paraíso. O respeito dessa proibição significava o reconhecimento, por parte de Adão, de que Deus era o Senhor, o DOMINUS.  O Senhor por excelência. Adão sacrificava o fruto proibido. Obedecia a Deus, comendo o que Deus lhe concedera, e não comendo o que Deus lho proibira, com ameaça.
 Adão tornou-se assim sacerdote. Como essa ordem era para fazer o bem e evitar o mal, esse mandamento permitia a Adão santificar suas ações. E como a santificação é normalmente atribuída ao Amor de Deus, pode-se dizer que esse sacerdócio santo, como todo bem, foi transmitido a Adão por meio do Espírito Santo.
Sacrificar algo terreno a Deus é sacralizar a oferta. É reconhecer a dependência absoluta do ser contingente para com o Ser necessário. É afirmar a absoluta transcendência de Deus com relação ao universo.
Como se Adão dissesse a Deus Santo, Santo, Santo.
Deus Santo, como Rei: Dominus.
Deus Santo, como Sabedoria Infinita que tudo conhece.
Deus Santo, como Amor transcendente e santificador, capaz de elevar o ser criado racional à filiação divina por adoção.
Como se Adão dissesse Santo, Santo, Santo é O Senhor. O Senhor, no singular, porque o Deus trino nas Pessoas divinas, é Uno em sua substância, em seu Nome. Unidade divina perfeitíssima da qual somos semelhantes por analogia do ser.
E como sacerdote do altíssimo, Adão se relacionaria de modo o mais elevado com Deus. E esta relação sacerdotal de Adão com Deus seria a quarta face do tetraedro adâmico.
Adão foi feito rei feudal por Deus Pai, Pessoa Divina à qual se atribui o poder.
Foi feito profeta sábio por Deus Filho, Verbo de Deus, o Filho.
Foi feito santo sacerdote por Deus Espírito Santo, o Amor de Deus.
Como Cristo, Rei Profeta e Sacerdote, Adão foi rei, profeta, e sacerdote por participação.
Desse modo Deus fez Adão tetraédrico, tendo as quatro virtudes cardeais próprias do homem e relacionadas, como o homem, às suas quatro virtudes tetraédricas: justiça, prudência, temperança e fortaleza.
Dessas virtudes a base é a Justiça que manda dar a cada um o que lhe é devido. Dando a Deus, Ser absoluto, toda a glória devida, e a cada homem, a cada ser por participação o que lhe cabe.
A temperança, que manda usar os bens na medida certa, tem relação com a renúncia, com o sacrifício, com o sacerdócio.
A fortaleza que manifesta o poder tem relação com a realeza concedida a Adão, ao homem.
A prudência, virtude Intelectual, se relaciona com o caráter profético sapiencial que Deus deu a Adão.

 

3. O PECADO ORIGINAL 
E Deus conversava com Adão na brisa da tarde (Cfr. Gn 3,8).
Que significa isso?
É claro que Deus não podia conversar com Adão como conversam os homens entre si, falando e ouvindo, pois Deus não tem boca nem tem ouvidos. Evidentemente, Deus poderia fazer Adão ouvir, milagrosamente, uma voz interior, comunicando-lhe verdades e mandamentos. Ademais, Deus falava com Adão, normalmente – naturalmente – através dos símbolos das coisas criadas.
Todas as coisas cantam a glória de Deus. E seu canto inaudível é, porém, inteligível.
É o que lemos na Escritura: “Os montes e os outeiros cantarão diante de vós cânticos de louvor e todas as árvores baterão palmas” (Is 55,12). E no salmo 148 se diz que todas as criaturas cantam o Senhor porquê “Ele falou e foram feitas, Ele mandou e foram criadas“ (Ps 148,5).
Pela criação, Deus escreveu o universo como um primeiro livro, porque Ele dizia uma palavra e a coisa era. Assim, cada criatura é, por assim dizer, como a cristalização de uma palavra de Deus. Portanto, o universo criado é um conjunto de palavras divinas, um poema, que canta a glória de Deus.
Cada coisa é, pois, um pensamento de Deus, e, por isso, afirma S. Boaventura, o universo é como que um grande livro, cujas páginas são os seres criados.
Quoniam autem Deus non tantun loquitur per verba, verum etiam per facta, quia ipsius dicere facere est, it ipsius facere dicere” (S. Boaventura, Breviloquium. Prol., §4,4). [“Porque Deus não fala apenas por palavras, mas também pelas coisas que faz, porque o seu dizer é fazer, e o seu fazer é dizer”]
Como, então, falava Deus com Adão?
Falava através dos seres criados, que Adão  conhecia e compreendia. E, lendo sua forma, conhecia o que Deus quisera dizer ao criar tal coisa e tal outra.
Foi, pois, para ler o poema da Criação que Deus deu a Adão o “olho” da sabedoria.
Hugo de São Victor nota que, originalmente, Deus deu a Adão três tipos de “olhos”:
1 – O olho material;
2 – O olho da razão;
3 – O olho da Sabedoria.
Antes do pecado Adão tinha visão sapiencial clarí­ssima e entendia perfeitamente o que Deus significara ao criar cada ser. Adão conversava com Deus ao compreender como Deus lhe falava através de cada coisa criada, como cada ser manifestava analogicamente uma qualidade de Deus, e como o conjunto do universo era uma imagem da infinita Sabedoria e da Bondade infinita de Deus.
Cada ser cantava a glória de Deus e Adão  tinha visão e ouvido metafí­sicos.
Com o pecado original, o homem perdeu o olho da Sabedoria, o que tornou necessária a revelação.
Ficou ainda com o olho da razão, mas danificado, de modo que com dificuldade o homem decaí­do compreende a verdade ontológica de cada ser.
“E com dificuldade compreendemos o que há na terra, e com trabalho descobrimos o que temos diante dos olhos. Quem poderá investigar as coisas do céu?” (Sa 9,16).
No homem decaí­do, só ficou intacto o olho material. Daí­, o homem ter a tendência de acreditar só no que vê. Por isso, Cristo chamou bem-aventurados aqueles que, não tendo visto, creram. Bem-aventurados os limpos de coração porque verão a Deus através das coisas criadas.
O fim do homem é conhecer, amar e servir a Deus neste mundo para gozá-lo para sempre, no outro, ensina o Catecismo.
E não pode o homem servir a Deus se não O amar. E não pode amá-Lo se não O conhecer. Não pode, entretanto, conhecê-Lo a não ser através das imagens e vestígios que dEle existem nas criaturas. As criaturas são como um véu, pois velam e revelam o Criador. Contudo, só os “limpos de coração verão a Deus”. “Beati mundo corde quoniam ipsi Deum videbunt” (Mt 5,8). Para ver Deus, invisí­vel, através do véu das coisas criadas, é preciso ter o coração desapegado dos afetos impuros e possuir a sabedoria. É preciso contemplar as criaturas “con occhio chiaro e con affetto puro” [com olhar claro e com afeto puro] (Dante, Divina Comedia, Par. VI, 87).
Essa idéia é confirmada pelo seguinte texto de Hugo de S. Victor:
“Bem aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus”. Limpos de coração são aqueles que não são sujos nem pelo pó da cogitação inútil, nem pela lama da deleitação torpe. Limpos de coração são aqueles que não são tocados pela névoa da ignorância terrena, nem tem corrompido o fervor pela concupiscência imunda. Limpemos, portanto, nossos corações de toda ignorância, pela inquisição da verdade, e de toda concupiscência perversa, pelo amor da virtude, a fim de que mereçamos ver a Deus na glória do reino celeste.” (H. S. Victor, Allegoriae in Evangelia, Lib II, cap. I).
Quando se tem desapego e sabedoria, coração reto e inteligência clara, então é possível ler o livro da criação com facilidade.
“Si ton coeur était droit, toutes les créatures te seraient des miroirs et des livres ouverts, oã¹ tu verrais sans cesse, em mille lieux divers des modã¨les de vie et des doctrines pures;Toutes comme ã  lâ envie te montrent leur Auteur”… diz Corneille. [Se teu coração fosse reto, todas as criaturas seriam, para ti, espelhos e livros abertos, nos quais tu verias, sem cessar, em mil lugares diversos, modelos de vida e doutrinas puras. Todas pressurosas te mostram o seu autor”…] Ou, como diz Rostantd, “Quand on sait regarder et souffrir, on sait tout” [Quando se sabe olhar e sofrer, sabe-se tudo. E. Rostand, Chantecler].
***
Deve-se notar, em consequência, que há três maneiras de se ver a Deus, no universo criado:
1 – Pela luz natural da razão. É definido pelo Concílio Vaticano I, que é possível, pela luz natural da razão, chegar ao conhecimento da existência de Deus. Foi o que fez Aristóteles com as suas cinco vias. Mas, embora sem o conhecimento metafísico de Aristóteles, os homens podem chegar ao conhecimento de que tem que existir um Deus criador de todas as coisas, ao examinarem a ordem e o bem das coisas existentes.
2 – Pela luz da Fé. Uma segunda maneira de chegar a essa compreensão – e muito mais perfeita – é pela luz da Fé. É a Fé que nos permite conhecer a verdade plena. Além disso, a luz da Fé auxilia enormemente a razão a compreender as coisas que ela examina naturalmente, porque a graça aperfeiçoa a natureza.
3 – Pela luz da sabedoria. A terceira maneira de ver a Deus nas coisas criadas é pela luz da virtude da sabedoria. Nem toda pessoa que tem Fé, possui também virtude. A pessoa pode ter Fé e viver em pecado. Mas aquele que tem Fé e possui a virtude, pode ver a Deus, mais facilmente, nas coisas criadas
(Hugo de S. Victor. I tre giorni dell’invisibile luce – L’unione del corpo e dello spirito, Sansoni, Firenze,1974).
“Porque as coisas invisíveis dEle, depois da criação do mundo, compreendendo-se pelas coisas feitas, tornaram-se visí­veis; e assim o seu poder eterno e a sua divindade; de modo que  eles são inescusáveis” (Rm 1,20).
Sobre a verdade expressa nesse texto paulino, baseou-se toda a estética simbólica medieval, como também várias correntes filosóficas e espirituais. Tendo Deus feito todas as coisas à sua imagem e semelhança, através das criaturas é possí­vel conhecer algo do Criador. Porque em todas as coisas Ele espelhou as suas perfeições. As obras de Deus são como pensamentos d’Ele, já que dizendo Ele uma palavra as coisas eram feitas: “Dixitque Deus: Fiat lux. Et facta est lux. Et vidit Deus lucem quod esse bona: et divisit lucem a tenebris” (Gn 1,3-4).
Não só as coisas criadas refletem as perfeições de Deus, como O revelam de modo cada vez mais claro e completo, quanto maior for a perfeição de seu ser. Desse modo, a hierarquia dos seres é, na verdade, uma “Escada de Jacó”, que a inteligência humana tem que subir durante a vida, para chegar a ver Deus face a face, na eternidade: “ipsa rerum universitas sit scala ad ascendendum in Deum” (S. Boaventura, Itinerarium Mentis in Deum, I, 2). [A própria totalidade das coisas criadas é como uma escada  que sobe até Deus]
Foi por estas razões, entre outras, que Deus criou todas as coisas segundo a lei da analogia, isto é, de modo que todas as criaturas são, de algum modo, semelhantes a Ele e, ao mesmo tempo, sendo criaturas, diferentes d’Ele, em grau infinito.
Adão , antes da queda original, era perfeito e sapientíssimo. Ele tinha a visão lúcida de todas as coisas e via Deus clarissimamente através do véu dos seres contingentes. Véu que era totalmente transparente para ele.
O ser contingente, pois, é semelhante ao Ser Absoluto, e a semelhança exige que haja algo diferente, e, de certo modo, algo relacionado com o ser Absoluto (Cfr. São Tomás, Suma Teológica, I, q. IV, a. 3: Se alguma criatura pode ser semelhante a Deus).
Por isso, em cada criatura há um apelo e uma insatisfação. Um apelo a Deus, pelo que há de semelhante ou como vestígio d`Ele. Uma insatisfação e uma frustração, porque a criatura jamais satisfaz plenamente o homem. No ser análogo, criado, há uma causa de felicidade e, ao mesmo tempo, uma tentação.
Há um apelo, porque as qualidades dos seres contingentes nos convidam a desejar essas qualidades em grau cada vez maior, até desejarmos o Absoluto. Elas nos deixam insatisfeitos, porque buscamos o infinito, e nelas só encontramos a finitude.
Mas há nelas também uma tentação, e tentação de idolatria, que consiste em tomar a imagem ou os vestígios de Deus, como se fossem o próprio Deus.
Quando o homem se apega a criatura tomando-a como valor absoluto, confunde a imagem contingente, ou os vestígios de Deus, com o próprio Absoluto. É nisto que consiste a idolatria. E os ídolos são frustrantes.
De modo que, tanto quem não conhece a Deus através das claras páginas do livro do Universo, como quem, frustrado com a idolatria, se revolta contra a limitação do bem das criaturas, ou com seu mal relativo, negando-lhes qualquer valor, é inescusável. (Cfr. Rm 1,20).
A atitude correta diante do universo deve ser, pois, de sábio encantamento diante das maravilhosas obras de Deus, mas sem esquecer que elas são meras imagens e vestígios do Ser Absoluto.
Deve-se repudiar quer a idolatria panteísta que transforma o contingente em Absoluto, quer a frustração gnóstica, que nega qualquer valor à criação, vendo nas coisas criadas o túmulo ou calabouço que encarcera o espírito divino, que seria preciso libertar da prisão do ser.
***
Era, pois, contemplando corretamente a relação analógica das criaturas com o Criador, que Adão mantinha com Deus uma conversação sapientí­ssima.
Na brisa da tarde…
“Quia delectasti me, Domine, in factura tua; et in operibus manuum tuarum exsultabo. Quam magnificata sunt opera tua, Domine!” [“Porque me alegrastes Senhor, com as tuas obras, e eu exulto com as obras das tuas mãos. Quão magní­ficas são, Senhor, as tuas obras!” (Ps 91,5-6).
Quam multa sunt opera tua, Domine! Omnis cum sapientia fecisti: Plena est terra creaturis tuis” “Quão numerosas são as tuas obras, Senhor! Fizestes com sabedoria todas as coisas: A terra estã¡ cheia das tuas criaturas”. (Ps 103,24).
A magnitudine enim speciei et creatura cognoscibiliter poterit creator homum videri”  [“Porque pela grandeza e formosura da criatura Se pode visivelmente chegar ao conhecimento do seu Criador] (Sa 13,5).
Mas…
“Vir insipiciens non cognoscet. Et stultus non intelliget haec.” [O homem insensato não conhece, e o néscio não compreende estas coisas”. (Ps 91,7)].
E Adão, antes do pecado, nada tinha de néscio. Os maiores gênios da história não se lhe poderiam comparar.
Uma leitura distraí­da e superficial do relato da tentação original e da queda, – tão fácil e tão rápida – de Adão e Eva pode deixar a impressão enganadora de que nossos primeiros pais eram ingênuos e fáceis de serem enganados.
Uma serpente que fala…
Uma mulher que escuta… Um diálogo singelamente astuto…
Eva que come o fruto proibido. E eis Adão que a segue.
Tolamente.
Nada mais enganador.
Adão era um homem perfeito. Um homem sabiamente tetraédrico, que conhecia o Ser absoluto e que O contemplava claramente em toda a criação, ouvindo claramente o cântico de cada criatura, assim reconhecendo a imagem e semelhança de Deus colocada em sua própria alma.
Adão conhecia as invisí­veis perfeições de Deus refletidas em toda a criação. Ele compreendia que o Ser absoluto e necessãrio se refletia analogicamente em cada ser contingente. Ele compreendia os transcendentais, e sabia que o ser era equivalente ao verum, ao bonum e ao pulchrum. Sabia que todo ser é metafisicamente verdadeiro, bom e belo. Compreendia claramente que assim como os seres por analogia tem gradação de perfeições, assim os bens são hierarquizados, o que fazia com que os fins intermédios deveriam também serem ordenados ao Fim supremo, Deus.
E que era o misterioso fruto proibido?
E que árvore estranha era essa: a árvore do Conhecimento do Bem e do Mal?
Se Deus deu a Adão inteligência para conhecer, por que proibia esse “conhecimento”? Por que proibiu precisamente esse “conhecimento” do Bem e do Mal?
Certamente ele não seria um conhecimento intelectual do ser, pois que Deus fez o homem exatamente para conhecê-Lo, amá-Lo e servi-Lo. Que tipo de “conhecimento” seria, então, esse?
Quais seriam o bem e o mal impossí­veis de serem conhecidos pelo homem senão o Bem absoluto, a Divindade, por estar acima da possibilidade do conhecimento humano, e o mal ontológico, não existente, impossí­vel de ser conhecido, ou o mal moral, o pecado que, sendo contrário a razão, também é, em si mesmo, incompreensí­vel. O que Deus proibiu ao homem foi tentar atingir, com sua razão, o impossível e o delí­rio. Deus proibiu a soberba do racionalismo que tudo pretende entender. E proibiu o irracionalismo, negador do intelecto. Proibiu a recusa revoltada contra os limites da razão, buscando conhecer o mal através de uma forma irracional de conhecimento não humano. Através de um conhecimento intuitivo irracional.
Deus proibiu a Adão o querer ter um conhecimento absoluto como Deus. Proibiu-lhe um conhecimento racionalista, próprio do panteí­smo, assim como um conhecimento irracional, intuitivo, experimental, próprio da Gnose. A árvore do conhecimento se diz, em grego, a árvore da Gnosis, E é a Gnose que pretende dar ao homem o conhecimento intuitivo, mágico, do Ser absoluto, o conhecimento da Divindade, assim como a compreensão do mal, a compreensão do pecado. Adão foi o primeiro Gnóstico. Adão foi primeiro romântico, ao sonhar atingir a Divindade.
A serpente tentou Eva, em primeiro lugar, pois sabia que ela, tendo sido tirada de Adão, era mais fraca, já que o proveniente é sempre mais fraco do que sua fonte. O efeito é sempre menos que a sua causa.
A tentação foi bem curiosa, pois começou por uma flagrante mentira:
– “Por que vos mandou Deus que não comêsseis de toda a ãrvore do paraíso?” (Gn, 3,1).
Eva, imprudentemente, tentou dialogar ecumenicamente com o diabo:
– “Nós comemos do fruto das árvores que estão no paraí­so. Mas do fruto da árvore que está no meio do paraí­so, Deus nos mandou que não comêssemos, e nem a tomássemos, não suceda que morramos” (Gn, 3,3).
– “Vós de nenhum modo morrereis. Mas Deus sabe que, em qualquer dia que comerdes dele, se abrirão os vossos olhos, e sereis como deuses, conhecendo o bem e o mal”. (Gn 3,4-5).
O demônio disse a Eva: “O que Deus disse não é verdade”. “Deus mentiu”. “O SER MENTE”.
Essa é a grande blasfêmia. Essa foi a grande Mentira da qual o diabo foi pai.
Para realmente conhecer, o homem deveria renunciar, quer ao conhecimento dos sentidos, quer ao conhecimento intelectivo, por abstração. Adão deveria renunciar a inteligência. A serpente garantiu a Eva que, ela e Adão, tendo os olhos fisicamente abertos, não viam. Desobedecendo, seus olhos fisicamente abertos se abririam para um “conhecimento” superior. Para a Gnose.
Para realmente conhecer, eles deveriam renunciar a verdade que Deus lhes dissera. Deveriam renunciar a compreensão intelectual. Deveriam acreditar de olhos fechados, no diabo. Deviam abrir a boca e fechar os olhos e comer o fruto proibido que lhes permitiria ter uma visão superior, atingindo um conhecimento não racional, não intelectual. Para conhecer, eles deveriam renunciar aos sentidos exteriores, especialmente a vista, e renunciar ao intelecto.
O Ser mente, disse a serpente. E Adão e Eva creram nessa mentira, pretendendo ter um conhecimento absoluto, não racional.
O Ser absoluto mente, disse o diabo. Se assim fosse, então o Ser não seria verum, e nem bonum, e nem pulchrum. O SER por excelência seria falso, mau, feio.
Se o Ser necessário mente, todo ser criado mentiria também. Toda criatura não cantaria, mas haveria ou um caos ensurdecedor, ou o silêncio absoluto. O universo não cantaria a glória de Deus.
O Ser seria não-ser.
O Ser seria o Nada.
O Vazio metafísico.
Adão caiu na tentação do nihilismo.
O que é, não é.
Como ecos do diabo, a Gnose, a Cabala, Eckhart, Boheme, Kant, Hegel e Marx, Heidegger e Arte Moderna iriam dizer o mesmo.
O Ser não é. O Ser não é. O Ser não é.
Não há Ser. Não há Verdade. Não há Bem. Não há Beleza. Adore-se o Nada. A Mentira. O Pecado. O Feio.
Adore-se o Homem. Proclamem-se os seus Direitos. Adore-se a Razão, a prostituta louca. Adore-se o Diabo.
Tudo é mentira.
O que é não é. Os contrários se equivalem.
Nasceu a dialética.
Deus, o Mundo e o Eu seriam vazios absolutos. A razão enganaria o homem e os sentidos lhe dariam ilusões. Seria preciso furar os próprios olhos, como fez Édipo, para ver. Seria preciso ser louco, para compreender. Delirar, para perceber. Sonhar, para ver.
O que a serpente disse para Adão é que, se eles comessem o Fruto do Conhecimento, da Gnose, eles saberiam o Bem e o Mal. Saberiam que o Ser é não ser. Que o bem é o mal, e que o mal é o bem. Que a luz é treva. Que o doce é amargo. Que o belo é feio. Que a Idade Média foi ignorante, e que Modernidade é sábia porque recusa que a Verdade exista.
“Malditos sejais vós que ao mal chamais bem, e ao bem, mal; que tomais as trevas por luz, e a luz por trevas, que tendes o amargo por doce, e o doce por amargo (Is 5,20).
O pecado de Adão e Eva foi uma renúncia ao intelecto e a Verdade. O pecado original foi um suicídio intelectual. Não existiria nem verdade e nem mentira. Verdade seria mentira. O falso seria verdadeiro. O pecado original foi a admissão da dialética.
Adão julgou que, ao mesmo tempo, alcançaria a divinização, que ele seria TUDO, e, ao mesmo tempo, que não existindo o ser, ele seria NADA.
Por um lado, Panteí­smo, pois se o homem fosse Deus toda a natureza seria divina.
Por outro lado, Gnose, a divinização no Nada. Pois se o ser mente, o ser não existe. A divinização consistiria em cair no Nada absoluto. No nihlismo. Na Gnose.
O Tudo igual ao Nada.
Por isso, Deus fez a lí­ngua da serpente ser bífida.
O Antropoteísmo, a religião do homem que se faz Deus, da qual Adão foi o primeiro fiel, tem dois ramos: o Panteí­smo, divinizador do tudo, e a Gnose, divinizadora do nada.
E se não há ens verum, também não há ens bonum. Não haveria nem bem e nem mal. Não haveria nem lei, nem moral. Tudo seria permitido. Nada seria proibido. Seria proibido proibir. Nada seria condenável. Não poderiam existir nem dogmas, nem anatematismos.
O pecado de Adão foi um pecado antimetafí­sico, o pecado do irracionalismo e da anomia. O pecado do nihilismo. O pecado do dualismo. O pecado da dialética. Não há nem Deus, nem Mundo e nem Eu. Porque não há Ser.
É claro que haveria outros aspectos a considerar no pecado de Adão e Eva.
Se fizermos um elenco dos pecados de Adão verificaremos que Adão pecou:
1)   Por desobediência, comendo o que Deus proibira.
2)   Por orgulho, querendo ser Deus;
3)   Por gula, pois “Viu, pois, a mulher que o fruto da ãrvore era bom para comer e de aspecto agradável, e tirou do fruto dela e o comeu” (Gn III)
4)   Por blasfêmia, porque, tendo acreditado no que disse o demônio, aceitou considerar Deus mentiroso.
5)   Por magia. Claro que Adão e Eva sabiam que, comendo o fruto apenas o digeririam. Sabiam que uma causa menor não poderia produzir um efeito superior a ela. Esperavam, porém, que comer o fruto fosse um sinal mágico para o demônio transformá-los em deuses.
6)   Por satanismo. Esperavam que o demônio os transmutasse pelo conhecimento.
7)    Por ódio ao Ser e ao intelecto. O pecado original foi um pecado antimetafí­sico. Foi o pecado de Gnose, pois a gnose é essencialmente antimetafí­sica.
O pecado original foi a inconformidade de Adão e Eva serem o que eram: criaturas. Eles quiseram não ser o que eram, mas serem Outro. Quiseram ser o infinitamente Transcendente: Deus.
Adão e Eva aceitaram a tentação da serpente, recusando a realidade tal qual Deus a fizera, porque quiseram ser como Deus. Recusaram a contingência de seu ser, desejando ser o Ser por excelência. Recusaram o domí­nio de Deus, porque queriam ser livres de modo absoluto. Queriam a free-dom, isto é a libertação de todo domínio. Não queriam ser vassalos. Queriam a soberania absoluta. Não queriam um conhecimento racional, mas a intuição divina. Não queriam nada sacrificar. Mas que tudo girasse em torno do homem. Adão foi o primeiro antropoteí­sta. Ele sonhou ser o Alfa e o Ômega, a causa eficiente e a causa final de tudo.
Quis ser Deus.
“Sereis como deuses”, lhe prometeu a mentira da serpente. E Adão  aceitando essa promessa mentirosa, ofendeu a Deus e danificou profundamente a natureza humana.
A queda de Adão repetiu como um eco o grito de Lúcifer e dos demônios: “Non serviam”, pois Lúcifer e seus asseclas queriam ser como Deus. Eles foram expulsos do céu por São Miguel, cujo nome significa exatamente: “Quem é como Deus”: Quis ut Deus.
Evidentemente, o mais grave no pecado de Adão foi a negação de Deus como Senhor, como Verdade, e como Bem. Foi a recusa do Ser e a negação do intelecto, duas atitudes tipicamente gnósticas. Adão adotou o nihilismo e a dialética, recusou a capacidade intelectual dada por Deus ao homem para conhecer a verdade, para entender a realidade, e essas recusas são posicionamentos essenciais da doutrina gnóstica.
Essa recusa da verdade e da capacidade intelectiva do homem é também — veremos mais adiante — uma tese tí­pica do pensamento moderno, ao qual o Concílio Vaticano II, por ordem de João XXIII, quis adaptar a doutrina Católica.
A Modernidade repetiu o pecado de Adão.
O Concílio Vaticano II, aderindo à Modernidade, abençoou o pecado de Adão. Daí o Vaticano II ter aceitado o Antropoteí­smo, a Religião do Homem.
Como poderia, então, a Missa Nova, nascida do Concílio Vaticano II voltar-se para Deus, dando as costas ao Homem?
Paulo VI fez a Nova Missa dar as costas para Deus.
Voltou-se para o Homem.
Inverteu-se o tetraedro humano, que deixou de apontar para o céu, para o transcendente.
O tetraedro foi invertido, apontando para o abismo.

 

4 – DEPOIS DA QUEDA
Depois da queda original, Deus amaldiçoou, em primeiro lugar, a serpente, dizendo-lhe:
“Pois que fizeste isso, és maldita entre todos os amimais e bestas da terra. Rastejarás e comerás pó todos os dias de tua vida. Colocarei inimizades entre ti e a Mulher, entre tua raça e a dela. Tu lhe armarás ciladas ao calcanhar, e ela mesma te esmagará a cabeça” (Gn 3,14-15).
Este texto é fundamental, porque é o definidor do que será a História: um combate de ódio, sem tréguas, entre os filhos do Diabo e os filhos da Mulher, isto é, da Virgem Maria, a quem Cristo designou duas vezes como a Mulher, a primeira vez nas bodas de Caná, a segunda vez no Calvário.
A História é uma batalha contínua entre os Filhos da Virgem Maria, Mãe da Verdade, contra os filhos do diabo, o pai da Mentira.
E quem são esses filhos do Diabo? 
Quem são esses irmãos da Mentira?
Como pode o demônio ter filhos, se não tem corpo?
Em sentido analógico, filhos do Demônio – definiu Cristo no Evangelho (Jo 8,44) – são aqueles que querem fazer a vontade dele. Ele chamou de filhos do demônio aos fariseus, por não aceitarem a verdade:
“Por que não podeis ouvir a minha palavra? Vós tendes por pai o demônio, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio, e não permaneceu na verdade, porque a verdade não está nele. Quando ele diz a mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Jo, 8,43-44).
Toda a Teologia da História está contida na frase do Gênesis, pela qual Deus amaldiçoou a serpente e predisse a grande batalha da História, entre a Igreja Católica e a Sinagoga de Satanás.
Ninguém pode entender a História senão à luz dessas frases do Gênesis. Na História, há uma guerra contínua entre os que seguem a Deus – os que formam a Civitas Dei, a Igreja Católica Apostólica Romana – contra os que servem o diabo, e que formam a Civitas Homini, a cidade do Homem, que são os Antropoteístas, os que, ao adorarem o Homem, na realidade, adoram o Diabo.
 
Deus dividiu a humanidade em duas “posteridades”: a da Mulher, e a da Serpente, a da Virgem e a de Lúcifer, a da Igreja Católica e a da Sinagoga de Satanás (Apoc II, 9), a dos seguidores da doutrina católica e a dos seguidores da Gnose. Entre os irmãos da Verdade e os irmãos da Mentira.
Duas Cidades se combatem na História, pois só “Dois amores construíram duas Cidades. O Amor de Deus até o desprezo de si mesmo, construiu a Cidade de Deus; enquanto o amor de si mesmo até o desprezo de Deus construiu a Cidade do Homem” (Santo Agostinho, Civitas Dei, XIV, 26).
Desde então, os homens ou adoraram a Deus ou adoraram a si mesmos.
Pois, como bem disse um sacerdote: “Que resta ao homem que encontra a Verdade, senão curvar-se diante dela? E quando ele nega a Verdade, o homem se faz senhor absoluto, não tendo que curvar-se ante mais nada. Então, o homem se faz Deus”.
Tudo isso foi exposto pelo Magistério da Igreja — nós só o repetimos — pela voz do Papa Leão XIII, em sua encíclica sobre a Maçonaria:
“1. O Gênero Humano, após sua miserável queda de Deus, o Criador e Doador dos dons celestes, ‘ela inveja do demônio’, separou-se em duas partes diferentes e opostas, das quais uma resolutamente luta pela verdade e virtude, e a outra por aquelas coisas que são contrárias à virtude e à verdade. Uma é o reino de Deus na terra, especificamente, a verdadeira Igreja de Jesus Cristo; e aqueles que desejam em seus corações estar unidos a ela, de modo a receber a salvação, devem necessariamente servir a Deus e Seu único Filho com toda a sua mente e com um desejo completo. A outra é o reino de Satanás, em cuja possessão e controle estão todos e quaisquer que sigam o exemplo fatal de seu líder e de nossos primeiros pais, aqueles que se recusam a obedecer à lei divina e eterna, e que têm muitos objetivos próprios em desprezo a Deus, e também muitos objetivos contra Deus” (Leão XIII, Humanum Genus, n.1).
Essa doutrina que vê na História a luta entre a Igreja e a Anti-Igreja sempre existiu na tradição Católica. Já na Didaché (90-100) se fala das duas vias: a da luz e a dos inimigos de Deus, a via das trevas.
“Há duas vias; uma da vida, outra da morte. Mas entre essas duas vias há uma grande diferença. O caminho da vida é o seguinte: antes de tudo, amarás a Deus que te criou. Depois, amarás o teu próximo como a ti mesmo. E aquilo que não queres que te seja feito, não o faças a outrem […] A via da morte é a seguinte: antes de tudo sabe que ela é má e cheia e maldição, assassinatos, adultérios, cobiças, fornicações, roubos, idolatria, magia envenenamentos, rapinas, falsos testemunhos, hipocrisia, duplicidade de coração, astúcia,orguho, malícia, arrogância, obcenidade de linguagem, ciúmes, insolência, altivez, exibicionimo, ausência de todo temor” (apud Le Sel de La Terre 11, p. 113).
Cabeça da Civitas Dei é Cristo, nosso Redentor.
Cabeça da Cidade do Homem é o diabo.

“Santo Agostinho trata dessa questão em outras obras. Por exemplo, no De Doctrina Christiana, 3, 37:
“A sétima e última regra de Tichonius se intitula: “Sobre o demônio e seu corpo”. O demônio é o chefe dos ímpios que formando, de algum modo, seu corpo, estão destinados a sofrer com ele o suplício do fogo eterno, do mesmo modo que Jesus Cristo é o chefe da Igreja, que é seu corpo chamado a reinar com Ele na glória sem fim. Ora, da mesma forma que segundo  a primeira regra : “Do senhor e de seu corpo”devemos descobrir,  no que é dito de uma mesma pessoa, o que convém à cabeça e o que se relaciona com o corpo, da mesma forma essa última  nos adverte que muitas vezes a Sagrada Esscritura atribui ao demônioo que se aplica mais diretamente a seu corpo, esse corpo formado não só de homens que estão manifestamente fora da Igreja, como também daqueles que, pertencendo já ao demônio, se acham entretanto misturados entre os eleitos, até o dia em que a peneira separará a palha do bom grão.” (Apud Dominicus,La Contre-Église- Petit Catéchisme sur la Contre-Église, la Gnose et le Complot, Nouvele édition, Décembre 2005, p.9, nota 1).
“Convém citar ainda Santo Hipólito (De Antechristo6) e São Gregório Magno (Moralia 34, 4) no qual o santo comentando o livro de Jó, 41, 14, opõe ao Corpo místico de Cristo e  à Igreja, o corpo dos maus formado por diversos membros fortemente unidos entre si, figurado pelo Leviathan, e que se chama “congregação réproba, a assembéia réprovada” (Apud Dominicus,La Contre-Église- Petit Catéchisme sur la Contre-Église, la Gnose et le Complot, Nouvele édition, Décembre 2005, p. 9, nota 1).
 
Na História, como disse o Papa São Leão Magno, há apenas uma luta: a da Igreja Católica contra a Anti-Igreja, a do Catolicismo contra o Antropoteísmo, a religião do Homem, que faz do homem Deus.
O que divide essas duas Cidades é o objeto de sua adoração: Deus ou o Homem.
O meio utilizado pela serpente para enganar o homem foi a afirmação de que o ser mente. Durante toda a História, o problema do conhecimento vai dividir a humanidade.
Os filhos da serpente afirmarão sempre, de vários modos, ou que o homem, através de sua razão natural, é capaz de ter um conhecimento absoluto da realidade – e esta é a posição do Panteísmo racionalista – ou que o homem é incapaz de atingir o conhecimento da realidade por via dos sentidos e da intelecção. O homem alcançaria  o conhecimento da realidade divina por meio de uma intuição supra racional, e esta é a posição da Gnose.
Panteísmo e Gnose divinizam o homem. O Panteísmo supervaloriza e diviniza a razão. A Gnose nega a razão. Essas duas pontas da língua bífida da serpente negam a razão e o conhecimento natural do homem, tal como Deus o fez.
No Antropoteísmo, religião do Homem, há, pois, duas vertentes dialeticamente opostas, mas iguais como gêmeas siamesas simetricamente contrárias: a vertente panteísta e a vertente gnóstica.
A tentação do Antropoteísmo
Vimos que a tentação de Adão foi o de pretender ser Deus, baseando-se na mentira dita pela Serpente de que o Ser mente. De que Deus mentira.
Após a queda original, todo homem, no fundo, tem essa mesma tentação.
Ela pode lhe advir de dois modos:
  1. Ou por amor intemperante dos bens materiais, causa original da tentação divinizadora sob a forma panteísta;
  2. Ou por ódio, pela não aceitação da limitação da contingência de seu ser, causa  original da tentação divinizadora sob a forma de Gnose. Esta levará o homem a não aceitar nenhum mal relativo. “Unde malum?”, é a pergunta inicial de toda Gnose.
Todo homem passa pela tentação – pelo delírio – de se julgar Deus.
Os homens mais sensuais se agarram aos prazeres materiais e desejam gozá-los indefinidamente. Daí se revoltarem contra a morte, contra a pobreza, contra a doença, assim como contra tudo que limite seu gozo. Estes caminham em direção ao Panteísmo.
Os homens mais orgulhosos que sensuais se revoltam contra a limitação de sua inteligência, assim como contra todas as limitações de seu ser. Estes caminham em direção à Gnose.
Panteístas e Gnósticos divinizam o homem.
Tanto sensuais como orgulhosos se perguntam: por que o limite de meu prazer e de minha vida? Por que o limite de meu saber e de minha existência?
Ambos vêem o limite de sua vida, de seu ser como um mal.
Por que o limite?
Por que sou limitado?
E todo limite passa a ser visto como mal.
Unde malum?
Essa é a grande questão que, mal solucionada, conduz os homens mais grosseiros ao Panteísmo, e os mais agudos à Gnose.
O que conduz o homem ao Panteísmo ou à Gnose é um posicionamento errado diante do problema do ser.
Por hedonismo, explorados pelo demônio, os homens sensuais divinizam seu corpo, e depois toda a natureza material, igualando o seu ser ao mundo e a Deus.
Os homens mais orgulhosos odeiam as limitações que lhe são impostas por seu corpo material e assumem então uma posição doutrinária que repudia toda a materialidade, que acusam de ser um calabouço para o espírito divino que existiria oculto no âmago do ser humano, espírito divino que teria caído na materialidade, no mundo. E essa é a posição da Gnose.
Portanto, uma primeira distinção a notar entre Panteísmo e Gnose, é que o Panteísmo diviniza a própria matéria, fazendo Deus igual ao mundo, isto é, afirmando que o mundo é a forma atual da Divindade.
Pelo contrário, a Gnose, em geral, condena a matéria, dizendo-a sepulcro ou calabouço do Espírito divino que nela teria caído.
Dissemos “em geral” porque seria preciso fazer uma distinção com relação à Cabala (a Gnose judaica), à Alquimia, e ao Romantismo, Gnose proveniente da Cabala e da Alquimia, através de Jacob Boheme e do Pietismo, que embora gnósticos, não condenam de modo absoluto a matéria.
A distinção entre Panteísmo e Gnose, muitas vezes, é desconhecida por historiadores da Filosofia que chegam a confundir uma posição com a outra. 
Poder-se-ia fazer um quadro geral desses posicionamentos, do seguinte modo.
Sendo o homem um ser composto de corpo animal e alma racional, a tentação de se fazer Deus ocorre de modo diverso, nos homens mais sensuais e nos homens mais orgulhosos. Claro que um homem sensual pode ser também orgulhoso, e que os orgulhosos podem também ser sensuais. Entretanto, há homens, nos quais prepondera claramente a sensualidade e outros em que o vício fundamental é o orgulho. Se um homem é mais sensual que orgulhoso, ele tenderá mais para o panteísmo. Se ele for mais orgulhoso, tenderá mais para a Gnose.
Para exemplificar, tomemos duas figuras históricas bem conhecidas: Danton e Robespierre.
Danton era um gigante pleno de energia, comilão, voluptuoso, violento e sensual. Não gostava de escrever. Era um orador nato, mas jamais escrevia seus discursos. “Danton n’écrit pas” – “Danton não escreve”-, dizia ele falando de si mesmo. Ele era uma erupção de paixão.
Robespierre, pelo contrário, escrevia. Escrevia, devagarzinho,  com letra miudinha de míope, seus discursos intermináveis, frios e enfadonhos. Mirabeau, outro vulcão de paixões sensuais, dizia que Robespierre escrevia com ópio em placas de chumbo, discursos pesados e adormecedores. Só com o Terror se lhe prestou atenção.
Robespierre se fez chamar de “Incorruptível”. E se julgou mesmo como tal.
Sem aspas.
Daí, foi um passo para se julgar o Messias da França e – por que não? – da Humanidade. Mais um passo, e pensou ser Deus.
Não se creia que estamos falando hiperbolicamente. As cartas que recebia e que o endeusavam, sua pureza rígida e puritana, o levaram à paranóia. Ele se julgou Deus mesmo.
Robespierre se opôs aos materialistas comunistas – os enragés – que decretaram o fim de toda religião, de toda a “superstição”, e que organizaram a festa da deusa Razão. Aliás, festa curiosíssima, realizada em Notre Dame de Paris, onde fizeram adorar a Razão Humana, representando-a por uma prostituta para qual cantaram os ateus o seguinte hino:
Nos altares de Maria
Colocamos a Liberdade (a prostituta).
O Messias da França
É a santa Igualdade”.
Que a Liberdade estava genuinamente simbolizada por uma prostituta, não há dúvida. Mas adorar a Razão humana na pessoa de uma meretriz era bem curioso. Pois era uma admiração ofensiva, era uma adoração que blasfemava da Razão no mesmo momento em que a adorava. Isso era bem mais do que curioso… Pois Lutero já afirmara, séculos antes, que a razão humana era uma meretriz louca. E o racionalista Descarte pusera tudo em dúvida – portanto, também a razão -, até mesmo a capacidade humana de conhecer a realidade.
Robespierre não compareceu à festa da deusa Razão. Ele acreditava numa Divindade. Afinal, ele, Robespierre, ele existia…
Robespierre, então, fez guilhotinar todos os adoradores da Razão, todos os materialistas. E organizou a festa do Ser Supremo, sósia de Robespierre.
O escultor Davi, bajulador famoso, e traidor de todos a que bajulava, esculpiu na estátua do Ser Supremo, o ídolo que ia ser adorado por todos os cidadãos republicanos, um rosto conhecido.
Adivinhe-se de quem?
O rosto do Incorruptível.
A cara de gato de Robespierre.
Os amigos do tirano fizeram que ele desistisse de receber essa homenagem facial, como se diz hoje, “politicamente incorreta”. Por ser demais “transparente”. Mas na hora em que todos os cidadãos  republicanos tiveram que se curvar, adorando o Ser Supremo, o Buda da República Francesa, Robespierre, se colocou, de pé, à frente do ídolo. Ele se fez adorar.
Meses depois, uma louca, Catherine Théot, velha já de 69 anos, declarou-se grávida do Messias. Ela ia dar à luz o Messias. E ele ia ser – de novo, adivinhem? – Maximilien Robespierre.
O próprio.
E o pior é que o próprio, quando soube da história, acreditou no delírio. Acreditou que ele ia nascer de novo. De Catherine Théot. E foi até visitar sua futura “mamãe”. Robespierre foi o único homem que pode visitar a própria mãe, antes de nascer.
O ato paranóico causou gargalhada geral, e a gargalhada venceu o Terror.
Tal é o poder do ridículo.
Robespierre foi guilhotinado, logo depois.
Morreu virgem, o Incorruptível.
  
O que nos importa, nesse caso histórico, é ver como reagem de modo diferente os homens sensuais e orgulhosos, ainda que tenham as mesmas idéias.
Um sensual extremo pode se julgar Deus, mas, como diz a Sagrada Escritura, terá por deus o próprio ventre.
Haverá sensuais que literalmente adorarão o sexo. Aderirão a místicas sexuais como o tantrismo, ao culto de Baco, ou de Vênus. Esse sensual divinizará seu corpo material e tenderá ao Panteísmo.
O orgulhoso odeia constatar que tem paixões sensuais que o agitam. Revoltar-se-á ao constatar que tem cólicas abdominais, ou dor de dentes, misérias comprovantes de sua contingência, de seus limites. Provas miseráveis de que ele não é Deus. Esse orgulhoso concluirá que, se ele é Deus mesmo, ele será um Deus aprisionado num corpo material miserável, cheio de misérias nojentas, e pleno de limitações. Ele se dirá Deus, sim, mas um Deus encarcerado num túmulo de podridão: o corpo humano. Dirá que nele habita uma centelha da Divindade que ele precisa libertar. Ele tenderá, pois, à Gnose. Se ele lesse a Gaudium et Spes (n. 3) no ponto em que nela se afirma que Deus colocou em todo homem uma semente da Divindade, ele aplaudiria a Gaudium et Spes. Tornar-se-ia um defesor do Vaticano II. Cum gaudium et cum spes.
Essa é a explicação das tendências naturais que podem levar ao Panteísmo ou à Gnose. Mas é evidente que a maioria dos homens não chega a esse ponto de assunção doutrinária explícita, que exige um aprofundamento teórico e intelectual mais sério. A adesão a uma posição panteísta ou gnóstica não exige, então, que haja necessariamente uma instrução sistemática dada  por um homem a outro, como ingenuamente pensam certos direitistas, que tendem a ver um conspirador escondido atrás de cada poste. Mas é claro que o modo mais comum e  normal de transmissão do Panteísmo e da Gnose é a instrução iniciática em seitas filosóficas ou religiosas. É preciso dizer ainda que esse ensinamento é, normalmente,  dado em graus, conforme a aptidão e as tendências dos que são convidados à iniciação. Daí, a variedade de ritos e de lojas iniciáticas. Normalmente, O Grande Oriente é racionalista e tendente ao Panteísmo, enquanto as lojas escocesas tendem mais para a Gnose. E é sintomático que o símbolo das lojas das duas vertentes – panteístas e gnósticas – seja a estrela de cinco pontas, símbolo transparente do corpo humano, tendo no centro o misterioso G que significa Gnose, a centelha divina no homem.
I – A vertente panteísta do Antropoteísmo
Os homens preponderantemente sensuais, elementos da vertente panteísta do Antropoteísmo, adoram a si mesmos, divinizando a matéria universal, toda a natureza, e, portanto, até o próprio corpo humano.
Nessa vertente dos homens sensuais que tendem ao panteísmo,  é preciso distinguir dois tipos diversos:  
  1. Os sensuais nos quais prepondera mais a vontade (o apetite animal) do que o intelecto, e  que se limitam a gozar a vida, fazendo literalmente Deus o seu próprio ventre, ou o sexo.
    Estes serão os materialistas grosseiros, sem nenhuma doutrina, que julgam absurdos os problemas religiosos e de alma.
  2. Os sensuais mais inteligentes, que valorizam a razão, e que procuram justificar o seu materialismo de modo filosófico. Na Antiguidade, eles seriam seguidores de Demócrito, ou de Epicuro. Nos tempos atuais, dizem-se marxistas.
Em todos estes, mais explicitamente nos materialistas filosóficos, o panteísmo emerge ainda que mal disfarçado.
O Panteísmo afirma que toda a matéria é eterna, infinita e onipotente. Dela, tudo teria provindo por evolução. Portanto, no fundo tudo seria igual. Por meio da evolução dialética, a matéria bruta teria dado origem à vida, e esta passaria necessariamente pela vida vegetal, depois pela animal, da qual viria a vida humana.
Com a vida humana, a evolução teria produzido a razão, por meio da qual o homem solucionaria, com o tempo, todos os problemas. Ciência e Técnica venceriam toda doença e até a morte, criando, no futuro, uma época de plena felicidade material, o Reino do Homem, a Utopia. Daí, a crença no Progresso contínuo, mito ersatz da Fé. O racionalismo é profunda e tolamente otimista.
A divinização da matéria acarreta a divinização da vida e da razão, assim como a divinização do sexo, transmissor da vida. Daí, a ecologia, culto pagão do Mundo, disfarçado em respeito pela natureza. O culto do deus Bios, ou da deusa Gaia, disfaçados em respeito “educado” pelo meio ambiente. Daí, o erotismo místico que nasce aos poucos, a princípio, disfarçada e timidamente, e depois, escancaradamente, como se vê, hoje em dia.
Do materialismo racionalista panteísta se passa, então, paulatinamente a um misticismo irracional de tipo gnóstico. Pois como disse Karl Popper o racionalismo “é uma fé irracional na razão” (Karl Popper, A Sociedade Aberta e seus Inimigos, Itatiaia-Edusp, Belo Horizonte-São Paulo, 1974, Vol.II, p. 238). O racionalismo é uma Fé. Uma religião. Disfarçada de ateísmo.
Esta vertente materialista da religião do homem considera que a própria matéria é divina, transferindo para a matéria as qualidades de Deus, e afirma então que a matéria sempre existiu, que ela é onipotente, eterna e infinita. Ela identifica Deus com o universo material e se apresenta, então, ou descaradamente como panteísta, ou, mascaradamente, como atéia ou deísta.
O panteísmo logicamente exige a evolução da matéria eterna e infinita. O ser seria unívoco. Não haveria analogia. Da matéria bruta se passaria, por evolução dialética, para o vegetal, depois para o animal, e, enfim, para o homem. A razão seria o ápice da evolução.
Não haveria mundo sobrenatural. Toda religião revelada e dogmática seria superstição. Todo clero seria enganador e propagador de fraudes. O Panteísmo racionalista é sempre anticlerical. Por essas razões, o Panteísmo é naturalista, racionalista, cientificista, tecnicista. Ciência e técnica criariam, no futuro, o mundo perfeito, vencendo a fome, a doença e até a morte. No futuro seria instaurada a Utopia da Igualdade e da Liberdade absolutas. Mais que o indivíduo, importaria o todo, a coletividade, a Humanidade. Tudo seria substituível como as peças de um mecanismo. E o universo seria uma grande máquina regida pelo Grande Arquiteto do Universo.
O Panteísmo é a versão mais grosseira da Gnose, elaborada para satisfazer os homens mais sensuais e mais brutalizados que têm por Deus o próprio ventre.
Como já dissemos, um deus com cólicas, ou com dor de dentes, é ridículo. Daí, outros, mais orgulhosos do que sensuais, consideram que o Homem seria divino por um espírito nele enclausurado. Daí, a segunda vertente do Antropoteísmo.
 
II – A Vertente Gnóstica do Antropoteísmo
Do Panteísmo materialista se passa, pouco a pouco, a um misticismo do sexo e da natureza.
Para aqueles que compreendem o ridículo do materialismo panteísta, se propicia o segredo da Gnose. Deus não é o mundo. Pelo contrário, o mundo material seria o calabouço, o sepulcro da Divindade que habitaria no mais recôndito de todas as coisas. Em todo ser, haveria, aprisionada, uma centelha, uma semente da Divindade.
Repetiram isso os hindus que chamavam essa partícula divina de Atman; os gregos que a denominavam Éon; os gnósticos antigos que a chamavam de Pneuma (espírito); Mestre Eckhart que chamava essa semente de Fünkenlein (chamazinha); Jacob Boehme que a denominava “Zentrum”.  Teilhard de Chardin, que a chamava de “consciência”. Curioso é que o fundador do Opus, Padre José Maria Escrivá dizia que, no homem, haveria uma “centelha da infinita inteligência” (Padre José Maria Escrivá, Amigos de Deus – Homilias, Quadrante, São Paulo, 1979, p. 25). E mais surpreendente ainda é que o Vaticano II, na  Constituição Gaudium et Spes, n. 3, afirme:
“Por isso, proclamando a vocação altíssima do homem e afirmando existir nele uma semente divina (…).” (Vaticano II, na Constituição Gaudium et Spes, n. 3).
Para a Gnose – religião do homem e religião do diabo – a Divindade fora aprisionada, na matéria pelo Demiurgo, Deus criador do mundo, que seria um deus mau, que escravizaria o homem impondo-lhe mandamentos e enganando-o pela racionalidade.
O homem, enganado por sua própria inteligência, conheceria e compreenderia as realidades no mundo criado e se alegraria com essa compreensão. O homem então passaria a amar essa gaiola de ouro do mundo onde o deus mau o encarcerou, por ser ela inteligível, e se julgara, então,  feliz por estar na gaiola dourada do mundo, nesse cárcere.
Assim como nos materialistas distinguimos dois tipos, da mesma forma podemos distinguir entre os que divinizam o espírito do homem dois tipos de misticismo:
  1. Os antropoteístas orgulhosos, mais ativos, nos quais prepondera a vontade sobre a intelecção;
  2. Os antropoteístas orgulhosos, nos quais prepondera mais o intelecto do que a vontade.
Nos primeiros, os mais voluntariosos que intelectuais, a ação seria mais importante que a doutrina. Eles aderem a um misticismo da ação, mais do que a um misticismo teórico. Exemplo desse tipo de gnosticismo pode ser encontrado no nazismo e nas correntes ativistas do fascismo. Típico é o brado de um fascitóide que declarou: “Quando ouço falar em intelecto eu puxo meu revólver”.
Mais profundo é o gnosticismo daqueles que buscam mais um teoria do que a simples ação.
Este segundo tipo de tendência orgulhosa, afirma a supremacia da intuição. Esses místicos são os mais tipicamente gnósticos. Exemplos desse tipo de Antropoteísmo são o de Mestre Eckhart, o do Idealismo alemão e o Romantismo de Novalis.
Desse modo, Panteísmo e Gnose, as duas vertentes do Antropoteísmo, recusam a verdade do ser contingente, criado pelo que chamam de Deus do mal.
Para o Panteísmo, se tudo evolui dialeticamente e constantemente, não há verdade estável. Marchar-se-ia inexoravelmente, pela evolução dialética, a um Reino igualitário, totalitário a estabelecer-se necessariamente no futuro: a Utopia comunista.
Para a Gnose, também, tudo evolui, de tal modo que nem haveria ser, apenas fluxo. Tudo seria ilusão. O Nada. Portanto, não há verdade e nem bem. Todo ser engana e mente.
A Gnose é dialética, evolucionista, antirracional, intuitiva, imagina o universo como um grande organismo vivo. Ela não visa à utopia, no futuro, mas pretende, de modo mágico, retornar à divindade de onde tudo teria emanado, fazendo a restauração da felicidade primeva. Ela, mais quer restaurar a vida no Éden, pretende restaurar a divindade do homem. Ela é milenarista.
Enquanto o Panteísmo contempla a utopia, no futuro, a Gnose, deseja o retorno ao paraíso perdido no passado. E sonha com o milenarismo nivelador igualitário e monista, mas niilista, graças a um retorno mágico ao passado para a Divindade Vazia. Para o Não Ser absoluto.
Gnose e Panteísmo são como as duas pontas da língua da serpente. O Panteísmo pretende divinizar a força da matéria. A Gnose pretende divinizar o espírito, aceitando a mentira astuta e maliciosa da serpente, advogada da liberdade humana. Por isso, na Idade Média, se representava Cristo ensinante, pisando um leão, símbolo do Panteísmo, e uma serpente, um dragão, símbolo da Gnose.
 
A Maldição de Adão e o Pai Nosso
E, depois de amaldiçoar Eva, Deus amaldiçoou Adão por causa de seu pecado, dizendo-lhe:
“Porque deste ouvido a tua mulher, e comeste da árvore de que Eu te tinha ordenado que não comesses, a terra será maldita por tua causa; tirarás dela o sustento com trabalhos penosos todos os dias de tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da terra. Comerás o pão com o suor de teu rosto, até que voltes à terra de que foste tomado; porque tu és pó, e em pó te hás de tornar” (Gn 3,17-20).
Há uma curiosa relação entre o pecado original, a maldição de Adão e o Pai Nosso.
Porque Adão aceitou a mentira da serpente acusando Deus de ter enganado o homem, blasfemando que Deus mentiu, Adão pretendeu alcançar a divinização por meios naturais e diabólicos, aceitando o imanentismo.
E que resta ao homem a quem foi dita a Verdade, e que a conheceu e compreendeu, senão curvar-se diante dela? Se o homem nega a verdade, ele se proclama Senhor absoluto de tudo, não tendo que submeter-se a nada. O homem se faz Deus.
Foi o que fez Adão.
Contra esse pecado do homem, Cristo nos ensinou a dizer, na oração do Pai Nosso, desde o início, que reconhecemos a Deus por Pai, Santo e Transcendente, dizendo:
           “Pai Nosso, que estais no céu”. Isto é, que  Deus não é imanente a este mundo, mas absolutamente transcendente a ele.
“Santificado seja o vosso nome”. Isto é, que damos glória e honra a Deus nosso Criador e nosso Pai, e dizemos que seu nome, sua natureza, é absolutamente santa, sem mistura com os seres criados. Natureza absolutamente transcendente e boníssima.
Dizemos isso para compensar a blasfêmia implícita no pecado original de Adão de que Deus mentiu, negando sua infinita Sabedoria, seu Verbo, fonte de toda a verdade. O Verbo. Lumen de Lumine. A Verdade. O Verbo encarnado, Jesus Cristo, o Profeta por antonomásia.
“Venha a nós o vosso Reino”
Adão quis ser Rei absoluto e se rebelou contra Deus, Senhor e Rei por excelência.
Por essas palavras da oração dominical, reconhecemos que, além de criaturas e de filhos adotivos de Deus, feitos também reis da criação, somos, contudo, seus vassalos. E que, sendo vassalos, temos apenas o uso de todas as coisas, e não a propriedade absoluta delas, para fazer delas o que quisermos.  Como reis-vassalos, temos só o uso dos bens que Deus colocou a nossa disposição, temos o uso de um reino, mas deveremos dar conta do uso que fazemos de nosso poder e de nosso reino feudal, a Deus, Senhor Eminente de todas as coisas e de nós mesmos. Seremos julgados por Deus, pelo modo como gerirmos nosso reino feudal. E é exatamente isso que Cristo nos ensinou na parábola dos talentos que um rei dá a seus servos.
“Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu”.
Dizemos isso, para reconhecer a santidade absoluta de Deus Espírito Santo do qual procede todo bem, pelo qual devemos renunciar e sacrificar a nossa própria vontade, exercendo um sacerdócio que nos leva a sacrificar-nos por Deus.
Deus nos castigou dizendo-nos que ganharíamos o pão como suor de nosso rosto. Entretanto, mesmo trabalhando e suando para ter o pão, o alimento, a vida, deveríamos reconhecer que esse pão, esse alimento que nos mantém a vida, só o teremos se Deus nô-lo der. Não temos garantido o pão, mesmo com nosso trabalho e nosso suor. Trabalhamos a terra e suamos, mas quem faz frutificar nosso trabalho é Deus, a quem devemos pedir humildemente que conceda a recompensa a nosso suado esforço. Mais do que produto da terra e do trabalho do homem, o pão nosso de cada dia é dado por Deus. Pois sem Deus a terra nada produz e o trabalho do homem é inútil. Sem Deus nada podemos fazer
Por isso, Ele nos ensinou a rezar: “O Pão nosso de cada dia dai-nos hoje”.
Depois, Cristo nos ensinou a pedir ajuda contra as três fontes do mal: o demônio, o mundo (os demais homens que nos tentam), e a carne (nossa própria natureza).
Por isso, inicialmente pedimos a Deus perdão por sermos fonte de tentação para os outros, e pedimos que Deus perdoe os demais seres humanos que nos tentaram, para pecarmos.
Eis a razão porque dizemos: “Perdoai as nossas dívidas, assim como perdoamos os nossos devedores”.
Depois, pedimos que Deus não nos deixe cair na tentação que nasce de nós mesmos, de nossa natureza decaída, de nossa carne, dizendo e pedindo: “Não nos deixeis cair em tentação”.
Finalmente, rogamos que Deus nos livre da escravidão do demônio dizendo e suplicando: “Mas livrai-nos do mal. Amém”.
Livrai-nos do mal do pecado de pretendermos divinizar nossa carne ou de divinizar nosso eu. Livrai-nos da blasfêmia do Antropoteísmo. Livrai-nos do pecado de recusar a verdade que Deus bondosamente colocou a nosso alcance através dos sentidos e da abstração feita por nosso intelecto. Livrai-nos da mentira. Livrai-nos de servir a serpente. De sermos filhos do diabo por meio do Panteísmo e da Gnose. Livre-nos o Pai de Misericórdia do Antropoteísmo, e que Ele nos faça filhos de Deus, e da Virgem Maria.
 
A  Batalha entre os filhos da Serpente e os filhos da Mulher na História
Essa batalha teve início, após a expulsão do paraíso terrestre, com o assassinato do justo Abel.
Caim (Haim) significa vida e Abel significa filho de Deus, que é a Vida. Caim é a vida natural, Abel participava da Vida divina. Um é filho da terra. O outro é filho de Deus. E os filhos da terra odeiam os filhos de Deus.
A causa do ódio entre os dois foi a maneira de ofertar o sacrifício. Abel oferecia as melhores ovelhas de seu rebanho, para reconhecer que de Deus vinha todo o bem.
Está escrito que Caim oferecia a Deus “os frutos da terra” (“e do trabalho do homem”, como se diz, hoje, na Missa Nova de Paulo VI). Mas não está dito que oferecia os melhores frutos. Por isso, Deus preferiu o sacrifício de Abel. O que causou o primeiro homicídio, como dissemos, foi uma questão “litúrgica”. E não é sem razão que, na Missa, se une o sacrifício de Cristo ao sacrifício do “justo Abel”.
E Caim matou Abel.
Ao matar seu irmão Abel, foi ele o primeiro seguidor da serpente.
São Beda, o Venerável, afirma que a Cidade dos Maus foi fundada por Caim no sangue de seu irmão Abel. Essa Cidade dos Maus forma um corpo do qual o Anticristo seria a cabeça. Diz São Beda: “Há duas Cidades no mundo: uma vem do abismo, a outra vem desce do céu” (Ps 93,85).
Desde os tempos de Caim até a vinda de Cristo, toda a humanidade jazeu sob a tirania da antiga serpente, adorando os ídolos, isto é, como diz o Salmo  XCV, 5, os demônios, figurativos dos vícios humanos e símbolos do naturalismo.
Na Antiguidade pagã, havia em toda parte duas religiões: a adoração panteísta, e por trás dela, ocultamente, a Gnose dos mais altos iniciados. É o que ensina o Padre Festugière falando do paganismo greco-romano (Cfr. R. P. Festugière, La Revélation d´ Hermès Trismegiste, Vrin, Paris, 4 vol.).
Por isso, quando da terceira tentação de Cristo no deserto, o demônio mostrou-Lhe todos os povos da terra, dizendo; “Tudo isso é meu e tudo te darei, se prostrado me adorares”, Jesus não negou que o demônio fosse o dono de todos os reinos então existentes, porque, de fato, todos os reinos estavam em poder do príncipe deste mundo. Era a Cidade do Homem triunfante e regida pelo demônio.
Cristo não aceitou das mãos do Diabo os reinos que, como Deus, lhe pertenciam de fato e que Satan lhe roubara. Ele venceu o demônio com sua morte na Cruz, reconquistando o homem e o mundo, que eram seus.
Com a morte de Cristo no Calvário, o homem foi redimido e o Reino de Deus começou de novo a existir, por meio da Igreja. Com a morte de Jesus na Cruz, o demônio foi vencido e começava a ser construída solidamente a Civitas Dei.
Ela teve como fundamento a Verdade revelada por Cristo e o sangue vertido por Cristo no Calvário. A Cidade de Deus foi combatida incessantemente na Historia, ora pela violência – pelo leão panteísta—ora pela astúcia da heresia suscitada pela serpente. Violência e heresia se sucedem na História, atacando a Igreja Católica.
Logo depois do Calvário, supremo ato de violência deícida cometida pelo fermento fariseu – pela doutrina secreta do farisaísmo, a Gnose cabalista que os fizera mudar os mandamentos  de Deus – começaram as perseguições na arena romana. O sangue dos mártires foi semente de cristãos. Em 313, o edito de Constantino livrou a Igreja da violência romana. Imediatamente nasceram as grandes heresias cristológicas: o arianismo (317), o nestorianismo, o eutiquismo, a iconoclastia, para citar algumas heresias orientais.
Vencida estas pelos grandes Padres da Igreja e pelos grandes Concílios, recomeçou a perseguição violenta à Igreja Católica, através do maometismo, nascido da pregação de um rabino, em Meca. As cruzadas puseram um dique à expansão islâmica. Surgiu então a gnose cátara que quase destruiu a Cristandade. Simão de Montfort e a Santa Inquisição salvaram a Igreja, a civilização, e a própria humanidade, como reconheceu o historiador protestante Lea.
A Gnose se refugiou no Trovadorismo e no Humanismo.
A Cidade de Deus alcança seu apogeu na Idade Média, no século XIII. Foi nessa época histórica que o homem alcançou o equilíbrio tetraédrico, alcançou a mais alta sabedoria com base na Metafísica escolástica de São Tomás de Aquino.
Desgraçadamente, num mesmo ano, em 1274, a Igreja perdeu São Tomás e São Boaventura.
Com Duns Scoto – declarou-o Bento XVI em sua aula magistral de Regensburg – com Duns Scoto a Catedral do Saber medieval, a Escolástica, começou a ser destruída. Esse filósofo franciscano defendeu a univocidade do ser, e destruiu a analogia escolástica. Ele fez triunfar o voluntarismo independente do intelecto.
De Duns Scoto nasceram a Gnose do perverso dominicano Mestre Eckhart, e o Panteísmo do perverso franciscano Frei Guilherme de Ockham, dos quais vai nascer a Modernidade.
Esse dois hereges naturalistas perverteram a Verdade católica.
Perverteram… Isto é, colocaram a verdade em seu versum, em seu avesso.
Desde então, como confessou Hegel, nasceu a Filosofia como a “ciência que coloca o mundo às avessas” (Cfr. Apud Martin Heidegger, Que é Metafísica?, Ed. Livraria Duas Cidades,1969, p. 21).  
Colocar o Mundo às avessas. Fazer da Verdade, mentira. Do bem, mal. Fazer a criatura ser Deus. Identificar Deus o Eu e o Mundo. Inverter o tetraedro. Negar o intelecto e o conhecimento racional. Instaurar a dialética gnóstica, que afirma a identidade dos contrários. A mentira como verdade. O diabo como Deus.
Repetiu-se o pecado de Adão.
Repetiu-se o pecado antimetafísico.
E foi desse pecado antimetafísico, que nasceu a Modernidade. 
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