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Dominus Iesus – parte I

Orlando Fedeli

 

DOMINUS IESUS I: VIVA! VIVA O PAPA!

 

 

 Introdução: A fúria dos modernistas e a fidelidade dos católicos


O Vaticano acaba de publicar dois documentos, através da Congregação para a Doutrina da Fé, que certamente terão profunda repercussão na História da Igreja.

São eles a Declaração Dominus Jesus, sobre a Unicidade e a Universalidade salvífica de Jesus Cristo e da Igreja, e uma Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre alguns aspectos da Igreja entendida como comunhão.

Esses dois documentos representam uma mudança de tom, e, por isso, até mesmo de orientação, com relação à Eclesiologia e ao Ecumenismo, assim como com relação a muito do que se tem dito e feito nesta matéria.

A mudança – apesar de realizada de modo hesitante, com exposições que procuram defender fórmulas ambíguas – que tanto mal trouxeram à Igreja – é um basta doutrinário a inúmeras teses teológicas triunfantes com base na interpretação dos documentos do Concílio Vaticano II.

Dissemos que a mudança foi feita de modo hesitante.

Expliquemo-nos.

Os Documentos do Concílio Vaticano II foram escritos propositadamente de modo ambíguo. A escusa era que se buscava, com uma linguagem “diplomática” (leia-se ambígua), evitar divisões, obter uma quase unanimidade triunfal, ao mesmo tempo em que se afirmava querer acabar com o triunfalismo da Igreja.

Essa ambigüidade era um método malicioso usado para introduzir falsas doutrinas na Igreja. O famoso consultor do Concílio Vaticano II, o padre Edward Schillebeecks – um dos campeões do Modernismo – declarou sem o menor pudor, por escrito, para quem quisesse entender:

“Nós o exprimimos de um modo diplomático, mas depois do Concílio nós tiraremos as conseqüências implícitas” (Schillebeecks à revista De Bazuin, n. 16, 1965 e traduzida em Itinéraires, n. 155, 1971,p.40 Apud Romano Amerio, Jota Unum, Ricardo Ricciardi editori, Milano – Napoli, 1985, p. 93).

Comentando essa frase de Schillebeecks, disse Romano Amerio:

“É um estilo diplomático, isto é, em toda a força da palavra, duplo, na qual a letra vem formada tendo em vista a hermenêutica, renunciando à ordem natural do pensamento e do escrever” (R. Amerio, op. cit. P. 93).

Foi esta ambigüidade maliciosa que causou tantas divisões entre os católicos após o Concílio Vaticano II. Alguns procuravam defender a ortodoxia do Concílio fazendo uma leitura segundo a letra dos textos, enquanto outros propugnavam uma leitura de acordo com o “espírito do Concílio”.

Os documentos agora publicados pela Congregação para a Doutrina da Fé dão uma interpretação ortodoxa – dirão os modernistas, reacionária e integrista – dos textos do Vaticano II, condenando a interpretação segundo o “espírito do Concílio”.

E essa condenação é que vai produzir – e já começou a produzir – um terremoto.

Entretanto, embora condenando as interpretações modernistas e liberais, o documento assinado pelo Cardeal Ratzinger confirma os textos do Concílio, sem nunca condenar a sua ambiguidade.

Disso resulta uma certa contradição entre a condenação dos erros e os textos citados do Concílio Vaticano II e de outros textos posteriores, alguns dos quais mantém o tom e o espírito ambíguo agora condenado. O documento executa assim um recuo ziguezagueante com relação à política ecumênica em vigor há 30 anos.

Causa também perplexidade que o documento assinado por Ratzinger, com a aprovação do Sumo Pontífice, não faça sequer menção ao fato de que os erros condenados foram defendidos pelo próprio Ratzinger, em livros publicados, como também ao fato de que eles foram a base de toda a política ecumênica adotada pelo Vaticano, por Paulo VI, e, muito fortemente, pelo próprio Papa João Paulo II.

A Declaração Dominus Iesus condena teses e atitudes que foram praticadas normalmente nos últimos 30 anos. E que continuam a ser praticadas.

Por isso, ela representa uma mudança. Embora hesitante, ziguezagueante, quase cambaleante, faz-se uma mudança, como que a contragosto. Mas mudança que é, de fato, um recuo.

O assim dito “Arcebispo” de Canterbury, George Carey, declarou que “o texto [do Vaticano] parece ignorar mais de três décadas de diálogo ecumênico” O Estado de São Paulo, 6-IX- 2000) (Mas que ótimo efeito!).

Conforme noticiou a Folha de São Paulo (6-IX-2000), George Carey disse que a declaração do Vaticano não leva em conta “a compreensão mais profunda que se desenvolveu nos últimos 30 anos por meio de um diálogo e de uma cooperação ecumênica”.

Para o Presidente da Federação Protestante da França, “pastor” Jean Arnold de Clermont, o documento do Vaticano era uma “triste surpresa” (O Estado de São Paulo, data citada). (Mas que alegria!).

E a Folha de São Paulo reproduz ainda as seguintes declarações desse “pastor”: “Eu estou estupefato de ler um texto assim hoje, exatamente neste ano do Jubileu, ou seja, um ano de comemoração para todos os cristãos, enquanto nós esperávamos de Roma outra coisa no plano ecumênico”.

Para o Presidente do Conselho da Igreja Evangélica Alemã, “reverendo” Manfred Kock, o documento Dominus Iesus “foi um revés”. (Mas então, que excelente vitória!).

O “Pastor” luterano Ervino Schmidt, secretário executivo do Conic – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – disse que o documento assinado por Ratzinger com a aprovação do Papa João Paulo II, foi “um enorme passo para trás. É doloroso ouvir um representante do Papa dizer que as igrejas nascidas da Reforma não são igrejas”. (Mas que coisa boa de se ouvir!).

Da CNBB – que organizou este ano uma Campanha da Fraternidade Ecumênica – veio, por enquanto, uma declaração do Cardeal Aloisio Lorscheider, dizendo que lera apenas parte do documento do Vaticano, mas, pelo que lera, nada havia de novo.

Ele terá uma grossa decepção, quando terminar a leitura…

Que lhe faça bem!

Outro membro da ecumênica família Lorscheider – Dom Ivo – ousou ir bem mais longe: assinou um pronunciamento conjuntamente com luteranos, reclamando da nova Declaração do antigo Santo Ofício.

Escreveu Dom Ivo com seus amigos luteranos:

“A Declaração Dominus Iesus, levada a público neste mês de setembro de 2000 pela Congregação para a Doutrina da Fé da Cúria Romana, surpreendeu a cristandade. Periga fechar portas que haviam sido abertas por esforço ecumênico nas décadas passadas. Provocou de imediato reações de forte irritação, acarretando a ameaça de redundar em novas polarizações religiosas e de reacender antigas rivalidades.”

“Ainda faltam estudos referentes aos motivos da declaração e seus reais propósitos. Pretende alertar para o risco do relativismo e da diluição da verdade de fé. Falta, entretanto, o espírito da abertura ecumênica tão em evidência nos documentos do Concílio Vaticano II, na Encíclica Papal Ut umum sint, da Declaração Conjunta sobre a Justificação por ‘Graça e Fé’ e outros. Referências aos textos do Concílio são isoladas do seu contexto original. E resultados de aproximação da Igreja, são ignorados.”

(Pronunciamento do Seminário Bilateral Nacional Católico–Romano/Evangélico-Luterano, reunido em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, em 7 e 8 de setembro de 2000 – Referente à declaração Dominus Iesus da Congregação para a Doutrina da Fé da Igreja Católica Romana. Assinado: Dom Ivo Lorscheider e mais um luterano).

Agora a CNBB acaba de publicar uma Nota oficial, assinada por seu Presidente, Dom Jayme Che mello, e por seu Secretário Geral, Dom Raymundo Damasceno de Assis (28- IX- 2000), na qual se lê que “Considera também que suas igrejas de forma alguma são destituídas de significação e importância no mistério da salvação” (Cf. UR). Ora, esta frase vai diretamente contra o que o Papa mandou que se publicasse na Dominus Iesus, onde se afirma que as comunidades cristãs que não têm sucessão apostólica, nem eucaristia, não são igrejas.

Mais ainda, a Nota da CNBB, assinada por seu Presidente e por seu Secretário Geral, declara – contra o desejo e contra a doutrina da Dominus Iesus que:

“Reafirma também os compromissos assumidos com as igrejas parceiras nos organismos ecumênicos CONIC e CESE, para cuja constituição contribuiu como membro fundador. De acordo com os estatutos solenemente assinados, garante a todos os irmãos e irmãs que continuará a sentar-se à mesa do diálogo “de igual para igual”, na busca comum da verdade e no serviço à humanidade.”

Note-se que a CNBB diz que está “na busca da verdade” enquanto a Dominus Iesus reafirma que a Igreja Católica possui a verdade. Mais ainda, a CNBB se declara ” a serviço da humanidade” e não da Igreja.

A Maçonaria também se diz em busca da verdade e a serviço da humanidade…

O Cardeal Martini, de Milão – principal candidato à sucessão de João Paulo II – fez uma declaração dando uma interpretação da Dominus Iesus em tom totalmente relativista e favorável ao indiferentismo.

Em entrevista coletiva ao publicar sua última Carta Pastoral, o Cardeal Martini respondeu a um jornalista que lhe indagava sobre a Dominus Iesus:

“O documento [de Ratzinger] diz claramente que a salvação é possível para todos, fora de qualquer Igreja, graças a uma Religião, mas pelo fato de quem vive com amor, é capaz de perdoar, de sacrificar-se pelos outros e abrir-se aos horizontes éticos que têm a sua última motivação em Jesus Cristo. Quem vive essas atitudes, mesmo sem sabê-lo está já ligado a Jesus Cristo”

Seria possível fazer tal interpretação da Dominus Iesus?

Parece-nos que ela é desfocante, pois que contraria as várias verdades de fé definidas no documento com obrigação de assentimento de todos os fiéis e membros da Hierarquia, e pelas quais se condena explicitamente o relativismo e várias atitudes e teses do ecumenismo, tal qual foi e é praticado até agora.

O Cardeal Martini consegue fazer isso, porque enfoca mais as citações do documento – que não obrigam sob fé – do que as verdades de fé definidas e os erros condenados.

Se o Cardeal Martini pode dizer que assim entendeu a Dominus Iesus é porque, infelizmente, embora o último sentido desta Declaração seja antirrelativista, suas citações mantêm uma ambiguidade que pode levar o papável Martini a ousar contrariar o primeiro sentido óbvio do documento do Vaticano.

Em todo o caso, a resposta de Martini o coloca nos antípodas de Ratzinger. Pelo menos oficialmente. Seriam eles então dois polos do próximo Conclave?

O Cardeal Edward Cassidy, que é Presidente do Pontifício Conselho para a Unidade Cristã, fez pronunciamento ainda mais abruto contra a Dominus Iesus.

Disse ele que a Dominus Iesus teria outra apresentação, se tivesse sido feita pelo órgão que ele preside. Acrescentou que a Declaração da Sagrada Congregação da Doutrina da Fé “não era endereçada para o mundo ecumênico”, e sim para “O mundo acadêmico”, visando certos teólogos católicos asiáticos, e que foi “editada por professores em linguagem escolástica”

Falando ao jornal Il Messagero, Cassidy afirmou que “os que têm ouvidos mais afinados aos matizes do diálogo” teriam produzido outro tipo de documento. Do modo como foi feito, notou o Cardeal Cassidy, Dominus Iesus provocou reações negativas em alguns participantes do diálogo ecumênico.

Como se vê, o Cardeal Cassidy, chamando a Dominus Iesus de documento de linguagem escolástica, tenta desvalorizá-la, visto como o adjetivo escolástico é pejorativo para os modernistas.

Leitura oposta à de Martini, e bem mais próxima da de Cassidy, foi assumida pelo articulista Gilles Lapouge que, com azedume, diz que o documento do “cardeal alemão Joseph Ratzinger” é um “panfleto”. E desolado afirma:

“Resultado: todos os teólogos asiáticos ou africanos que se dedicam a conciliar o cristianismo com conhecimentos locais (hinduísmo, budismo, paganismo…) perdem seu tempo”. (Afinal! Descobriram o óbvio!) (In O Estado de São Paulo, art. cit.).

E Gilles Lapouge conclui seu artigo dizendo que “o clã dos homens negros dos fundamentalistas reúne suas legiões para o combate da sucessão [ao trono papal] (Cfr. artigo de Gilles Lapouge in O Estado de São Paulo, 6 de setembro de 2.000).

Foi só o Cardeal Ratzinger ter publicado, com aprovação do Papa, um texto contrariando o atual ecumenismo relativista, que os anticlericais já falam de clã negro e de fundamentalismo… Lapouge ressuscita os slogans e as metáforas do maçonismo anticlerical do fim do século passado.

Mas quando os inimigos de Deus e da Igreja se enfurecem, os católicos verdadeiros devem exultar!

Na Folha de São Paulo (11- IX- 2000), veio a lume um artigo furioso de Roberto Romano, apresentado como filósofo e professor de ética e filosofia política da Unicamp, atacando a Declaração Dominus Iesus.

Em nome e em defesa da tolerância, Roberto Romano demonstra que não tolera um posicionamento que não seja ecumênico. Já no título do artigo, R. Romano demonstra uma fúria que o faz extrapolar de toda objetividade: “Os mestres da verdade e o neonazismo”.

Ratzinger seria neonazista (sic!!!) por ter proclamado que “a Igreja de Cristo é a Igreja Católica” Dominus Iesus, n. 16), e que, sendo um só o Salvador Cristo, e um só o seu Corpo Místico, há só uma e verdadeira Igreja de Cristo”(Cfr. Dominus Iesus, n. 16).

O que tem a ver esse dogma da Igreja com o neonazismo, só o ilustre professor sonhou.

Diz R. Romano: que a Dominus Iesus “estarreceu os cristãos (…) decretando o fim das árduas tentativas do Concílio Vaticano II”.

E relembra ele as “fogueiras ardendo em nome do amor”, certamente aludindo à Inquisição, fogueiras que ele coloca nos séculos XVI e XVII. E logo depois de citar o nome de Ratzinger, ele fala em “grande Inquisidor”…

Enfim, um artigo escrito com “amor” e “tolerância”… Embora sem lógica. Pois contraditoriamente, faz o que condena: é dogmático e intolerante.

Romano é dogmático sem ser Papa. A menos que Cristo tenha dado o poder das Chaves ao ilustre Professor de Ética da Unicamp. Mas, se isto ocorreu, deve ter sido em algum apócrifo. Ou em sonho.

Há pequenos inquisidores no tolerante século XX. Nos jornais e nas cátedras de Filosofia e Ética.

Resumindo.

A Declaração publicada pela Congregação da Doutrina da Fé foi um avanço na linha do ecumenismo?

Ficou tudo na mesma?

Ou foi um recuo?

Os inimigos da Igreja Católica, de modo geral, reconhecem que a nova Declaração do Vaticano foi um recuo com relação à política do ecumenismo, tal como vinha sendo praticado e defendido.

Se assim é, nos alegramos. E – evidentemente! – damos nossa adesão total às verdades de fé definidas na Dominus Iesus, assim como ao Sumo Pontífice da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, rogando a Deus que faça a nave da Igreja voltar ao porto antigo, como profetizou Dom Bosco.