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Em Portugal se Conservará sempre o Dogma da Fé

Marcelo Andrade

 

“EM PORTUGAL SE CONSERVARÁ SEMPRE O DOGMA DA FÉ”

 

Fig1 Naus da Ordem de Cristo: a fé era o mote das navegações

 

 

1- INTRODUÇÃO

No ano de 2017, as aparições de Nossa Senhora de Fátima, talvez a mais impressionante de toda a história, fizeram 100 anos. Por causa desta efeméride, aumentou o interesse de muitas pessoas sobre os famosíssimos segredos.

Ainda que o nosso entendimento seja apenas de forma incompleta e parcial, pois o véu que cobre os mistérios proféticos só é descortinado após os acontecimentos futuros se tornarem presentes, tentaremos, neste pequeno estudo, entender as razões porque Portugal apareceu na seguinte frase enigmática, presente numa quarta redação da mensagem de Fátima, a “quarta memória”, na qual, a irmã Lúcia, a vidente mais velha, escreveu:

“Em Portugal se conservará sempre o dogma da fé etc.”

Imagem do texto original[1]:

 

 

Podemos elencar as seguintes características desta expressão:

1) Significa que o “dogma da fé” não se conservará em outras plagas;

2) Portugal continuará a existir;

3) A expressão dá a entender que havia, há e haverá o “dogma da fé” em Portugal, para sempre;

4) Não existe “dogma da fé”, existem a fé (que contém dogmas) e os dogmas. As palavras não foram usadas em sentido próprio.

Se a expressão “em Portugal se conservará sempre o dogma da fé” não faz muito sentido teológico, faz muito sentido histórico, dada a gesta singular de Portugal.

Mas, é claro que a história de Portugal não está desprovida de erros. Muitas heresias percorreram as épocas lusitanas, pari passu com o resto da Europa, a título de exemplo: o catarismo na época de Dom Dinis, o Iluminismo na época de Pombal, o Liberalismo do séc. XIX e o modernismo no séc. XX. Sem esquecer a grande heresia lusa: o sebastianismo.

Apesar destes erros, Portugal foi uma grande nação missionária, a qual esteve ligada umbilicalmente à Igreja Católica. Assim como Israel não perdeu o posto quando traiu Deus no Antigo Testamento, Portugal não perdeu o posto com seus erros.

Na sequência, apresentaremos os grandes momentos de Portugal e o seu forte simbolismo, nos quais exsurgirá com clareza a singularidade lusitana e o forte vínculo com a fé, que era como um dogma em Portugal.

Sobre a fé em terras lusas, disse Pio XII, na Saeculo exeunte Octavo:

Tal fé católica, tendo sido, de certo modo, a linfa vital, que alimentou a nação portuguesa desde seu nascimento, assim foi senão a única, certamente a principal fonte de energia, que elevou a vossa pátria ao apogeu da sua glória de nação civil e nação missionária, “expandindo a fé e o império”. Refere-o a história e os fatos o atestam. (…)

Onde Portugal encontrou forças para acolher sob seu domínio tantos territórios da África e da Ásia, para estendê-lo até às mais distantes terras americanas? Onde, senão naquela ardente fé do povo português, cantada por seu maior poeta, e na sabedoria cristã dos seus governantes, que fizeram de Portugal um dócil e precioso instrumento nas mãos da Providência, para a atuação de obras tão grandiosas e benéficas? [2]

 

2- A GESTA

Fig.2 Santuário de Covadonga

 

 

Portugal e Espanha foram forjados ao longo da guerra mais longeva da História: a Reconquista, que durou desde 722 até 1492. Portugal foi fundado no ano de 1139 e a Espanha, como união de Castela com Aragão, em 1488. Foram quase oito séculos de lutas para expulsar os mouros da Península Ibérica.

Os mouros, que eram uma reunião de povos islâmicos, invadiram o então reino católico dos visigodos, em 711, que dominava toda a Península Ibérica. Os invasores conquistaram praticamente toda a região, massacraram muitos católicos e impuseram por lá um regime islâmico.

A resistência católica se resumia a uma pequena localidade na região de Astúrias, no norte da Península. E de lá, iniciaram a Reconquista, o marco inicial dela foi a batalha de Covadonga, em 722, na qual por intervenção de Nossa Senhora, o exército liderado por Pelayo derrotou os mouros.

Antes do início desta batalha, houve uma conversa entre Pelayo e um bispo traidor, Oppas, que era aliado dos mouros e que tentava negociar a paz com os católicos que ainda resistiam. Foi um diálogo interessante e profético, no qual, Pelayo não aceitou a paz proposta e anunciou que ia resistir. Destacamos esta parte da conversa:

Oppas: “Os mouros são muito mais poderosos, como poderá detê-los do alto deste monte? Escuta meu conselho, faça um acordo e gozará de muitos bens e da amizade deles”.

Pelayo responde: “Não leste na Sagrada Escritura que a Igreja de Cristo chegará a ser como um grão de mostarda e que voltará a crescer pela misericórdia de Deus?”.

Ora, está escrito na Sagrada Escritura:

“Ele (Cristo) respondeu: Se vocês tiverem fé do tamanho de uma semente de mostarda, poderão dizer a esta amoreira: “Arranque-se e plante-se no mar”, e ela lhes obedecerá” (Lc 16,6).

Ilustrados reis portugueses formaram uma floresta na região de Leiria (curiosamente perto de Fátima). Séculos depois, estas árvores foram derrubadas para se fazerem navios.

Não foi algo parecido com a parábola evangélica o que Portugal (e a Espanha) fez? Ele não arrancou as árvores para fazer barcos e não se lançou ao mar para converter os pagãos?

Por fim, o padroeiro da Reconquista foi Santiago Maior, que em aparições miraculosas, lutou algumas vezes ao lado dos católicos, daí o nome: Santiago Matamoros. Uma ordem militar religiosa foi formada tendo seu nome. E o grito de guerra mais popular da Reconquista era (aliás, o mais difundido na história, no tempo e no espaço): Santiago!

 

3- O NASCIMENTO E AS ARMAS

Fig3. Ourique: Cristo aparece a Afonso Henriques

 

O nascimento de Portugal propriamente falando aconteceu na batalha de Ourique em 1139. Neste episódio, estava Afonso Henrique, até então um conde a serviço do rei de Leão e Castela, rezando e se preparando para uma batalha contra cinco exércitos mouros, quando de madrugada, Cristo, no céu, apareceu a ele. Um diálogo foi feito no qual Cristo disse a Afonso Henrique que ele ia vencer os mouros e também disse:

— Afonso! Não te apareci deste modo para acrescentar a tua fé em mim, mas para fortalecer teu coração neste conflito, e fundar os princípios do teu reino sobre pedra firme. (…) Olha para o meu corpo e contempla as minhas chagas! A elas juntarás o preço com que fui comprado aos Judeus. Assim esse reino ser-me-á santificado, puro na fé e amado por minha Piedade!

Assim, o Reino de Portugal nasceu assentado na fé mediante aparição Divina. Conforme foi prometido, Afonso Henriques venceu os mouros e ao final da batalha foi aclamado rei de Portugal que nascia naquele instante:

“Real! Real! Por Afonso, alto rei de Portugal!”  (Camões, Lusíadas, III, 46).

Todos os reis de Portugal até o fim da Monarquia em 1910, foram aclamados desta forma.

Afonso Henriques pediu o reconhecimento e a vassalagem para a Santa Sé, que aceitou, e Portugal, portanto, se tornou vassalo da Igreja Católica pela bula Manifestis probatum de 1179, na qual Portugal prometia pagar anualmente um foro a Santa Sé. Um excerto dessa bula:

(…) Para significar que o referido reino [Portugal] pertence a São Pedro, determinaste como testemunho de maior reverência pagar anualmente dois marcos de oiro a Nós e aos nossos sucessores (…)

 

Os mouros foram definitivamente expulsos de Portugal no séc. XIII.

 

Fig.4 o belo escudo português

 

 

 

Quanto às armas e o escudo português, que sintetiza bem a alma lusitana, apresentando a Cruz e a vitória sobre os mouros, Camões, nos Lusíadas (canto III) explica bem:

«Já fica vencedor o Lusitano,

Recolhendo os troféus e presa rica;

Desbaratado e roto o Mauro Hispano

Três dias o grão Rei no campo fica.

Aqui pinta no branco escudo ufano,

Que agora esta vitória certifica,

Cinco escudos azuis esclarecidos,

Em sinal destes cinco Reis vencidos.

«E nestes cinco escudos pinta os trinta

Dinheiros por que Deus fora vendido,

Escrevendo a memória, em vária tinta,

Daquele de Quem foi favorecido.

Em cada um dos cinco, cinco pinta,

Porque assi fica o número cumprido,

Contando duas vezes o do meio,

Dos cinco azuis que em cruz pintando veio.

 

 4- O INÍCIO DAS NAVEGAÇÕES E DO IMPÉRIO

Portugal não tendo mais com quem lutar em terra foi no mar buscar inimigos. No começo do século XV, os filhos do rei D. João I pediram ao pai uma batalha para se tornarem cavaleiros e após longos debates, escolheu-se a cidade de Ceuta (norte da África), dos mouros, para ser conquistada.

Em 1415, Ceuta é conquistada e os filhos de D. João I foram sagrados cavaleiros, numa mesquita transformada em igreja, por meio de uma espada abençoada por sua mãe, Dona Filipa. Foi propriamente: “A espada como benção e a benção como espada”.

Iniciou-se assim o Império Ultramarino Lusitano.

Henrique, um dos filhos de D. João I, dito, o navegador, exsurge como o grande vulto e fomentador do início das Navegações, um dos episódios mais espetaculares da história moderna, com ares de epopeia, porque navegaram além da Taprobana por mares nunca dantes navegados.

D. Henrique foi cruzado, cavaleiro, investidor, empresário, colonizador, mecenas, prior da ordem de Cristo, fomentador de apostolado, inspirador da caravela e de várias navegações e o homem que provou que o Atlântico não “era tenebroso”, era navegável a oeste e ao sul, contra um falso consenso de séculos, abrindo os horizontes de Portugal e da Europa. Ele morreu endividado, pois investiu tudo na ventura do além mar.

Sua vida e obra não passaram despercebidas pelo papado e na bula Romanus Pontifex, de 1454, do papa Nicolau V está escrito:

(…) Não sem grande alegria chegou ao nosso conhecimento que nosso dileto filho infante d. Henrique, incendido no ardor da fé e zelo da salvação das almas, se esforça por fazer conhecer e venerar em todo o orbe o nome gloriosíssimo de Deus. (…) Além disso, tento este Infante conhecimento de que jamais, ao menos desde que há memória, o mar Oceano foi navegado em suas extensões orientais e meridionais, pelo que nada se sabe dos povos daquelas partes, julgou prestar grande serviço a Deus, tornando-o navegável até aqueles Índios que consta adorarem a Cristo. Assim poderia levar estes a auxiliar os cristãos contra os sarracenos, fazendo pregar o santo nome de Cristo entre os povos que a seita do nefando Mafoma infesta. Sempre munido de autoridade régia, há vinte e cinco anos que com grandes trabalhos, perigos e despesas não cessava com suas velozes naus, chamadas caravelas, devassar o mar, em direção das partes meridionais e Pólo Antártico. Aconteceu assim que foram perlustrados portos, ilhas e mares, atingida e ocupada a Guiné e portos, ilhas e mares adjacentes, navegando depois até a foz do rio reputado como o Nilo (Niger) (…)

Após algumas prescrições que fomentam a obra de D. Henrique, o papa conclui:

Se alguém, indivíduo ou coletividade, infringir estas determinações, seja excomungado, só podendo ser absolvido se, satisfeitos o Rei Afonso e seus sucessores ou Infante, eles nisso concordarem.

 

Fig. 5: Padrão de Santa Maria de Diogo Cão, em Angola: “O esforço é grande e o homem é pequeno. / Eu, Diogo Cão, navegador, deixei / Este padrão ao pé do areal moreno / E para diante naveguei”. Fernando Pessoa, Mensagem, – Padrão, III

 

 

A ordem de Cristo foi criada em 1319 pela bula Ad ea ex-quibus de João XXII, a pedido do rei D. Dinis, ela foi a herdeira dos privilégios em Portugal da recém dissolvida Ordem do Templo, surgida na época da primeira Cruzada na Terra Santa, ela havia ajudado a Portugal no combate contra os mouros.

D. Henrique orientou a missão da ordem de Cristo para as navegações. À Ordem de Cristo foi dado o direito espiritual sobre as terras descobertas que não estivessem sob a guarda de nenhuma diocese. E era a Cruz da ordem de Cristo que estava nas caravelas, tinha a mesma alma das cruzadas. Junto com as navegações, nasceu a nação missionária, coisas indistintas.

 

5- O PADROADO

O Padroado foi um acordo instituído entre a Santa Sé e Portugal no qual o Papa delegava ao Rei de Portugal, a exclusividade da organização e do financiamento de todas as atividades religiosas e missionárias nos domínios lusitanos. Iniciou-se a partir de Nicolau V, com a já citada bula (Romanus Pontifex) e foi reafirmado com as seguintes: Dum Diversas (1455), Ineffabilis et summi (1497), Dudum pro parte (1516) e Aequum reputamus (1534). Desta forma, Portugal além de ser um Império político, tinha uma dimensão religiosa.

Mediante o padroado régio, o rei de Portugal indicava os bispos das dioceses alcançadas pelo Império Português que eram confirmados pelo papa, assim, por exemplo, durante um certo tempo, quem indicava o bispo de Pequim era o rei lusitano. A coroa também podia arrecadar o dízimo, pagar os sacerdotes e custear os missionários no além-mar, além de construir igrejas e seminários. Além de Portugal, somente a Espanha teve o privilégio igual do padroado. Há de se notar que nos textos oficias, os reis sempre faziam menção à difusão da fé católica. E de fato, a fé se expandiu pelos confins do mundo, não ficou só nas boas intenções.

 

6- O ANJO CUSTÓDIO

 

Fig. 6: Figura do Anjo Custódio

 

O anjo de Portugal é cultuado em Portugal desde Ourique ou logo depois. Em 1504, a pedido do rei D. Manuel I, o papa Julio II instituiu a festa do “Anjo Custódio do Reino”. Em 1952, Pio XII determinou o dia de 10 de junho para comemorar o dia de Portugal. Sua figura era representada junto dos padrões, em várias Igrejas e em mosteiros e sempre é associada a Portugal, que é a única nação que cultua um anjo desta forma.

Em Aljustrel, no âmbito dos acontecimentos de Fátima, o próprio anjo apareceu aos pastorzinhos, em 1917, e lhes deu a comunhão, curiosamente para a irmã Lúcia foi dada a Verdadeira Hóstia e para Jacinta e Francisco, o Preciosíssimo Sangue. De forma miraculosa e espetacular, o anjo de Portugal é confirmado pelas aparições de Fátima.

 

Fig. 7: Representação do Anjo de Portugal dando a comunhão em Fátima

 

 

7- AS MISSÕES E OS MARTÍRIOS

Portugal, devido ao seu apostolado, fez surgir a maior quantidade de mártires em toda a história desde o Império Romano, espacialmente desde o Brasil até o Japão, passando por Marrocos, Guiné, Congo, Moçambique, Etiópia, Oriente Médio, Índia, China, Vietnã, Timor, Coréia. Foi no Japão, onde se encontram o maior número de mártires, onde pregou São Francisco Xavier, enviado por Portugal. Abaixo relacionamos, com datas, as grandes missões portuguesas do Além-mar.

Na primeira metade do século XV, ainda no período henriquino, missionários foram enviados para costa da Guiné. E além de Ceuta, os barões assinalados conquistaram Tânger e outras praças militares onde sempre atormentaram os mouros nas lendárias correrias africanas e sempre exerceram o apostolado.

1419. Madeira. Zarco e Tristão Teixeira, “homem assaz urdido”, que era escudeiro de D. Henrique, descobrem o arquipélago.

1434. Açores. Gonçalo Velho chega à região e inicia o povoamento.

Em 1434, Gil Eanes, escudeiro de D. Henrique, após 14 tentativas, conseguiu ultrapassar o lendário Cabo do Bojador, também conhecido como Cabo do Medo. O local era tido com non plus ultra, ou seja, indicava um limite para a navegação o qual não poderia em tese ser superado.

Em 1482, Diogo Cão subiu o rio do Congo, iniciando contato com o Reino do Congo que ia se tornar vassalo de Portugal, as missões prosperaram. O rei Dom João II disse que o rei do Congo era seu irmão em armas. Um filho de um rei africano se tornou bispo, foi a primeira nação católica do Hemisfério Sul que se tem notícia. Logo mais ao sul, Portugal fundou a colônia de Angola.

1488, Bartolomeu Dias, o capitão do fim, dobra o cabo da Boa Esperança, e continua, pois, passado o assombro o mar é o mesmo.

Em 1498, Vasco da Gama chegou a Calicute, viagem que mudou para sempre as linhas mercantis, as comunicações com outros povos e o alcance das missões.

1500. Pedro Álvares Cabral chega ao Brasil, que ia se tornar a maior nação de católicos do mundo. São José de Anchieta foi o grande missionário.

1501. Missões no reino Monomotapa e em Moçambique. Lá pregou Gonçalo da Silveira.

1505. Sri Lanka. Desta data até 1658, lá foi português. São José Vaz pregou por lá

1508. Etiópia. Pero Paes chega em 1603. Em 1624, o rei  Susenyos se converte. Infelizmente logo depois, com Fasilides (1632), os católicos são expulsos e muitos deles foram martirizados.

1510. Goa na Índia é conquistada pelo Leão dos mares, Afonso de Albuquerques. Conhecida como “Roma do Oriente”, a “Goa dourada” se torna a capital do Antigo Estado da Índia Portuguesa, tornou-se sede de Patriarcado no século XIX. E desta cidade partiram muitos missionários por toda Índia e Ásia. Entre eles, São João de Brito.

1511. Iniciado contatos com o Sião (Tailândia) por meio de Duarte Fernandes. Uma comunidade luso-siamesa é formada. Portugal mantém desde aquela data até hoje contatos amistosos com aquele país, são 500 anos de laços históricos.

1511. Málaca. Conquistada por Afonso de Albuquerques e a partir desta época missões pela península malaia.

1512. Molucas. São Francisco Xavier pregou por lá.

1512. Missões e contatos com várias ilhas da Indonésia.

1513. China. Jorge Álvares chega na costa. Em 1557, “a cidade do santo nome de Deus de Macau, não há outra mais leal” é fundada. Matteo Ricci alcança Pequim em 1601. Algum tempo depois, um bispado sujeito ao Padroado foi estabelecido na capital do Império do Meio. Macau foi a cidade pós henriquina do além mar mais fiel, pois pertenceu a Portugal até 1999.

1515. Vietnã. Contatos a partir desta data com Tomé Pires. Décadas depois, os missionários Francisco Pina e Alexandre Rodes se instalaram por lá.

1515. Timor: missão de dominicanos a partir de algumas décadas depois. Foi português até 1975.

1515. Ormuz, no Golfo Pérsico, é conquistada pelo Leão dos mares.

1517. Bangladesh. Em 1577 Igrejas são fundadas na região.

1543. Japão. Nagasaki é fundada por portugueses em 1570. São Francisco Xavier, que foi quem mais fez batismos na história depois de São Paulo, foi missionário no Japão. Ferozes perseguições transformaram o Japão no local de mais mártires desde o Império Romano. São Gonçalo Garcia, de Goa, foi um deles.

1593. Portugal estabelece uma feitoria em Mombasa (costa queniana), onde ergueu o imponente “Forte de Jesus de Mombasa”.

1600. Birmânia. Missionários franciscanos, dominicanos e jesuítas enviados por Portugal atuaram na região. Nesta mesma época, o português Filipe de Brito e Nicote foi aclamado rei do Pegu, numa aventura espetacular.

1605. Comunidade portuguesa se instala no Camboja. Os luso-khméres mantiveram viva a religião católica nesta região até o massacre de Pol Pot em 1975.

1615. Irã. Missionários agostinhos portugueses, em Shiraz, prestam assistência ao martírio da Rainha Kateven da Geórgia.

1624. Tibete. O padre Antonio de Andrade chega no Tibete, foi o primeiro ocidental a fazê-lo, houve uma tentativa de se estabelecer uma missão duradoura por lá, mas não lograram êxito.

Final do século XVII. Coréia. Estudiosos coreanos se convertem lendo textos de Matteo Ricci que circulavam por lá. É o único caso de auto conversão conhecido, o qual não foi feito por missionários. Depois de algum tempo se estabelece missões desde a China, muitos mártires exsurgiram e a perseguição dourou por mais de 100 anos. André Kim, que estudou em Macau, foi um dos mártires.

Em todos estes lugares mencionados, a fé católica foi direta ou indiretamente introduzida ou reintroduzida por Portugal, ou seja, por meio de seu apostolado, a nação lusitana salvou milhões de almas e resgatou da selvageria pagã, outros milhões. Portugal além de expandir a fé e o império levou caridade a todos os lugares por meio de irmandades religiosas, das ordens terceiras e principalmente com as Santas Casas de Misericórdia, que foram fundadas pela rainha Leonor de Lencastre e pelo padre Contreras em 1498, que visava fazer as 14 obras de caridade material e espiritual.

 

Fig. 8: Mártires de Nagasaki, antiga cidade portuguesa-jesuíta, uma das joias do apostolado lusitano.

 

 

8- A CONSAGRAÇÃO NA TERRA DE MARIA

 

 

Fig 9. A Consagração de D. João IV a Nossa Senhora Imaculada Conceição em 1646

 

 

Em 1646, D. João IV consagrou Portugal à Nossa Senhora Imaculada Conceição, que se torna, então, a verdadeira Rainha de Portugal e de todo o Império Lusitano, incluindo o Brasil.

Em 1654, o mesmo rei, enviou a todas as Câmaras cópia da inscrição latina comemorativa do juramento solene feito em 25 de Março de 1646 e para que fosse mais notória a obrigação de defender “que a Virgem Senhora Nossa foi concebida sem pecado original” ordenou que aquela inscrição fosse gravada em pedra e colocada nas portas e lugares públicos das cidades e vilas do reino.

Também neste mesmo ano de 1654 o reitor, lentes, doutores e mestres da Universidade de Coimbra, reuniram-se e determinaram que a fórmula do juramento de todos os futuros graduados começasse pela declaração de «defender sempre e em toda a parte que a Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, foi concebida sem a mancha do pecado original». E até 1910 o cumprimento de tal juramento era condição para se obter qualquer grau universitário[3].

Os reis passaram a ser representados sem a coroa para simbolizar que a verdadeira rainha é Nossa Senhora. E a Armada Real Lusitana passou a ter a nau principal com o nome de “Nossa Senhora da Conceição”.

Por isso, em Fátima, Nossa Senhora não pediu a consagração de Portugal a Ela, porque já Lhe pertencia. Em 1946, senhoras católicas portuguesas confeccionam uma coroa para Nossa Senhora de Fátima, o papa Pio XII abençoa o gesto num anúncio radiofônico de 13 de maio de 1946: “E assim aquela coroa, símbolo de amor e gratidão pelo passado, de fé e de vassalagem no presente, torna-se ainda, para o futuro, coroa de lealdade e esperança”.

Aliás, Portugal sempre foi conhecido como a Terra de Maria, como ensina Pio XII, na mesma mensagem:

Símbolo expressivo, que, se aos olhos da celeste Rainha atesta o vosso filial amor e gratidão, primeiro vos recorda a vós o amor imenso, expresso em benefícios sem conta, que a Virgen Mãe tem desparzido sobre a sua «Terra de S. Maria». Oito séculos de benefícios! Os cinco primeiros sob a signa de S. Maria de Alcobaça, de S. Maria da Vitória, de S. Maria de Belém, nas lutas épicas contra o Crescente pela constituição da nacionalidade, em todos os heroismos aventurosos dos descobrimentos de novas ilhas e novos continentes, por onde vossos maiores andaram plantando com as Quinas a Cruz de Cristo. Estes três últimos séculos sob a especial protecção da Imaculada, a quem o Monarca restaurador com toda a Nação reunida em Cortes aclamou Padroeira de seus Reinos e Senhorios, consagrando-lhe a coroa, com especial tributo de vassalagem e com juramento de defender, até dar a vida, o privilégio de sua Conceição Imaculada: a esperando com grande confiança na infinita misericórdia de Nosso Senhor, que por meio desta Senhora, Padroeira e Protectora de nossos Reinos e Senhorios, de quem por honra nossa nos confessamos e reconhecemos vassalos e tributários, nos ampare e defenda de nossos inimigos, com grandes acrescentamentos destes Reinos, para a glória de Cristo nosso Deus e exaltação de nossa Santa Fé Católica Romana, conversão dos Gentios e redução dos Herejes[4]

 

Fig. 10. A “cor azul” da belíssima bandeira portuguesa da época monárquica simboliza expressamente o “manto da Padroeira do Reino”.

 

 

9- OS PATRIARCADOS E O REI FIDELÍSSIMO

Em 1716, o papa Clemente XI pediu ajuda a algumas potências católicas para enfrentar os turcos no mar Mediterrâneo, Portugal atendeu ao pedido do papa (Veneza, Espanha, Áustria e Estados Pontifícios também participaram do esforço), porém neste primeiro momento, o esforço português não resultou em nada significativo, mas demonstrou prontidão e Portugal se ofereceu para futuros embates. Em decorrência disto, o papa elevou Lisboa à condição de Patriarcado, além de Lisboa, apenas Veneza é um patriarcado na Europa (excluindo Roma, claro).

Um trecho da bula In supremo apostolatus solio, do Papa Clemente XI:

Ora, como entre os ditos príncipes [católicos], o nosso caríssimo filho em Cristo, João, ilustre rei de Portugal e dos Algarves, impelido não menos pelos estímulos de sua exímia piedade do que pela nossa iniciativa, e principalmente excitado pelos claríssimos exemplos dos tão beneméritos reis de Portugal seus antepassados na defesa e propagação da fé ortodoxa, sem a incômodos nem a despesas, por mais graves, se poupar, com sumo zelo, extremo e quase incrível ardor e liberalidade, enviou como valiosíssimo reforço da armada cristã o auxílio de muitas e tão bem municiadas naus…[5]

E foi no ano seguinte que Portugal demonstrou força frente aos turcos, na batalha de Matapão, onde junto com Veneza, Malta e Estados Papais impuseram uma importante derrota naval aos turcos. No ano de 1748, o rei Dom João V recebeu o sugestivo título de “majestade fidelíssima” do papa Bento XIV, extensivo a todos os reis seguintes, ou seja, passou a ser um título da coroa portuguesa.

Tal era a consideração do Vaticano por Portugal, que ao patriarca de Lisboa foi dado o direito de usar elementos normalmente reservados somente aos papas como: o fano (pálio arquiepiscopal), a falda (longa túnica), os flabelos, a sedia gestatória e a honra máxima, a tiara papal que figura no brasão do patriarcado. Verdadeiramente: “E tu, nobre Lisboa, que no Mundo/Facilmente das outras és princesa”[6]

 

Fig. 11. O brasão do Patriarcado de Lisboa, símbolo do liame de Portugal com a Santa Sé e de distinção e de honra.

 

 

No século XIX, Goa se tornou sede do primaz das índias Orientais e também um patriarcado, instituído pelo papa Leão XIII.

Leão XIII, na Humanae Salutis, de 1886:

Tal propagação intensa do cristianismo lucrou acima de tudo, além do cuidado constante dos Missionários, a obra do rei ilustre de Portugal e do Algarve; que foram merecidamente honrado e elogiado pela Sé Apostólica, porque “graças aos seus esforços foi descoberta uma parte tão grande da terra, até então desconhecida para a Europa, e sobretudo porque, através do conhecimento da verdade cristã, pode ser unida à Igreja e a Deus.

Assim, o augusto Portugal, sempre elogiado pelos papas, teve a honra de ter dois patriarcados.

 

10- CONCLUSÃO. O FIM?

Portugal foi assentado num tríplice pilar: Cristo, pois Ele apareceu a Afonso Henriques marcando a fundação e as navegações foram realizadas pela Ordem de Cristo; Nossa Senhora, por causa de Covadonga, de Fátima e da Consagração de 1646; e na sede Petrina pela Vassalagem à Santa Sé, pelo Padroado e pelas bulas que confirmavam Portugal.

Bem decadente já algum tempo, no século XX, o Império Lusitano ia enfrentar fortes abalos e ia conhecer seu fim. Na época das aparições de Fátima, Portugal, já república, tinha um governo maçônico hostil à religião católica, parecia que tudo podia ter acabado por lá, mas houve uma sobrevida. Ao fim de muita crise, Salazar ascende ao poder nos anos 20 e estabelece um regime fascista à moda portuguesa, não mais hostil à religião, mas longe de ser bom. Esta mudança em Portugal foi creditada à Nossa Senhora de Fátima.

O ocaso mesmo se deu com o Concílio Vaticano II, pois como ficou claro no trabalho, o que sustentava Portugal era a fé e a vassalagem à Santa Sé. Ora, a fé foi abalada no Concilio Vaticano II cujos textos não sustentavam as missões por causa do ecumenismo. Afinal para que missões se todos podem se salvar? Não há razão, portanto, para haver uma nação missionária. A causa formal do fim do império português foi este concílio.

O padroado foi sendo suprimido aos poucos até que acabou na época de Paulo VI (o patriarcado de Goa também findou). Houve um último vestígio dele em Macau, “a cidade do Santo Nome, não há outra mais leal”, pois de fato foi o último bastião português, no além mar (com exceção das henriquinas Açores e Madeira), aliás, a cidade nunca deixou de hastear a bandeira lusa até 1999 (ano que foi cedida para a China), mesmo quando do domínio espanhol.

Em 1974 estourou uma revolta comunista em Portugal e pôs quase tudo abaixo, fazendo com que a nação perdesse as colônias africanas. Aliás, Portugal lutou bravamente contra a independência delas quer diplomaticamente quer militarmente, foi a última nação a defender o conceito de colônia como projeto civilizacional e a última a ser missionária. Hoje Portugal vive sob os escombros e é tão corrupto quanto qualquer nação europeia.

Porém, em Fátima, Nossa Senhora “confirmou Portugal na fé” com a frase “Em Portugal se conservará…” e com sua aparição, faz um arremate da história lusitana. E do ponto de vista histórico era de se esperar, pois o “aviso” do começo da epopeia aconteceu em Covadonga, então, deveria haver um evento que marcasse um certo fim que de fato aconteceu na Cova da Iria. E também, Fátima, de certa forma, também, confirma o que Cristo disse ao aparecer a Afonso Henrique.

E onde está a “alma de Portugal”? Apenas naquela pequena nação da Europa ou está também no Brasil e nas plagas onde Portugal fez apostolado na África e na Ásia? Sob os escombros, o “dogma da fé” ainda resiste nos locais do antigo Império Português e se conservará para sempre, como Nossa Senhora disse, logo o “fim” é relativo.

Deus faz muito com pouco, assim fez de Covadonga, apenas “um grão de mostarda”, dois grandes Impérios católicos (Portugal e Espanha) que muito fizeram pela conversão dos povos. Deus precisa apenas de outro “grão de mostarda” que pode estar em algum lugar do antigo vasto Império Português para reconstruir a “Fé e o Império” de uma forma que não compreendemos, e é claro, sem os delírios absurdos milenaristas do Sebastianismo e do “Quinto Reino”.

Nenhuma outra nação católica teve uma história tão relacionada a fé como Portugal, terra onde ela era como um dogma e que foi sua bandeira.

Qual nação porta uma história tão una? Qual pode ostentar glória similar a das navegações? Qual fez um apostolado desde as selvas congolesas e brasileiras até os altiplanos etíopes e as montanhas japonesas? Qual gerou mais mártires? Qual teve a sua fundação associada a Cristo e tem a sua Rainha Nossa Senhora? Qual teve o padroado de mais de 500 anos? Qual é devota de um anjo?

Muitos dizem no Paraíso:

aqui por causa de Portugal,

estampando amável sorriso.

Outros, no abismo infernal:

fui vencido pelo lusitano,

com fel na boca e rosto mal.

A ti, Portugal, eu clamo

Volta, terra do dogma da fé

Por causa de ti eu declamo.

Contra os neomouros, de pé

Trecho de “A Portuguesa”, a letra do hino oficial português:

Heróis do mar, nobre povo,

Nação valente, imortal,

Levantai hoje de novo

O esplendor de Portugal!

Entre as brumas da memória,

Ó Pátria sente-se a voz

Dos teus egrégios avós,

Que há-de guiar-te à vitória!

—-

Às armas, às armas

Na frente dos canhões.

 

 

 

 

Os forcados como imagem de Portugal, coragem em estado puro, na qual o “forcado de cara” deve chamar e enfrentar o touro de mãos desapercebidas e segurar a fera pela cabeça até receber a ajuda dos outros forcados. Esta é a figura do Portugal onde a fé sempre há de permanecer, o Portugal de Vasco da Gama, de Afonso de Albuquerque, de Francisco D´Almeida, de Salvador de Sá que nunca se assustaram pela tamanho da força de seus inimigos nem pelo volume das tormentas do além mar.

Portugal na frente dos touros!

Por Nossa Senhora de Covadonga e de Fátima!

Por Santiago!

Na festa da canonização de Santa Jacinta e de São Francisco Marto.

13 de maio de 2017

Marcelo Andrade

 

 

 

ANEXO:

PARALELO ENTRE PORTUGAL E RÚSSIA:

 

 

 

[1] http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20000626_message-fatima_po.html

[2] http://w2.vatican.va/content/pius-xii/pt/encyclicals/documents/hf_p-xii_enc_13061940_saeculo-exeunte-octavo.html

[3] http://risco-continuo.blogs.sapo.pt/564773.html

[4] https://w2.vatican.va/content/pius-xii/pt/speeches/1946/documents/hf_p-xii_spe_19460513_fatima.html

[5] http://www.patriarcado-lisboa.pt/site/index.php?id=6788

[6] Canto III, 57/143