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Hegel: um burocrata da gnose

Marcelo Andrade

HEGEL

UM BUROCRATA DA GNOSE

Conteúdo

1 – INTRODUÇÃO

2 – O IDEALISMO EM GERAL

3 – HERMETISMO E GNOSE

4 – CABALA EM HEGEL

5 – DIALÉTICA

6 – CONTRADIÇÃO

7 – REALIDADE, FINALIDADE DO HOMEM E TRABALHO

8 – HISTÓRIA

9 – IGREJA

10 – ESTADO  E CORPOS INTERMEDIÁRIOS

11 – DIREITO

12 – SEGUIDORES E INFLUÊNCIAS

13 – CONCLUSÃO

14 – BIBLIOGRAFIA

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1 – INTRODUÇÃO

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) foi um pensador alemão e é amplamente reconhecido como sendo um dos mais importantes e influentes filósofos da história, pertencia a corrente de pensamento dita de “idealismo”.

Ele nasceu em Stuttgart, estudou em Tubinga (Tübingen), foi tutor e professor em escolas e universidades até se firmar como professor de Filosofia na Universidade de Berlim, posto que ocupou até falecer.

Seu pensamento influenciou muito a filosofia do Direito, a ponto de alguns estudiosos o incluírem numa tríade (Kant, Hegel e Kelsen) que modelou esta ciência no século XX.

Ele ambicionou um sistema de pensamento que visa à totalidade, nele um suposto “Espírito” em suas emanações desenvolve-se ao longo da história a consciência de si mesmo por meio da dialética.

As principais obras de Hegel são: A Fenomenologia do Espírito (sua magnum opus)A LógicaA Enciclopédia das Ciências FilosóficasA Filosofia do Direito.

O Objetivo deste curto trabalho é apontar as características gerais do pensamento do idealista alemão e combater seus erros.

2 – O IDEALISMO EM GERAL

É difícil precisar o idealismo, pois ele possui vários matizes, porém, podemos dizer que esta ideologia é caracterizada pela primazia do “eu subjetivo”, no qual a distinção entre objeto e sujeito não existe como na filosofia realista e ambos se encontram no próprio “eu”. Os mais famosos pensadores idealistas foram, junto com Hegel, Schelling e Fichte.

Sinibaldi (1906, p. 222) explica bem o idealismo hegeliano em linhas gerais:

O princípio de todas as coisas não é o sujeito pensante nem o objeto pensado; mas é a ideia. Esta ideia é o ente comum, em se resolvem todas as ideias; porque tudo que é ideal é real, e vice-versa. – O ente considerado em si, é indeterminado, prescinde de todas as notas de que se nos representa cercado, não é substância nem acidente, não é finito nem infinito, não é espiritual nem material, não é uno nem múltiplo. O ente, assim indeterminado e destituído de todas as notas, é semelhante ao nada; mas não é nada absoluto porque pode-se tornar todas as coisas – A ideia-ente faz as evoluções em três momentos – No primeiro momento desenvolve-se nas ordem das ideias e põe-se a si mesmo; – no segundo desenvolve-se na ordem dos corpos e forma o mundo; –  no terceiro, desenvolve-se na ordem dos espíritos, adquire a consciência de si mesma, de potencial e impessoal torna-se atual e pessoal, e constitui o espírito – Estas evoluções da ideia-ente, embora contrárias, encontram-se nas coisas, porque os contrários são idênticos

3 – HERMETISMO E GNOSE

Para Magee (2001, p.1), Hegel não era um filósofo na acepção clássica, mas um pensador hermético, cujos escritos estavam eivados do misticismo de Cusa, de Eckhart, da alquimia, da cabala, da astrologia etc. Schelling disse que Hegel copiou muito dos trabalhos de Bohme (que era cabalista) (MAGEE, 2001, p. 4).

Um dos discípulos de Hegel confirma a influência de Bohme em Hegel e ainda diz que o cabalista era a principal fonte da nova filosofia (MAGEE, 2001, p. 4)

Bauer diz que Hegel era um gnóstico (MAGEE, 2001, p.5), no mesmo sentido Voeglin e Hanratty[1]

Para Magee, o Fenomenolia (Fenomenologia do Espírito) era como um “documento maçônico”.

O hermetismo, que vem de Hermes Trimegistro, é o estudo e prática de filosofia oculta. Nele, um suposto conhecimento secreto daria a seu praticante uma certa “iluminação” e/ou traria a “salvação”. Não deixa de ser uma gnose prática.

Segundo Magee (2001, p.4), a própria estrutura dos trabalhos de Hegel seguia um padrão hermético ou iniciático:

1- Fenomenologia representa o estado inicial de purificação;

2- Lógica representa ascensão hermética para a pura forma ou “ideia absoluta”;

3- Filosofia da Natureza representa emanação da Mente Universal;

4- Filosofia do Espírito significa o retorno da criatura para a Divindade.

 Magee (2001, p. 13-14) faz o seguinte paralelo entre o pensamento de Hegel e o Hermetismo:

  1. Hegel sustenta que “Deus sendo” envolve a criação, é o tema do “Filosofia da Natureza”. Natureza é um momento de “Deus sendo”.
  2. Hegel sustenta que Deus em algum sentido é completado ou atualizado através da atividade intelectual da humanidade: “Filosofia” é o último estágio na atualização do Espírito Absoluto. Hegel sustenta a circular concepção de Deus e do cosmos, como referido antes, envolvendo Deus “retornando a Ele mesmo” e realmente se tornando Deus através do homem.
  3. A filosofia de Hegel é enciclopédica: todos os objetivos terminam na filosofia, por todas as intenções e propósitos, por capturar o todo da realidade num completo e circular discurso.
  4. Hegel acredita que nós crescemos acima da natureza e nos tornamos senhores de nosso destino por meio de uma gnose profunda providenciada por seu sistema.
  5. A Lógica de Hegel tenta saber todos os aspectos ou “momentos” de Deus como um sistema de ideias. Em uma famosa passagem da ciência da lógica, Hegel diz que a Lógica “deve ser entendida como um sistema de pura razão, como de puro pensamento (…)
  6. A Fenomenologia do Espírito de Hegel, representa um inicial estágio de purificação no qual seria o filósofo purgado de um falso ponto de vista intelectual no qual ele poderia receber a verdadeira doutrina do conhecimento absoluto (Lógica-Natureza-Espírito).
  7. A visão de Hegel da natureza rejeita a filosofia do mecanismo. Ele defende, como os seguidores de Bradley poderiam chamar de doutrina da “relação interna”, como contra o típico e moderno mecanismo entendido das coisas como “relações externas”

Hegel era obcecado pelo número “3”, assim sua obra é permeada por tríades, como mostra este esquema de Marias sobre Hegel (2015, p. 351-357):

– Lógica: Doutrina do ser, da ciência e do conceito;

– Ser: Determinidade, Quantidade e Medida;

– Dentro da qualidade, há três estágios: ser (sein), existência(dasein) e ser para si(fürsichsein).

De acordo com Taylor (2014, p. 127), para Hegel, sem o mundo, Deus não é Deus. Mas, segundo o mesmo autor: não era panteísta, era gnóstico, pois atribuía divindade a coisas finitas (Taylor 2014, p. 128-129).

Hegel é um pensador que revelou seu hermetismo até mesmo na forma de escrever, sendo muito difícil, abusando de temas complexos e de linguagem cifrada. Isto pode ser evidenciado de forma patente em seu trabalho “Fenomenologia do Espírito”.

Fig.1 Triângulo de Hegel: eivado de símbolos astrológicos.

4- CABALA EM HEGEL

Uma das principais fontes de Hegel foi a Cabala, quer pela via indireta de Boheme quer pela tradução da Cabala Denudata quer pela via indireta de Oetinger.

De fato, a ideia-ente de Hegel, que é um nada, aproxima-se do “ein sof”, o “nada metafísico” da cabala que evolve ao longo do tempo (MAGEE, 2001, p. 168)

No mesmo sentido, para Sinibaldi (1906, p. 227), Hegel diz que a ideia-ente se desenvolve o e produz o mundo, o homem e o próprio Deus, tudo seria produzido pelo “nada”.

Segundo Magee (2001, p.176-177) as principais correspondências entre a Cabala e os escritos de Hegel são:

1- Deus é concebido em várias formas na cabala, como o é em Hegel, como um dinamismo, como Deus “em processo”.

2- Este “deus em processo” é delineado em sefirots separadas, que são definidas como momentos de “deus sendo” (de acordo com alguns cabalistas) – como as categorias da lógica são momentos de uma totalidade orgânica constituindo “exposição de Deus como Ele é na eternidade em essência antes da criação da natureza e o espírito finito”

3- No cabalismo, Ein Sof ou o “Tudo absoluto” é feito equivalente ao Ayin, “Nada”. Em hegel: Ser=Nada.

4- Aying (ou ayin=Ein Sof), o ponto no qual os cabalistas discutem a natureza do ser de Deus, é tida para transcender a distinção entre sujeito e objeto. Este “telos” desenvolve-se dento do “sujeito absoluto”. Na lógica de Hegel, Ser-Nada, os quais transcendem a distinção de sujeito e objeto, desenvolvidos na Ideia absoluta, o aqui é um tipo de concepção abstrata do próprio Pensamento do espírito.

5- No cabalismo, o máximo desenvolvimento da personalidade de Deus é identificado, de acordo com Gershom Scholem, com o “desdobramento”, e isto está presente na experiência humana, é imanente e misteriosamente presente em cada um de nós. O mesmo poderia ser dito da teologia de Hegel.

6- Todas as sefirots são imanentes como a totalidade dentro da ultima sefirot – justamente todas as categorias da lógica de Hegel são imanentes, ou são constitutivas da definição da Ideia Absoluta.

7- As sefirots  penetram e informam todos os níveis do ser, constituindo  o esqueleto da natureza.. Hegel diz que os momentos de sua lógica a alma animada de sua natureza.

8- Comentadores como Scholem e Kaplan dizem que a cabala tem uma estrutura dialética e triforme (tese, antítese e síntese)

9- O tratamento cabalista de Din, ou mal, são como momentos de “Deus sendo” correspondem a sublação da negatividade de Desejo dento do sistema de Hegel.

5- DIALÉTICA

Hegel desenvolveu uma delirante “lógica”, a dialética dos opostos, as famosas: tese, antítese e síntese, inspiradas em Heráclito e na Cabala. Segundo Padovani (1995, p. 389), podemos resumir os erros da lógica hegeliana da seguinte forma:

1 -A lógica tradicional afirma que o ser é idêntico a si mesmo e exclui o seu oposto (princípio da identidade e da contradição); ao passo que a lógica hegeliana sustenta que a realidade é essencialmente mudança, devir, passagem de um elemento ao seu oposto;

2 – a lógica tradicional afirmar que o conceito é universal abstrato, enquanto apreende o ser imutável, ainda que não totalmente; ao passo que a lógica hegeliana sustenta que o conceito é universal concreto, isto é, conexão histórica do particular com a totalidade do real, onde tudo é essencialmente conexo com tudo;

3 – a lógica tradicional distingue substancialmente a filosofia, cujo objeto é o universal e o imutável, da história, cujo objeto é o particular e o mutável; ao passo que a lógica hegeliana assimila a filosofia com a história, enquanto o ser é vir a ser;

4 – a lógica tradicional se distingue da ontologia, enquanto o nosso pensamento, se apreende o ser, não o esgota totalmente – como faz o pensamento de Deus; ao passo que a lógica hegeliana coincide com a ontologia, porquanto a realidade é o desenvolvimento dialético do próprio logos divino, que no espírito humano adquire plena consciência de si mesmo.

Lamentavelmente a lógica hegeliana é muito usada no Direito moderno, na filosofia, na interpretação histórica, na análise política etc., por mais absurda que possa parecer. Este método foi adotado por Marx em seu também delirante materialismo dialético.

6- CONTRADIÇÃO

Para Hegel, não existe o princípio da “não contradição”, mas a “contradição” seria o fundamento da ciência. Coicidencia opositorum é tema recorrente na cabala e em Hegel (Campani, 2011, p. 261)

Segundo Sinibaldi (1906, p. 223), para Hegel:

a) Tudo o que está contido no céu e na terra consta de contradições. Na verdade, todo o finito exprime o ente e o não ente. Por isso, devendo os finitos reduzir-se ao infinito, este deve ser uma grande contradição.

b) O ente considerado em abstrato, é indeterminado. O não-ente também é indeterminado. Logo o não-ente confunde-se com o ente.

c) As coisas, que diferem entre si, devem reduzir-se a uma coisa comum. Logo o ente e o não ente, por diferirem entre si, devem reduzir-se a uma coisa comum, que, sob um aspecto mais abstrato, seja ao mesmo tempo ente e não-ente.

Sinibaldi segue com a refutação:

O 1 argumento é um sofisma. – É falso que o finito, por exprimir o ente e o não-ente, seja uma contradição. Porquanto a contradição consiste em afirmar e negar uma e a mesma coisa, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. Ora, o finito afirma  a entidade de que é composto, e nega a entidade de que não é composto. Logo, é falso que o finito afirme e negue uma e a mesma coisa ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto, e por isso é falso que seja uma contradição, – É falso também que, pelo fato dos finitos dependerem do infinito, este deva ser composto de ente e de nada. Porque os finitos dependem do infinito, só enquanto participam da sua entidade, e por isso o infinito não é composto de ente e de nada, mas é a plenitude da entidade.

O 2 argumento é falso tanto com relação a matéria, como em relação a forma – é falso com relação a matéria. Porque o ente é indeterminado na ordem positiva, enquanto exprime uma realidade; ao passo que o não ente é indeterminado na ordem negativa, porque não exprime uma realidade. Por isso, o ente e o não-ente, por não convirem com um terceiro termo comum, não convém entre si. – É falso na forma; porque o meio termo indeterminado é particular em ambas as premissas, contra a IV regra do Silogismo.

O 3 argumento também é falso. Duas coisas diferentes podem reduzir-se a uma coisa comum, quando diferem em parte, mas não quando são inteiramente opostas, assim o homem e o animal reduzem-se ao mesmo gênero animal, mas porque diferem num só elemento essencial. O ente, porém, e o não-ente não podem reduzir-se a um princípio comum, porque são inteiramente opostos, um afirma o que o outro nega.

Hegel também se nega a admitir a potência, tudo é ato ou ato puro em decorrência da identificação dos contrários (Maritain, 1994, p. 159)

7 – REALIDADE, FINALIDADE DO HOMEM E TRABALHO

A realidade para Hegel, segundo Marias (2015, p. 349):

Para Hegel, a realidade é o absoluto, que existe numa evolução dialética de caráter lógico, racional. De acordo com sua famosa afirmação, todo o real é racional e todo o racional é real. Tudo o que existe é um momento desse absoluto, um estágio dessa evolução dialética, que culmina na filosofia, em que o espírito absoluto possui a si mesmo no saber

Hegel diz que o fim último do homem é evolução contínua, universal e ilimitada da humanidade. (Marias 2015, p. 266) Hegel tende a divinizar o ser humano (Maritain, 1994, p. 121) e faz com que a razão do homem pode tudo compreender sem ter uma disciplina de fora (Maritain 1994, p. 122)

Em sintonia com ideias gnósticas de trabalho, para Hegel, o trabalho era similar a uma “redenção”. Ao mesmo tempo, ao atuar sobre a natureza externa para servir aos seus propósitos, ao trabalhar, o ser humano contribui para transformar a ela e a si próprio, e para conduzir os dois lados a uma reconciliação final. (Taylor 2014, p. 147).

Ao transformar coisas, transformamos nós mesmos (Taylor 201, p. 184) O trabalho é importante para criar e sustentar uma consciência universal do ser humano. (Taylor 201, p. 148)

Walter Benjamin (1985) citando Hegel: “lutai primeiro pela alimentação e pelo vestuário, e em seguida o reino de Deus virá por si mesmo (Hegel, 1807)”. Esta tese é crucial para Marx, com a única diferença que este colocou-a sob o manto do materialismo.

Esta visão era comum em certos ramos protestantes do séc. XVI-XVII, muitos destes protestantes emigraram para os EUA. Também é uma visão próxima do judaísmo, em especial da Cabala. É uma visão que diz ser possível ao homem retificar sua natureza decaída pelo pecado original e anular a “dupla maldição” (a terra maldita por causa do pecado de Adão e o trabalho pesar sobre o homem pela mesma razão).

8– HISTÓRIA

Hegel tinha uma visão histórica imanentista. Segundo Marcuse (apud Manieri, 2013), Hegel transformou a história em ontologia, o Espírito se revela e se desenvolve na história, a essência da realidade é uma essência histórica.

A substância do indivíduo, o próprio espírito do mundo, teve a paciência de percorrer essas formas na longa extensão do tempo e de empreender o gigantesco trabalho da história mundial, plasmando nela, em cada forma, na medida de sua capacidade, a totalidade de seu conteúdo; e nem poderia o espírito do mundo com menor trabalho obter a consciência sobre si mesmo. (Hegel p. 36)

No mesmo sentido, Márcia da Silva (p. 7):

Em Hegel, a história segue um processo finalista referente à teleologia interna, na qual não se encontra um agente exterior que atua em um material dado, nele realizando os seus propósitos, mas é apenas o autodesenvolvimento do espírito a partir de si mesmo. “O espírito age essencialmente, converte-se no que é em si, no seu ato, na sua obra; torna-se deste modo objeto para si e tem-se perante si como um ser determinado (HEGEL, 1995, 62)”

Segundo Taylor (2014, p. 93 e 240) a visão de história de Hegel é influenciada pelas teses milenaristas de Joaquim de Fiore, com a famosa divisão tripartite das épocas do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

As teses de Fiore foram condenadas pela Igreja Católica e seu pensamento advém segundo Emma Jung (apud Magee 2001, p. 238) do Catarismo e do misticismo judaico.

Segundo Rossatto (2012):

Para mostrar que a filosofia da história de Hegel não segue tão somente um esquema ternário, mas trinitário, Mottu seleciona algumas passagens da Fenomenologia do espírito (capítulo VII), das Lições sobre a filosofia da religião e, principalmente, das Lições sobre a filosofia da história universal. Com base nessas passagens, ele inicialmente argumenta que Hegel, tal como Joaquim, periodiza o devir do mundo como o movimento do Espírito, que se realiza enquanto liberdade crescente ao longo de um processo histórico tripartido. E mais: que esse esquema tripartido, que se expressa pelos termos Pai, Filho e Espírito Santo, põe em evidência a figura do Espírito como perspectiva de realização do progresso histórico.

Mottu (1980, p. 163) dá especial destaque a uma passagem das Lições sobre a filosofia da história universal de Hegel (1997, p. 660), que associa o «reino do Filho» à Idade Média e o «reino do Espírito» à Reforma. Nessa oportunidade, Hegel escreve claramente que Deus, ao se exteriorizar no mundo como Filho, não encontra sua plenitude, pois ela só viria com a figura do Espírito, depois que o Filho fosse “revogado” (aufgehoben). E acrescenta, na sequência, que a “última bandeira” é a do espírito livre (des freien Geistes), com sua “nova Igreja” e seu “reino da liberdade espiritual”.

Aplicando esta visão hegeliana de história no materialismo se deu em Marx, na qual supostas regras racionais da história informam a realidade do mundo e fornecem a chave para sua compreensão.

9 – IGREJA

Dentro da lógica da gnose, do pietismo e de outras ideologias, há a rejeição de uma Igreja visível e institucionalizada, Hegel falava em “Igreja invisível”

Sem avançar em possíveis contradições do sistema hegeliano quando discorre sobre “igrejas”, podemos dizer que todo o sistema hegeliano é religioso, no caso, bem gnóstico-cabalista, pois acreditava em “religiosidade oculta”.

Segundo Rovighi (2004, p. 62), a religião para Hegel é:

Um dos momentos do espírito absoluto, isto é, do espírito que se atualiza não apenas conhecendo um objeto (espírito subjetivo), não apenas realizando uma civilização (espírito objetivo), mas contemplando a si mesmo como espírito. E isto é representativo e não conceitual.

Por outro lado, deve ter a religião as seguintes linhas gerais, de acordo com Hegel (Taylor 2014, p. 79):

  1. Sua doutrina deve ser fundada na razão universal
  2. Nesse processo, fantasia, coração e sensibilidade não precisam sair de mãos abanando.
  3. Ela deve ser constituída de tal modo que todas as necessidades da visa e os atos públicos do Estado estejam vinculados com ela.

Para Hegel, a consciência religiosa (relacionada a uma Igreja visível) é uma consciência infeliz (Taylor 2014, p. 188) Toda e qualquer religião tem de aceitar o Estado e reconhecer-lhe a superioridade em decorrência disto há liberdade de doutrina e de culto. (Ciotta, 2016, p. 184)

A Igreja e a religião devem estar identificadas com o estado; porque para Hegel o espírito envolvido na Religião é subjetivo e só estado é real (SINIBALDI, 1906, p. 447 Esta visão de Hegel é totalmente contrária a Igreja Católica (Taylor 2014, p. 79)

Esta visão dá suporte à religiões associadas ao Estado como o nazismo e também é compatível com o liberalismo que defende a Igreja separada do Estado, mas que na prática submete aquela a este, já que quando o Estado faz suas leis (ainda que imorais) obriga a Igreja a aceitá-la direta ou indiretamente.

10 – ESTADO  E CORPOS INTERMEDIÁRIOS

Para Hegel, o Estado é espírito vivente, razão encarnada, detentor de uma própria realidade metafísica. (Padovani, 1995, p. 390-391)

Segundo Sinibaldi (1906, Vol II, p. 529):

Hegel ensina que o fim do Estado, ou da sociedade civil, não é o bem comum de seus membros, mas é o próprio Estado, isto é a grandeza de seu poder, a riqueza progressiva e a harmonia de sua organização, a perfeição cada vez mais completa da vida individual por meio do organismo social. O Estado é um deus presente pois é o infinito, e por isso é o fim imóvel e absoluto de si mesmo; é omnipotente; tem todos os direitos de que é única fonte. A ação do Estado é absolutamente independente da lei moral

Segundo Manieri (2013) “Hegel vê no próprio conteúdo do mundo – um povo com seus costumes, sua organização política, seu Estado, suas revoluções etc. – uma forma de exteriorização do Espírito”.

O Estado, enquanto efetividade da vontade substancial, que ele tem na autoconsciência particular elevada à sua universalidade, é o racional em si e para si. Essa unidade substancial é um auto-fim imóvel absoluto, em que a liberdade chega a seu direito supremo, assim como esse fim último tem o direito supremo frente aos singulares cuja obrigação suprema é ser membro do Estado. (Hegel. 2010, § 258) 

Esta visão destrói a liberdade individual e enfraquece o direito a propriedade, pois o Estado é a única fonte do direito, tudo o que o Estado manda seria justo e honesto.

Hegel dá suporte a visões totalitárias de Estado como o nazismo e o comunismo, e transformou o Estado num deus cruel. E também dá suporte, indiretamente, aos estados modernos ditos “democráticos” nos quais tudo pode desde que seja aprovado pela “maioria”.

Hegel não via corpos intermediários na sociedade. “Se o Estado é confundido com a sociedade civilburguesa e se sua determinação é posta na segurança e na proteção da propriedade e da liberdade pessoal, então o interesse dos singulares enquanto tais é o fim último (…).” (NOVELLI, 2012, p. 183)

Dialeticamente ele dizia que a

A racionalidade considerada abstratamente, consiste, em geral, na unidade em que se compenetram a universalidade e a singularidade e aqui, concretamente, segundo o conteúdo, consiste na unidade da liberdade objetiva, isto é, da vontade substancial universal e da liberdade subjetiva, enquanto saber individual e da vontade buscando seus fins particulares, – e por causa disso, segundo a forma, num agir determinando-se segundo leis e princípios pensados, isto é, universais. (HEGEL, 2010, § 258, apud NOVELLI, 2012, p. 184)

E ainda:

Se o Estado é o espírito objetivo, então só como membro é que o indivíduo tem objetividade, verdade e moralidade. A associação como tal é o verdadeiro conteúdo e o verdadeiro fim, e o destino dos indivíduos  está em participarem numa vida coletiva; quaisquer outras satisfação, atividades e modalidades de comportamento têm o seu ponto de partida e o seu resultado neste ato substancial e universal (HEGEL, 1986, Filosofia do Direito,  p. 179)

11 – DIREITO

Hegel funda o Direito na vontade (MORRIS p. 303), contrário ao tomismo que funda na razão. Confunde liberdade com Direito.

Segundo Sinibaldi (1906, p. 447):

O princípio de que deriva o Direito é a vontade universal e objetiva da ideia absoluta, – vontade substancial e racional mas impessoal. Esta vontade é o fim de si mesma, isto é seu fim interno é a liberdade, o seu objeto é o mundo externo, em que ela se realiza. Mas, nesta realização externa, a liberdade assume a forma de necessidade. Por isso, o direito é a liberdade realizada

Baseia-se, Hegel, em três tipos de liberdade: liberdade pessoal, liberdade da moral subjetiva e liberdade substancial (ou liberdade social) (BEISER, 2008).

Para Hegel, a justiça se insere no contexto do Estado. Não há uma justiça abstrata, independente dele, porque para ele, o Estado é um deus. O Estado é a razão em si e para si.

Segundo Ferreira (2012):

importante salientar que não há, para Hegel, liberdade sem direito. Ao contrário, o direito é a concretização da liberdade. Quanto mais desenvolvida a consciência, maior a liberdade. O grau máximo de consciência de um povo é a consciência nacional. Portanto, a lei que expressa essa consciência, se cumprida, é o máximo de liberdade que um cidadão pode possuir. Ela permite a concretização de potencialidades muito maiores do que aquelas decorrentes apenas da vontade de um indivíduo ou de uma ou algumas famílias.
Nesse sentido, é inimaginável qualquer grau de liberdade no estado de natureza. Se a liberdade é a concretização da vontade humana, sua materialização exige o direito, que transforma a natureza em cultura e a suplanta. O primeiro nível de liberdade exige a propriedade privada; o nível mais avançado exige o Estado nacional e as leis. Um ser humano, assim, é escravizado pela natureza, não sendo livre.

Hegel misturava ideias como liberdade, Espírito, Estado e dialética para fundar sua filosofia do Direito.

Ainda segundo Ferreira (2012):

O Espírito Absoluto, que é tudo e a consciência de tudo, corresponde ao grau máximo de liberdade, pois todas as potencialidades estão dentro de si, afinal nada existe fora dele. Todas as transformações decorrem de suas contradições internas e podem ser sintetizadas em leis universais.
Uma sociedade deve caminhar para o grau máximo de conscientização, aproximando-se do Absoluto. Suas leis, gerais, devem derivar de suas contradições internas, promovendo sínteses que as resolvem. Essas sínteses instauram novas contradições, que exigirão novas leis para serem resolvidas. O Estado nacional é capaz, por meio da positivação das leis, de promover sucessivas sínteses, estabilizando-se sem interromper o fluxo histórico.

Hegel combate o direito natural e a escola histórica do Direito. Hegel era adepto de um direito somente abstrato sem reconhecer particularidades locais.

Em face do direito privado e do interesse particular, da família e da sociedade civil, o Estado é, por um lado, necessidade exterior e poder mais alto; subordinam-se-lhe as leis e os interesses daqueles domínios mas, por outro lado, é para eles fim imanente, tendo a sua força na unidade do seu último fim universal e dos interesses particulares do indivíduo; esta unidade exprime-se em terem aqueles domínios deveres para com o Estado na medida em que também tem direitos (HEGEL, 1986, p226)

12- SEGUIDORES E INFLUÊNCIAS

Após o falecimento de Hegel, seus discípulos se dividiram em dois lados: Os chamados “hegelianos de direita” e os de “esquerda”.

Em ambos grupos, as abordagens do pensamento hegeliano envolviam tanto política quanto religião também e não somente filosofia.

No ramo da direita se encontravam: Gabler, Hinrichs, Daub etc. Eles faziam forte apologia conservadora política.

O ramo da esquerda era formado por Feuerbach, Strauss, Marx etc. Estes eram revolucionários e pregavam ruptura contra a ordem vigente.

No séc. XX, a influência permaneceu em autores marxistas como Lukács, Adorno, Sartre etc.

13- CONCLUSÃO

Como vimos, Hegel foi um autor que usou e abusou de linguagem cifrada e confusa, como é típico em tratados gnósticos, herméticos e cabalistas, todos eles retrocompatíveis. Ao escrever de modo “difícil” tenta mostrar conhecimento e saber.

Toda sua obra transborda de gnose, principalmente pelo veio cabalista. Sua doutrina é diametralmente oposta à doutrina católica e deu suporte a pensamentos igualmente contrários à Igreja.

Segundo Schopenhauer, Hegel é: “uma cabeça medíocre que por todos os meios quis passar por um grande filósofo e sua filosofia é um mínimo e pensamento diluído em quinhentas páginas de fraseologia nauseabunda” (apud SINIBALDI, 1906, p. 306).

Segundo Padovani (1995, p. 387), Hegel frequentemente deformava os fatos para enquadrá-los no esquema lógico do seu sistema racionalista-dialético, bem como alterava este por interesses práticos e políticos.

Para nós, Hegel foi um pseudo-filósofo que estava a serviço da gnose dando-lhe “roupagem” técnica sob um véu de suposta erudição.

Ou seja, foi um burocrata da gnose.

14 – BIBLIOGRAFIA

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FERREIRA, Adriano. Hegel: Lógica e Direito. Disponível em http://julianoamaralb.blogspot.com.br/2012/07/hegel-logica-e-direito.html

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MAGEE, Glenn Alexander. Hegel and the Hermetic Tradition, Ithaca: Cornell University Press, 2001.

MANIERI, Dagmar. Teoria da História, Petrópolis: Vozes, 2013.

MARIAS, Julian. História da Filosofia. São Paulo: Martins Editora, 2015.

MARITAIN, Jacques. Introdução Geral à Filosofia, Rio de Janeiro: Agir, 1994.

NOVELLI, Pedro Geraldo Aparecido. Universalidade da Educação em Hegel, 2012

PADOVANI, Umberto, CASTANGOLA, Luis. História da Filosofia, São Paulo: Melhoramentos, 1995.

ROSSATTO, Noeli Dutra. Hermenêutica medieval: a compreensão espiritual de Joaquim de Fiore., 2012. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31732012000400008

ROVIGHI, Sofia Vanni. História da Filosofia Contemporânea. São Paulo: Loyola, 2004.

SILVIA, Márcia Zebina. Natureza e história em Hegel. Disponível em: http://hegelbrasil.org/gthegel/arquivos/Marciazebina.pdf.

SINIBALDI, Thiago. Philosophia, Coimbra, 1906.

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http://www.nefipo.ufsc.br/files/2012/03/A-racionalidade-do-real.pdf

A negação do absoluto equivale ao esvaziamento do ein sof na cabala. http://www.newkabbalah.com/hegel.html

O três estágios do espírito absoluto são a arte, a religião revelada e a filosofia. Na arte, trata-se da manifestação sensível do absoluto; a ideia absoluta é intuída. Na religião esta ideia é representada p. Marias, (2015, p. 360)

HEGEL, 2010, § 258) file:///C:/Users/Vessada%20do%20Garantido/Downloads/26-120-1-PB.pdf

[1] Hanratty escreveu um livro sob o título: Hegel e a Tradição Gnóstica.