In Lumine tuo

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Orlando Fedeli

IN LUMINE TUO

 

In lumine tuo, videbimus lumen (Na tua luz, veremos a luz; Sl 36,10).

Estas palavras que a Santa Igreja aplica propriamente a Jesus Cristo, Senhor Nosso, podem ser também analogicamente referidas à Idade Média. Porque, à luz dessa época, que marcou o apogeu da Cristandade, pode-se contemplar a luz da verdade católica, o lumen Christi.

“Idade Média, idade das trevas”. É o que dizem os pseudo-eruditos dos subúrbios da cultura, julgando-a uma era de ignorância e de fanatismo.

Entretanto, foi a pretensa idade das trevas e da ignorância que fundou as universidades. Sorbonne, Colônia, Oxford, Bolonha, eis alguns dos grandes centros culturais que iluminaram a história.

A Idade Média, “idade das trevas”, era apaixonada pela luz. E foi essa paixão que construiu as catedrais góticas. Que é o estilo gótico senão uma sede insaciável de luz do Sol e da luz do céu? Que é ele senão a potência da luz unida à poesia da pedra?

Georges Duby, em seu livro Le temps des cathédrales, afirma que o gótico nasceu da teologia da luz. Suger, abade de Saint Denis, quis fazer de sua abadia uma obra arquitetônica que exprimisse na pedra a teologia da luz, conforme está exposta na obra do pseudo-Dionísio.

 

Saint Denis

 

Segundo este autor, Deus é luz e cada criatura é um reflexo da luz divina. O universo seria como uma cascata de luzes hierarquicamente ordenadas.

A inteligência pode acender essa escala de reflexos até chegar à luz inefável da Divindade, pois o criado conduz ao incriado. Deus, Luz absoluta, é mais ou menos velado e revelado por cada criatura. Essa é a chave para compreender o gótico, arte de luminosidade e de irradiação progressiva. Os mesmos princípios com que a teologia escolástica reconhece no universo a luz de Deus, são aplicados na arquitetura gótica. E assim, a catedral gótica é a luz da teologia escolástica encarnada na poesia da pedra, diz Duby.

Do estilo clássico ao românico, do românico para o gótico, há um movimento contínuo da noite enluarada para a aurora, e da aurora para a luz.

Todos os especialistas concordam com isto. “A catedral é ordenada para captar a luz e guardá-la como algo transformado, de imaterial, como se pensava que ela fosse, nesta matéria muito rara e sutil que é um vitral sob uma abóboda muito alta” (F. Cali e S. Moulinier, L’Ordre Ogival).

Os vitrais, essa maravilha que a Idade Média criou para “enobrecer a luz de Deus, para conferir-lhe as irisações da ametista ou do rubi, para emprestar-lhe as cores das virtudes celestes” na feliz expressão de Georges Duby, revelavam a insatisfação medieval com o mundo atual, tornado menos brilhante pelo pecado de Adão.

 

Rosácea sul, catedral Notre Dame de Paris

 

É a “saudade” da luz do paraíso original que fez a Idade Média abrir as grandes janelas ogivais de suas catedrais para que a luz do sol penetrasse, aos borbotões e colorida, até o tabernáculo, onde está, humílimo na sagrada hóstia, o Sol dos anjos.

A Idade Média não foi na História apenas um vitral luminoso, ela foi também uma página dourada de iluminura.

No silêncio das abadias, pela mão paciente dos monges, ela copiava com letras de ouro os livros do passado, adornando as páginas de sabedoria e ciência com a luz da beleza. Sim, foi a idade das trevas que criou os livros de iluminuras, cheios de luz, de graça, de vida e de alegria.

 

Iluminura: A Cidade Divina e a Cidade Terrestre

 

Luz e alegria vêm sempre unidas. E a Idade Média, enamorada pela luz, fez da tristeza o oitavo vício capital. É de espantar que ela tenha esculpido nos portais de Reims os anjos do sorriso?

 

Anjo do sorriso, Catedral de Reims

 

Era essa paixão pela luz que fazia os poetas medievais cantarem o brilho, o sol, a claridade, deliciando-se com o colorido do universo.

Dante, supremo poeta da Idade Média, relacionou a glória celestial com a luz, e o inferno com o tenebroso.

 

Per letiziar là su folgor s’aequista,

si come riso qui; ma giù s’abbuia

l’ombra di fuor come la mente à trista (Par. IX,70-72)

[Ali pelo fulgor vê-se a alegria

Tal pelo riso aqui, e tal, no inferno

pela sombra a tristeza que crucia]

(A Divina Comédia, trad. Cristiano Martins)

 

E a Idade Média ilumina toda a História com uma tríplice luz: a luz da verdade, a da justiça e a da beleza.

Luz da Verdade, que ela produziu pela Escolástica. Foi o tempo das universidades.

Luz da justiça que brilha em seus santos inumeráveis como as estrelas do firmamento. Foi o tempo das abadias.

Luz da beleza de sua arte incomparável. Foi o tempo das catedrais.

E porque vivia inebriada de luz, a “Idade das Trevas” é o esplendor da História e dela se pode dizer: In lumine tuo, videbimus lumen.

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