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Ladainha de Todos os Santos

Pierre de Craon

 

LADAINHA DE TODOS OS SANTOS

 

Nas naves góticas ecoaram as primeiras palavras de um canto solene e majestoso, suave e forte.

 

Kyrie Eleison

Christe Eleison

Christe Audi Nos

Christe Exaudi Nos

 

Era a Ladainha de Todos os Santos que principiava, nas cerimônias magníficas do Sábado Santo. As vozes subiam como as nuvens azuladas de incenso até as mais altas abóbadas da catedral. E na ondulação aveludada do canto sucediam-se lentamente os melismas de arrependimento e de esperança.

Que equilíbrio e harmonia na liturgia católica! Mais admirável que a pompa e a riqueza dos paramentos, mais bela que os objetos preciosos, mais amável que a doçura do gregoriano, mais impressionante do que a prosternação do sacerdote nos degraus do altar implorando perdão, era a sabedoria que permitia harmonizar tantos valores opostos: a esperança e o temor, a misericórdia e a justiça, a riqueza e a pobreza, a terra e o céu.

A ladainha subia até o trono de Deus, rogando à Santíssima Trindade o perdão por intercessão de Jesus Cristo, da Virgem Maria, dos Anjos e dos Santos.

Que ordem sapiencial nesse cortejo!  Depois de implorar a misericórdia ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, era à Virgem Maria, medianeira de todas as graças, e advogada dos pecadores, que se recorria imediatamente:

Sancta Maria, Sancta Dei Genitrix, Sancta Virgo Virginum

E de cada vez o povo respondia súplice e confiante: Ora pro nobis.

Depois, uma revoada de arcanjos e de anjos abria o desfile de glória, tendo à frente o príncipe da cavalaria celestial São Miguel Arcanjo, que expulsou Satanás dos Céus.

Só então eram invocados os santos, seguindo todos uma sábia hierarquia. Após os anjos, aquele que o Evangelho mesmo chama de anjo ao dizer “Eis que eu envio o meu anjo ante tua face”, aquele que Nosso Senhor mesmo louvou, dizendo: “Que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? Mas que fostes ver? Um homem delicadamente vestido? Que fostes ver? Um profeta? Sim, certamente, digo eu, e mais que um profeta. Em verdade eu vos digo: entre os nascidos das mulheres não veio ao mundo outro maior que João Batista”. (Lc 7,24-28).

E junto a São João, São José, o homem tão santo que foi digno de ser o esposo de Nossa Senhora e o pai adotivo de Nosso Senhor. Que grandeza não deveria ter para estar junto da Mãe de Deus e de seu Filho!

E os patriarcas e os profetas, luzes brilhantes na noite longínqua da história, iluminando o futuro, eram imagens do brilho dos apóstolos de Cristo, invocados logo a seguir.

Como não podia deixar de ser, São Pedro era o primeiro. Ele, a pedra fundamental da Igreja. Ele, o primeiro papa, o apóstolo que recebeu as chaves dos Céus, o apóstolo que possuía as duas espadas. E após ele era a todo o colégio apostólico que se implorava para interceder pelos fiéis, juntamente com os discípulos e evangelistas.

Como guarda de honra da Igreja, vinham então toda a Legião dos mártires, envolta em rubro manto de sangue. Nas infindáveis coortes dos que tinham dado a vida por Cristo, só alguns eram lembrados: Santo Estevão, o primeiro, que foi lapidado; São Lourenço, o abrasado, São Vicente…

Seguiam-nos os milhões que haviam dado o testemunho de sangue nas arenas de Roma, nos jardins de Nero, nas masmorras e nos campos de concentração, nas praças de Espanha e nos paredões de Cuba.

Santos Mártires, rogai por nós.

Passavam em seguida os monges. Passavam silenciosos os eremitas. Passavam os santos doutores. Passavam os santos levitas.

São Bento, patriarca dos monges do ocidente. Santo Antão, Santo Agostinho, o ardente. São Domingos e São Francisco, tão pobre, orate pro nobis.

Era toda a Igreja triunfante e celestial que passava, gloriosa e brilhante nos versos embebidos de sacralidade da ladainha gregoriana.

A cada grupo de santos e de virtudes recordadas, o povo, humilde e sábio, repetia: orate pro nobis, numa confissão de culpa e de insuficiência.

Pedia-se que Deus livrasse a todos de todos os males, em especial da lepra do pecado e das insídias do diabo.

Pedia-se por tudo e por todos. Rogava-se perdão e virtude pelos mistérios da vida de Cristo.

Implorava-se pelo Papa, pelo clero, pelos príncipes, pelo povo humilde, e até para que Deus se dignasse abençoar e conservar os frutos da terra. Porque tudo o que Deus fez é bom, desde os anjos até as pequenas avelãs.

Militante e cruzada, a Igreja com ardor implorava que Deus se dignasse humilhar os seus inimigos. E o povo com fervor assentia: Te rogamos, audi nos!

As invocações se sucediam como as ondas do mar, umas após as outras, cada onda uma virtude, cada vaga uma santidade, cada verso uma glória. E o povo compreendia que se as ondas eram admiráveis em sua variegada beleza, o mar que as produzia era muito mais.

Tudo o que Deus fez é admirável: o orvalho e o raio, o arco-íris e o vento. Porém, mais admirável que o sol e que o mar, são as almas para quem Deus fez essas maravilhas. E entre as almas, as dos santos são as maravilhas das maravilhas, elas são as obras que melhor refletem a Deus. O mar produz as ondas, e Deus a santidade. Deus é a fonte de todo bem, e portanto, de toda beleza. E se os artistas são admiráveis em suas obras, Deus o é infinitamente mais em seus santos. E era Deus que a ladainha voltava a implorar no final, como num eco, com a mesma invocação com que se iniciara:

Christe Audi Nos, Christe Exaudi Nos.

Porque tudo principia e tudo finda em Nosso Senhor Jesus Cristo, Alfa e Ômega.

E o povo enlevado repetia no fundo da alma:

Bendito seja Deus nos Seus anjos e nos seus santos. Bendito seja Deus na Sua Santa Mãe, obra-prima do Criador Onipotente.

Bendito seja Deus na sua Santa Igreja Católica Apostólica Romana, fonte da verdade, escrínio de Santidade, oceano de beleza.