Ópera

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Data: 11-Ago-2017
De: Pedro
Cidade: Manaus-AM
Assunto: Ópera

***

Bom Dia

Na Aula do professor e Maestro Fernando Schlithler https://www.youtube.com/watch?v=nkCOwWrYgpU. Ele cita a Ópera como sendo uma má escolha ao cristão, e eu queria saber mais sobre o assunto, a opinião da Igreja se podem me recomendar leituras ou novas aulas sobre o assunto aconteceram?

Obrigado e Salva Maria!

***

Resposta

Prezado Pedro,

Salve Maria!

Primeiramente, obrigado por ter assistido a aula e nos ter escrito, e peço desculpas tanto pela demora em respondê-lo quanto pelos eventuais erros de português, uma vez que respondo um tanto apressado nos intervalos de tempo que tenho para isso.

A ópera teve sua origem no século XVI com a concepção de dramma per musica (drama musical) ou favola in música (fábula musical) articulada por intelectuais renascentistas florentinos e totalmente atrelada a um quadro de referência gnóstico. Dentre esses intelectuais, os mais conhecidos foram Girolamo Mei (1519-1594), Giovanni de’Bardi (1534-1612) e Vincenzo Galilei (1533-1591) (pai de Galileu Galilei). O grupo desses intelectuais de Florença tornou-se conhecido como “camerata de Bardi” ou “camerata florentina”, e são tidos por “inventores”, por assim dizer, da ópera.

Esses intelectuais renascentistas tinham a convicção de que no início da história teria havido um paraíso original no qual o homem viveria em harmonia com a natureza e consigo mesmo, e esse paraíso seria povoado de seres encantados, mágicos (como o deus pagão Pan). Nesse paraíso original, a linguagem humana não seria racional, não seria comunicação ou transmissão de ideias, mas sim uma expressão direta e eficaz de sentimentos através do canto: a fala ou expressão humana seria originalmente cantada e não transmitiria ideias, mas sentimentos. A separação entre linguagem falada e música teria sido fruto de uma decadência, bem como a separação entre poesia, música, teatro.

Esses intelectuais estudavam muito os textos da antiguidade pagã referentes à música, mas interpretava-os de modo distorcido, conforme suas concepções renascentistas. Assim, a teoria sobre os efeitos da música sobre o caráter presente na teoria musical grega foi erroneamente interpretada como um ato de magia: a música teria poder persuasivo retórico mágico de infundir diretamente sentimentos nos ouvintes (portanto, não sendo um meio de comunicação de ideias, mas somente de sentimentos). Por essa razão, encontramos aí também os primórdios da concepção romântica de música: Rousseau (1712-1778) além de vigarista intelectual e pseudo-filósofo foi também compositor de óperas, e acreditava que a música era irracional e não poderia transmitir ideias, mas somente o inefável através dos sentimentos que ela suscitaria. Richard Wagner (1813-1883) também buscava em suas óperas essa mesma estética.

Além disso, consideravam a estética polifônica ou contrapontística excessivamente racional e decadente, pois, segundo eles, não seria possível transmitir um afeto ou sentimento por meio de diversas melodias simultâneas (cada uma seria um afeto diverso, causando uma confusão no ouvinte). Como a música na antiguidade grega era monódica (uma só melodia com acompanhamento), e como eles achavam que os efeitos narrados pelos autores da antiguidade eram efeitos mágicos, concluíram que a música em sua época não conseguiria alcançar os mesmos efeitos por ser polifônica: desse modo, fazia-se necessário desenvolver um modo de compor música em que só haveria uma melodia acompanhada, e essa melodia deveria ser cantada, e deveria não representar as ideias do texto, mas sim ser construída de um modo que os sentimentos ou afetos presentes no texto fossem devidamente representados, de modo persuasivo, de modo a infundir esse mesmo sentimento no ouvinte, ao mesmo tempo em que o texto cantado deveria ser também encenado, e de preferência de alguma tragédia grega ou tema pagão.

Apesar de haver algumas melodias boas em meio a outras melodias mais desordenadas, o ideal estético de construção melódica permitia um uso mais livre de dissonâncias e imperfeições caso o conteúdo do texto permitisse. Desse modo, transgressões aos princípios racionais de construção ou morfologia melódica seriam permitidos, uma vez que a música não teria por fundamento ou finalidade a expressão da realidade, mas sim a de sentimentos. Ao colocar o sentimento acima da razão ou em detrimento desta, aos poucos se foi destruindo esses elementos racionais da morfologia musical.

Além disso, é preciso falar mais sobre a questão do paraíso perdido e da linguagem primeva do homem: Todos esses procedimentos melódicos tinham por fim RESTAURAR a linguagem primeva do paraíso perdido, ou seja, uma espécie de “redenção” da linguagem racional humana que seria de si defeituosa e alienante.

Eles acreditavam que, ao fazer o drama musical, estariam restaurando essa linguagem de um paraíso perdido que jamais existiu, uma vez que essa não é a concepção católica do paraíso em que Adão e Eva viveram, nem a concepção correta de linguagem humana.

Nessa época, essa concepção do paraíso perdido encontrava sua expressão literária na estética das pastorelas: as pastorelas foram um gênero literário típico do renascimento em que se contava uma história passada num ambiente bucólico, idílico ou campestre (e não urbano), contando a história de pastores e pessoas rústicas, simples e ingênuas que conviviam harmoniosamente entre si e com seres mágicos e mitológicos como ninfas (a atmosfera é de conto de fadas) narrando geralmente historias amorosas namoricos, etc… Veja que se trata de uma representação do homem sem o pecado original, extremamente irreal e utópica e claramente com temas que visavam induzir de modo astuto ao pecado contra pureza.

Trata-se inequivocamente de uma concepção gnóstica, pois apresenta uma concepção de que a razão seria algo mal e o sentimento seria algo mais elevado, e também a ideia de um paraíso perdido que pode ser restaurado magicamente.

Essas pastorelas também depois eram colocadas em música, como foi o caso da obra Il Pastor Fido de Giovanni Battista Guarini. (1538-1612), e que foi a pastorela mais conhecida de todas, o maior sucesso da época, mais ou menos como essas novelas bregas ou seriados são hoje em dia.

Apesar de – até onde eu saber – a Igreja jamais ter condenado oficialmente essa estética (infelizmente), encontramos santos como o Cardeal São Roberto Bellarmino (1542-1621) que , em 1605, ao ter encontrado Giovanni Battista Guarini em Roma, no ano de 1612, disse a ele que sua obra Il Pastor Fido havia feito tanto dano à moral da sociedade daquela época quanto as heresias de Lutero e Calvino haviam feito à religião. Portanto, não foi pouca coisa.

Daí por diante, a ópera jamais esteve atrelada a uma concepção católica de realidade, ela visava ou retratar temas pagãos, ou histórias imorais envolvendo pecados de adultério etc. como é o caso de “As bodas de fígaro” e “Don Giovanni” de Mozart e muitas outras (além da “Flauta Mágica” que era uma alegoria maçônica).

Para se opor à imoralidade da ópera, surgiu então o “oratório”, que também representava históricas cantadas, mas com temas mais elevados e religiosos.

Outra coisa: a melodia acompanhada com o baixo contínuo, em si mesmo não tem nenhum problema. O problema é quando essa melodia é construída sem estar de acordo com os princípios metafísicos com que Deus estabeleceu a ordem ontológica (os princípios que analiso na videoaula que você assistiu), buscando transgredir esses princípios de modo a causar um efeito sentimental desordenado nos ouvintes. É óbvio que isso era feito com uma sutileza e astúcia enorme, e muito provavelmente você não irá se dar conta dessa desordem caso ouça, uma vez que os ouvidos atuais já estão brutalizados por transgressões muito piores tanto do romantismo quanto da música moderna.

Minha resposta acima foi, obviamente um resumo. Para uma compreensão precisa de toda essa questão seriam necessárias muitas outras aulas com a exposição de diversos outros assuntos e uma forte contextualização.

Minhas fontes para responder sua pergunta foram sobretudo:

História da Música Ocidental – Donald J. Grout e Claude V. Palisca (página 307 em diante)

Music and the Myth of Arcadia in Renaissance Italy – Giuseppe Gerbino.

Recomendo a leitura no livro do Grout e Palisca que deixa tudo isso bem claro nesse capítulo, e é um livro facilmente encontrável em sebos.

Espero ter ajudado e estou à disposição caso haja mais dúvidas.

Salve Maria!

Fernando Schlithler

Doce Coração de Maria, sede a nossa salvação.

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