Pierre de Craon
SÃO PEDRO, A CRIADA E O FOGO
Era noite, e fazia frio…
E Pedro se aproximou da fogueira, em torno da qual os criados e os soldados, conversando, se aqueciam. Na casa de Caifás, Pedro procurava a companhia dos criados. Ele estava imensamente triste e tremia, e havia angústia em seu coração em que tudo era ruína. O frio o aproximou da fogueira, a covardia, dos algozes. Era noite e fazia frio no coração de Pedro.
Logo foi reconhecido, apesar das sombras da noite que o envolviam. A admiração e o medo que ele sentia dos criados de Anás e Caifás fizeram irromper em seus lábios a primeira negação. Depois, mudo e estupefato ante o seu próprio pecado, ficou paralisado olhando as labaredas da fogueira, cheias de luz e de calor. Meio imerso nas sombras, Pedro, olhando o fogo, queria esquecer o Mestre que traíra.
Como ele era belo e ardente: Como ele tudo iluminava e aquecia! Como todos se aproximavam dele com prazer e ficavam a contemplá-lo longamente, em silêncio, não se cansando de sua presença, de ouvi-lo, senti-lo e de vê-lo…
E ali, naquela hora de trevas, na casa de Caifás, ele parecia mais brilhante do que nunca. Ele vencia as trevas que não conseguiam apreendê-lo.
Por mais que ele fosse brilhante, porém, sua luz jamais ofendia o olhar. Por mais que se O admirasse, jamais se ficava entediado, tal era a variedade de sua beleza. E quanto reveladora era aquela luz misteriosa que Ele irradiava! E quantos mistérios nas penumbras que Ele fazia entrever!
E depois, tudo nEle era maravilhoso. Quantos contrastes em seu modo de ser! Ora revelava uma suavidade infinda, ora uma potência aterradora. Ora tinha, da misericórdia, a mais branda doçura, ora o ardor fustigante do látego. Por vezes, Ele comunicava um calor pacífico e calmo, por vezes fazia a alma crepitar nas labaredas do entusiasmo mais ardente.
O que mais atraia nEle? Seria a luz brilhantíssima, ou o calor ardentíssimo? Seria o poder que ele tinha de esclarecer, ou o bem que ao redor difundia? Quem deveria se aproximar dEle com mais alegria: o leproso que tinha frio, ou o cego, que não tinha luz?
Foi então que alguém interpelou de novo a Pedro, dizendo que o vira usar a espada no Horto. E Pedro pela segunda vez se acovardou e traiu. Como caíra tanto e tão baixo?! Aterrado, ele não ousava fixar o olhar interrogativo e suspeitoso dos escravos e dos esbirros. Só olhava as labaredas que subiam, que sempre subiam.
Como Ele tendia para o alto! Como Ele obrigava a olhar para o céu! Tudo Ele consumia e arrebatava para as alturas. Tudo o que se lançava nEle, por mais podre e sujo que fosse, era envolvido e transformado por Ele. Não tolerava nada que lhe fosse oposto, não suportava nada que fosse opaco ou impuro. Nada que fosse frio ou sem luz conseguia persistir ao seu contato. Ele tudo purificava ou destruía. Ou se subia com ele em fagulhas luminosas para o alto, ou se era transformado em cinzas. Purificando ou punindo, ele era justo e santificador.
E imerso nas trevas da casa de Caifás, Pedro angustiado gemia ante o insondável abismo de sua queda, temendo, já que traíra, o fogo devorador, o fogo que sempre sobe e tudo arrebata, luminosa e ardentemente, para o céu.
E ele estremeceu quando uma criada grosseiramente o acusou. E mergulhando ainda mais nas trevas, por medo e por vergonha perjurou, traindo, uma terceira vez. E do meio das trevas, horrorizado ante o negro abismo de sua fria covardia, continuou fixando o fogo.
Foi então que ele viu as brasas.
Certo, tudo o que se lançava nele era logo consumido. Mas também, tudo o que se deixava envolver pela suave carícia de sua luz, ou que se deixava tocar pelo seu calor brilhante, tornava-se semelhante a Ele. Os galhos verdes, e até os carvões se tornavam, como Ele, brilhantes e ardentes. Ficavam como Ele cheios de luz e de calor, de graça e de verdade. Porque quem conheceu a luz da Verdade e o calor do Bem, e os aceitou, se torna pela Sabedoria e pelo Amor, luminoso e ardente. Já os galhos que dEle se retiram, que depois de se terem tornado semelhantes a Ele O renegam, e dEle se afastam, esses perdem a luz e o calor, a verdade e o bem, e ficam piores do que antes: opacos, negros e frios carvões apagados.
Foi então que o galo cantou. Foi então que Pedro O viu. E chorou amargamente.