Uma Cidade, um Mirador e uma Copita de Fino

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Marcelo Andrade

UMA CIDADE, UM MIRADOR E UMA COPITA DE FINO
– um passeio por Granada –

 

Na interessantíssima Granada[1], passeia-se pela carrera del Darro, pela Alcaicería, visita-se a catedral, a Basílica de São João de Deus, (santo português[2] fundador da Ordem dos Irmãos Hospitaleiros e que morou em Granada). A Capela Real, onde estão enterrados os reis católicos, também impressiona.

O almoço num bar de tapas é de rigor. Nele deve-se pedir a bebida, no caso, uma copita de fino (taça de um tipo de vinho Jerez) antes da comida (caso contrário, seria falta de educação) e já se recebe algum prato sem ter pedido e que já está incluído no preço da bebida. Mas, o que mais se destaca em Granada é o La Alhambra, um complexo palaciano monumental construído pelos mouros. É dos locais mais visitados da Espanha, ele se impõe internamente e externamente e foi sede do último bastião sarraceno na Península Ibérica.

Para vislumbrar a fortaleza por fora, o local mais justo é o mirador de San Nicolas, alcançado a partir de Albaicín, que era um bairro   recheado de mesquitas e no qual há, hoje, belas construções brancas. Ainda melhor se a hora for o momento do crepúsculo para se estar no mirador.

A vista de San Nicolas, no mínimo, é impactante. Vê-se os telhados das casas brancas, La Alhambra e, no fundo, a Sierra Nevada, onde fica o Mulhacén, o pico culminante da Espanha continental. Normalmente, no mirador aparecem uns guitarristas[3] que tocam bulerias, enriquecendo o ambiente. Eles talvez tenham uma vida dura na semana e se aliviam com o flamenco e com um copita de fino. Toda carga de vida pesada se torna leve após um fino.

 

Vista do mirador San Nicolas

 

La Alhambra, visto de longe e sob a Sierra, de dia e de noite (pois fica iluminado) tem sua majestade aumentada. Chegada a hora esperada do pôr do sol, o céu se torna colorido, luzes vermelhas atingem a fortaleza dando-lhe uma cor diferente, as montanhas também se avermelham. É hora também de fazer outra contemplação, a histórica. Durante séculos, os católicos também esperaram a hora de ver o pôr do sol dos mouros e isto aconteceu em 1492, quando foram expulsos de la Alhambra pelos reis católicos. Tal dia foi glorioso e foi também fruto de séculos de luta num esforço mais gigantesco que as montanhas que emolduram Granada, correu mais sangue do que o vermelho do céu e foi mais monumental que a fortaleza moura. Ambos pores do sol são belos, o estético do dia finalizado e o histórico. Que bela harmonia, que contrastes! A vitória católica e a derrota moura, a noite e o dia, o passado e o presente, o céu e a terra, o gigantismo da fortaleza e as casas pequenas, a montanha e a baixada, o colorido do céu e o verde escuro das árvores.

Os mouros, porém, naquele dia fatídico de 1492, viram outro pôr do sol, o seu próprio, simbolicamente chuvoso, sem ter o que contemplar, triste, com gosto de derrota de quem parte tarde, que não deixa saudade. Boabdil, el chico, o último rei moro, saiu chorando (e quem não sairia infeliz de La Alhambra?). A pequenez de sua derrota contrasta com o tamanho da montanha e seu choro, proporcionalmente, foi maior que a chuva. Haveria um nascer do sol católico no dia seguinte em Granada, mas não para os mouros que só veriam a noite. A Reconquista havia terminado.

Para finalizar tudo, mais uma copita de fino.

Marcelo Andrade, 21 de agosto de 2022.

 

[1] Granada em espanhol significa romã.

[2] A festa de São João de Deus é comemorada no dia 8 de março.

[3]  Na Espanha são tocadores de violão e não de guitarra elétrica.

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