1484- Sem Pretender Ensinar o Padre Nosso ao Vigário

Data

Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no linkedin
Compartilhar no email
Compartilhar no whatsapp
Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no linkedin
Compartilhar no email
Compartilhar no whatsapp
image_pdfConverter em PDFimage_printPreparar para impressão

Orlando Fedeli

 Sem Pretender Ensinar o Padre Nosso ao Vigário

 

  • Localização: Brasília – DF

Muito prezado e Reverendo Padre X.,
Salve Maria!

Agradeço seu elogio a meus trabalhos e seus santos desejos de bênção para minha pessoa. Deus lhe pague. Peço-lhe, Padre, que, em suas Missas, não se esqueça da Montfort* e de mim.
Fico bem contente que o senhor considere que, depois do Vaticano II, uma onda de barbárie invadiu a Igreja.
De minha parte considero que essa onda invasora só conseguiu ser tão devastadora e tão universal, em grande parte, pela Reforma da Liturgia, visto que a Missa é o coração da Igreja Católica. E essa desgraça só teve tão péssimo resultado exatamente pela introdução do vernáculo na liturgia, coisa desejada por Lutero e pelos jansenistas.
Vejo que o senhor não leva isso em conta, e julga que a adoção do vernáculo na Missa trouxe vantagens.
Seu erro de consideração, Padre, — permita-me dizê-lo com todo o respeito pelo seu caráter sacerdotal — consiste em julgar que a Missa é dirigida primeiramente ao povo.
Ora, a Missa é rezada para Deus, e não para o povo. Por isso é secundário que o povo entenda todas as palavras da Missa. O povo precisa conhecer o que é a Missa.
A Missa, o Papa João Paulo II teve que lembrar isso a todo o clero, e a todo o povo, é a renovação do sacrifício do Calvário. Quem sabe disso entre os que freqüentam, e mesmo entre os que rezam a Missa Nova, hoje em dia?
Poucos…Bem poucos…
Infelizmente.
Infelizmente, sim, porque hoje, quando a Missa é rezada em vernáculo, nem o povo, e, muitas vezes, nem certos sacerdotes, sabem o que é a Missa.
É claro que as partes didáticas da Missa dos Catecúmenos — a Epístola e o Evangelho junto com o sermão — visam a instrução do povo. Por isso, sempre essas partes, mesmo na missa de sempre, durante quase dois mil anos, essas partes da Missa foram ditas em vernáculo, para que o povo compreendesse mais facilmente o que lhe era ensinado. As demais partes, que visam a Deus, sempre foram ditas em língua morta, sagrada.
O senhor sabe muito bem que na Missa se usam palavras em latim, grego e hebraico, porque a condenação de Cristo escrita por Pilatos, e colocada sobre a Cruz, no Calvário, foi redigida em latim, grego e hebraico. Por isso a Missa usa palavras dessas três línguas, visto que a Missa é a renovação do sacrifício do Calvário.
A missa não é aula. Nem muito menos é show para divertir o povo, como desgraçadamente ela foi transformada depois da reforma da Liturgia decretada por Paulo VI, e redigida com a cooperação de seis pastores protestantes.
Que se poderia esperar dessa cooperação, senão a destruição da Liturgia, como bem lembrou o Cardeal Ratzinger — agora, graças a Deus, papa Bento XVI — várias vezes?
O senhor me lembra que “Jesus, quando esteve entre os judeus, procurou falar uma língua que lhes fosse compreensível. A língua para ele não era importante”.
Sim, é verdade. Quando Jesus falava, ensinando o povo, usava o aramaico, língua do povo. Por isso, o sermão deve ser feito, normalmente, em vernáculo.
Mas o senhor notou, Padre que, no Calvário, Jesus disse “Eli, Eli, lama sabactani”, e que os judeus não entenderam o que Jesus disse ?
Por que não entenderam?
Por que, na hora do seu divino sacrifício, Jesus não usou a língua do povo. Usou o hebraico, língua sagrada. Usou a língua litúrgica, que o povo normalmente não entendia.
O senhor me diz, ainda: “A roupagem muda e deve mudar, para que não haja anacronismos ridículos”
Ora, o ridículo se introduz exatamente com o vernáculo, língua viva, na qual o significado das palavras muda constantemente.
Veja, por exemplo, Padre, o seguinte exemplo.
Quando o Padre diz: “Ide, a Missa está acabada” — o antigo e solene: “Ite, Missa est” — o povo responde hoje, ridiculamente, um “Graças a Deus”, que na linguagem comum significa, hoje: “Ufa! Ainda bem! Não agüentava mais!”
Bem diferente do solene e sacrossanto “Deo gratias!” de antigamente.

Padre, nas línguas vivas, as palavras mudam continuamente de sentido, o que possibilita a introdução de termos que passam a ter sentido dúbio, errôneo, e por vezes, até obsceno.
Veja, por exemplo, a palavra formidável. Hoje, dizer que se assistiu a um filme formidável significa que se assistiu a um filme excelente. Entretanto, a palavra formidável significa, literalmente, que dá medo.
Por isso a Igreja, usa uma língua morta, na qual as palavras tem seu sentido cristalizado, e, portanto, que dificulta a introdução de erros doutrinários.
O senhor diz que o latim era uma língua pagã.
Sim, o latim foi uma língua pagã que a Igreja “batizou”. E convinha muito para a Missa, culto central da religião de um Deus morto e ressuscitado, o emprego de uma língua morta, que a Igreja ressuscitou e santificou.
Toda a sua argumentação a favor do vernáculo se fundamenta na idéia de que o vernáculo é entendido pelo povo.
Será isso verdade, Padre?
Será que o povo entende as Epístolas de São Paulo, só porque são lidas em vernáculo ?
É claro que não, Padre.
E vamos a uma questão bem mais simples que as epístolas de São Paulo:
Que se entende quando o padre diz : “O Senhor esteja convosco?”
Que se entende quando o povo responde : “Ele está no meio de nós”.
Padre, acredito que até muitos sacerdotes, hoje, muito mal formados em seminários que ensinam mal a verdade, e que muitas vezes só ensinam as heresias modernistas, não entendam o que significa essa simples frase, dita em vernáculo: ” O Senhor esteja convosco.”
Essa frase tem o verbo no subjuntivo presente, o que exprime desejo. Por ela, o Padre afirma seu desejo de que todas as almas das pessoas presentes à Missa estejam na graça de Deus, possuam a graça santificante, isto é, que participem da vida divina.
Tenho certeza, pelos debates que já tive, que muitos sacerdotes, infelizmente, nem têm idéia do que é a graça santificante. E se alguns padres não sabem o que é a graça santificante — e alguns não sabem nem o que o modo subjuntivo exprime — muito menos o povo sabe o que repete de modo puramente maquinal.
Ora, a resposta a esse desejo do sacerdote era “Et cum spiritu tuo”. (E com teu espírito).
O povo retribuía o santo desejo do sacerdote, desejando que Deus habitasse também na alma do sacerdote pela graça santificante, pois ninguém sabe se está ou não na graça de Deus. Desejamos e esperamos estar na graça. Não sabemos se a possuímos, pois está dito no Eclesiastes (IX,1):
“O Homem não sabe se é digno do amor, se do ódio” [ de Deus]. [Só Padre Jonas Abib tem a certeza de que está na graça de Deus. Mas essa certeza vai contra a doutrina revelada pela Escritura e confirmada pela Igreja].
Agora o desejo expresso pelo sacerdote no Dominus vobiscum é respondido com um estranho “Ele está nomeio de nós”.
Como está no meio de nós?
Em português seria “Ele está entre nós”, e não “no meio de nós”.
E teologicamente isso seria certo?
Deus está mesmo no meio de nós?
Isso dá mais idéia de imanentismo panteísta do que de doutrina católica.
Conforme a doutrina católica isso é descabido. Mas essa tradução absurda do “et cum spirito tuo” está bem de acordo com a doutrina modernista e liturgicista de que Deus está presente na assembléia dos fiéis.
Na “comunidadje”, como se diz hoje.
Hoje, se crê mais numa pseudo presença divina no povo — presença gnóstica — do que na presença real de Jesus na hóstia consagrada.
Essa foi, Padre, uma das péssimas conseqüências do vernáculo na Missa.
E se o senhor considera que o vernáculo é melhor, porque é compreensível pelo povo, explique-me, Padre, como se deve entender a frase “O amor de Cristo nos uniu”.
Padre, Deus ama a todos os homens, santos e pecadores. A uns, Ele ama, também porque são bons. Os pecadores Ele os ama, porque lhes deseja o bem da conversão, e lhes concede as graças necessárias e suficientes para que se convertam, e vão para o céu. Deus amou Caim e Abel. Mas esse amor de Deus por eles não os uniu.
…A não ser pelo pescoço…
O amor de Deus não une os bons e os maus.
É o amor a Deus que une os bons.
E visto que o senhor defende o uso do vernáculo, ouso — com todo respeito — ter dúvida de que o senhor mesmo não se tenha dado conta da importância dessa preposição a na frase citada e analisada logo acima.
E que significa, em português, o povo responder, logo depois da Consagração, à palavra do sacerdote “Eis o Mistério da Fé!”!:
“Nós anunciamos, Senhor, a tua morte, e proclamamos a tua ressurreição, enquanto aguardamos a Tua vinda. Vinde Senhor Jesus”.
Como se pode aguardar a vinda de Cristo, se Ele acabou de estar realmente presente na Hóstia consagrada?
Não insinua essa frase, tão mal colocada, que Cristo ainda não está realmente presente na Hóstia que o Padre acabou de consagrar?
Essa resposta do povo é, pelo menos, bem ambígua.
Sei, sei bem o que o senhor — como todo mundo — vai argumentar; que se aguarda a vida de Cristo, no final dos tempos, para julgar todos os homens, no Juízo Final.
Ora, João Paulo II, ainda quando era Cardeal, escreveu uma interpretação diversa desta, que todo o mundo imagina e repete.
Disse João Paulo II:
“Jesus prediz a sua segunda vinda, que, como a primeira, deve ser preparada pelo Espírito Santo, não mais no seio da Virgem, mas no seio de todo o Corpo místico. Por isso a Igreja durante a assembléia eucarística proclama depois da consagração: “Anunciamos, Senhor, a vossa morte, e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde Senhor Jesus” (Karol Wojtyla, Sinal de Contradição,Paulinas, São Paulo, 1979, p.82).
Portanto, para o Cardeal Wojtyla, a segunda vinda anunciada é na união de Cristo com a Igreja, e não propriamente no fim do mundo.
E se o senhor for discutir o significado do que escreveu o Cardeal Wojtyla, ainda que eu esteja errado em minha leitura, o senhor terá provado que não adianta o texto ser em vernáculo para ser corretamente entendido.
Portanto, de que adianta a Missa em vernáculo, como a desejavam Lutero e os jansenistas?
E por que os hereges desejavam que a Missa fosse rezada em vernáculo?
Desejavam isso, porque diziam que quem rezava a Missa era o povo e não o padre. E esse erro gravíssimo, que acaba com a distinção entre clero e leigos, é repetido por muitos, hoje em dia.
Por isso, padre, é preciso combater a Missa em vernáculo. É preciso salientar o sacerdócio real e completo do clero devidamente ordenado, e explicar o que é sacerdócio, apenas por participação, do povo fiel.
A Missa em vernáculo preparou a democratização da Igreja através da colegialidade igualitária.
O senhor me diz bem que:
“O que interessa é a verdade, o conteúdo. Se o conteúdo for mau, mesmo que a língua seja maravilhosa, de nada vale. Um hereje pode ser hereje falando latim ou qualquer outra língua. Não é a língua que faz a diferença”.
Por isso, não basta rezar a Missa em latim, se nas frases em latim houver a ambigüidade certas fórmulas da Missa Nova. Mesmo em latim, algumas fórmulas da Missa Nova de Paulo VI — feitas por seis pastores protestantes — são criticáveis.
E ainda falando do texto em vernáculo, será que o povo entende o que significa a fórmula : “Santo, Santo, Santo, é o Senhor Deus dos exércitos?” (Sanctus, Sanctus, Sanctus, Dominus Deus sabbaoth!)
Será que o senhor não se ofende se lhe disser o que me parece óbvio: que poucos sacerdotes compreendem o que significa essa frase dos anjos revelada por Isaías?
E por que acredito que bem poucos sacerdotes compreendem essa frase? Porque praticamente ninguém estranhou a troca de “Deus dos exércitos” por “Deus do Universo”.
Ora, nosso Deus não é o Deus do universo. Nosso Deus é o Deus infinitamente transcendente, o Criador do universo. Deus do universo é Júpiter. É Zeus.
Deus do universo insinua panteísmo.
E será que se compreende o que significa a palavra Santo aplicada a Deus?
Entende-se o que é a transcendência divina?
Quantos compreendem que se diz três vezes Santo para distinguir a Trindade de Pessoas, e depois se afirma que essa Trindade é o Senhor, no singular, afirmando a Unidade de substância do Deus Uno.
Alguns, muito grosseira e tolamente, vêem uma conotação militarista na fórmula “Deus dos exércitos”, que evidentemente não faz referência às forças armadas, e sim às milícias dos espíritos angélicos, pois que, segundo Isaías, eram dois serafins que cantavam a transcendência divina.
E quem, nos seminários atuais, explica o que significa transcendência?
E essa palavra é de língua vulgar!
Padre, de nada adianta a Missa em português, porque bem poucos hoje, desgraçadamente, mesmo do clero, entendem o que é dito em português.
Exagero?
Claro que sei de bem honrosas exceções, entre as quais o incluo.
Mas elas parecem ser tão poucas…
Pois faça um teste, Padre.
Pergunte a sacerdotes de seu convívio, especialmente aos mais jovens ordenados depois do Vaticano II, o que significa Verbo, e como, e por que, está escrito que “No princípio era o Verbo”?
Tenho a certeza que muitos lhe dirão que esse “no princípio” significa “no começo”.
Só que em Deus não há começo.
São confusões de quem pensa que entende o vernáculo…
Confusões de quem aprendeu a Teologia modernista pós conciliar.
Pergunte ainda como Jesus é o Filho de Deus… Pois se Deus é puro espírito, e não tem corpo, como pode Ele ter um Filho?
E o senhor verá que explicações estapafúrdias lhe darão os “teólogos” modernos e moderninhos…
E eles pensam que entendem o português!…

“Coisas espantosas e estranhas se tem feito nesta terra: os profetas profetizaram a mentira, e os sacerdotes do Senhor aplaudiram-nas com suas mãos, e o meu povo amou essas coisas. Que castigo não virá, pois, sobre essa gente no fim de tudo isto?” (Jer. V, 30).

E não é verdade, Padre, que o Vaticano II mandou abolir o latim na Missa. Pelo contrário, mandou conservá-lo.
Veja, Padre, o texto do Vaticano II sobre a conservação do latim, na Missa:

“Salvo o direito particular, seja conservado o uso da língua latina nos ritos latinos.
“Contudo, já que, ou na Missa, ou na administração dos Sacramentos, ou em outras partes da Liturgia pode, não raro, o emprego da língua vernácula ser muito útil ao povo, permite-se dar-lhe um lugar mais amplo, principalmente nas leituras e admoestações, em algumas orações e cânticos, conforme as normas que a respeito disso serão pormenorizadamente estabelecidas nos capítulos seguintes” (Concílio Vaticano II, Constituição Sacrosanctum Concilium, n * 36, apud Compêndio do Vaticano II, Vozes, Petrópolis, 1969).

Dar um “lugar mais amplo” foi entendido como eliminar o latim.
É assim que o novo clero da Nova igreja — como eles a chamam — entende o vernáculo

O senhor reconhece que o Vaticano II foi mal interpretado. Entretanto, ele tem versões oficiais em vernáculo…
Se ele foi mal interpretado é porque foi ambíguo, e não foi claro em suas formulações. Daí, a divisão existente, hoje, na Igreja, entre os seguidores da “letra do Concílio”, e os seguidores do “espírito do Concílio”.
O Papa Bento XVI terá que escolher o caminho nesse dilema. E como disse, um jornalista, o Pontificado de Bento XVI se anuncia dramático.
Rezemos pelo Papa Bento XVI
Seguirá Bento XVI, na Liturgia, o que ele defendia quando era o Cardeal Ratzinger?
Ele defendia a Missa versum Deum e não mais versum Populum. E defendia preferencialmente o uso do latim. E o Cardeal Ratzinger condenou o rock na Missa como um “contra culto”. Se Bento XVI, restaurar a Missa em Latim, sem rock, e voltada para Deus, e não para o povo, a Missa nova perderá toda a “graça”.
Deixará de ser show, e acabarão os abusos que João Paulo II condenou, e que ninguém leva em conta. É como se João Paulo II tivesse falado língua que ninguém entende: o latim, a língua da Igreja.
Para mau entendedor nem longos decretos bastam.
Perdoe-me, Padre, “mon trop franc parler” – minha linguagem franca demais, e meu tom direto. Mas mesmo escrevendo em vernáculo é preciso ser claro.
Como na liturgia…
Antiga….
E em latim.

In Corde Jesu, semper,
Orlando Fedeli

PS Como o senhor me pede, não publicarei sua carta e nem o seu nome.
Creio, porém que não violo o seu pedido, se publicar somente a minha resposta, sem citar seu nome, e nem a sua missiva — para aproveitar meu texto, a fim de que seja útil aos leitores do site Montfort*.
Com todo o meu respeito e estima OF

 

 

*O professor Orlando Fedeli foi presidente da Associação cultural Montfort de 1983 a 2010.

image_pdfConverter em PDFimage_printPreparar para impressão