Orlando Fedeli
Max Scheler
- Localização: Campinas – SP,
Queria saber sobre o Marx Scheller, ele é filosofo cristão
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Prezado, salve Maria.
Max Scheller (1874-1928) foi um filósofo fenomenologista, preocupado especialmente com a filosofia dos valores. Conheceu Husserl na Universidade de Iena, mas não foi seu aluno. Para alguns comentadores, como, por exemplo, para Nicola Abbagnano (Storia della Filosofia, TEA, Milano, 1995 -1999, vol VI, p. 453) ele deve ser classificado como um filósofo fenomenologista, embora Frederick Coppleston, S. J.(A History of Philosophy, Image Books, New York, 1994, Vol. IX, p. 293), não o tenha por tal. De qualquer modo, ele pelo menos adotou o método fenomenológico de Husserl, e como a adoção de um método supõe a admissão pelo menos de alguns de seus princípios, fica difícil negar que Scheler seja um filósofo da escola fenomenológica.
Escreveu Scheler: “A fenomenologia não é o nome de uma nova ciência, nem uma palavra de substituição para filosofia, mas uma postura espiritual, como que se recebe algo para ver ou para viver, algo que sem ela permaneceria oculto, um dirigir-se para aqueles “fatos puros” que o homem e em geral, e mesmo o cientista, não sabe captar”(Max Scheler, Phänomenologie und Erkentntnistheorie, in Schriften aus dem Nachlass. Aos cuidados de M.S. Frings — München, 1957, p. 381, apud Anna Escher di Stefano, Max Scheler, a Dimensão Fenomenológica do Sagrado, in nella Filosofia del Sécolo XX, Ed Queriniana, Brescia, 1993, organ. por Giorgio Penzo e Rosino Gibellini, trad, Ed Loyola, São Paulo, 1998, p. 161).
Não há dúvida, então, sobre a liceidade da classificação de Scheler como filósofo de fundamentação fenomenológica, embora ele tenha discrepâncias e diferenças com relação ao pensamento. de Husserl.
Max Scheler influiu muito no pensamento de Hartmann, de Heidegger, de Edith Stein e, ainda, em Karol Wojtyla, o atual Papa João Paulo II.
O pensamento de Scheler, segundo ressaltam comumente seus comentadores, variou muito durante sua vida.
Quanto à metafísica e à religião, Anna Escher Di Stefano, no trabalho acima citado, distingue três fases no pensamento de Scheler: 1a.Fase: O problema de Deus pertenceria exclusivamente ao campo da religião, nada tendo a ver com a filosofia. A Metafísica, nessa questão, levaria apenas a mitos. Percebe-se nisso a influência de Husserl, para quem as provas da existência de Deus de São Tomás e de Aristóteles nada provariam, de fato. O que foi tese condenada pelo Concílio Vaticano I. Para Scheler, entretanto, contra Husserl, seria possível conhecer Deus apenas como Ens a se, absoluto e santo. É o período em que Scheler escreve Formalismus, Absolutsphäre, Vom Umsturtz der werte. 2a. Fase: Do livro Vom Wesen der Philosophie até o livro Probleme der Religion. Nessa fase, para Scheler, religião e metafísica seriam duas vias diversas para se chegar ao Ens a se. 3a.Fase: Inclui as obras Die Stellung des Menschen im Kosmos, Philosophische Weltanschauung, Die Formen des Wissens und die Bildung. Nesta terceira e última fase, a religião é que fala de mitos. Só a Metafísica seria competente para falar do Absoluto.
Sua obra mais importante foi publicada em 1923, e intitulou-se Essência e Forma da Simpatia.
Nessa obra, segundo afirma Abbagnano, ele fala de uma “fusão emotiva do homem com o cosmos vivente” (Max Scheler, Essência e Forma da Simpatia,pp.168ss) , através do amor sexual (N. Abbagnano, op. cit. p. vol. VI, p.460).
Houve, portanto, uma reviravolta do pensamento de Scheler sobre a religião.
Para Scheler, seria impossível dizer que o homem tivesse qualquer possibilidade de conhecer algo sobre o Absoluto e a salvação , se não existisse antes alguma coisa no próprio homem que possibilitasse isso.
“O homem, seja qual for o grau de desenvolvimento religioso em que se encontre, contempla uma região do ser e do valor radicalmente distinto de todo o resto do mundo da experiência. Esse é o axioma fundamental da originalidade da experiência religiosa. Todas as questões que se referem à religião natural, bem como todas as questões acerca da religião verdadeira ou falsa, portanto também todos os problemas acerca da sua justificação, pressupõem esse axioma” (Anna Escher Stefano, op. cit. P. 169).
Percebe-se bem nesse posicionamento a forte dose de Modernismo que afetava o pensamento de Scheler.
Inicialmente, Scheler havia condenado o panteísmo como “uma concepção muito primitiva, que joga de modo superficial com analogias sensoriais” (apud Anna Escher Di Stefano, op. cit. p. 170).
Essa autora mostra, porém, que Scheler adotará a posição que criticara anteriormente no panteísmo: “O mundo extra-espiritual não excluiria que antes e fora dessa força super potente (portanto, não necessariamente onipotente e infinita) haja também um segundo princípio fundamental igualmente originário como fundamento do mundo( uma energia cega ou uma matéria eternamente e em igual originalidade coexistente com Deus); e assim o dualismo ( como era ensinado pela antiga religião dos persas e pelo maniqueísmo) não estaria excluído; pelo contrário, seria verossímil”( Max Scheler, Probleme der Religion, op cit p. 192, apud Anna Escher Di Stefano, op. cit. p. 170).
Scheler admitia, pois, a verossimilhança do Maniqueísmo. É o que se pode chamar de “falar claro”!
O que espanta é que, apesar dessas afirmações claramente heréticas, haja católicos que pretendam admitir o pensamento desse filósofo.
Outrora os “domini canes” ladravam ao primeiro sinal de ataque à ortodoxia. Agora, parece que só há “cães mudos”, como diz a Sagrada Escritura…
No final de sua vida, Scheler defenderá uma doutrina claramente modernista e gnóstica: “De qualquer forma, no último Scheler, a relação do homem com o divino sofre uma reviravolta: o ser primeiro interioriza-se no homem no ato mesmo em que o homem se funda nele. O lugar, portanto, da auto-realização do ser, ou seja da unidade de impulso e espírito vem a ser o homem, o eu, o coração do homem. Homem e Deus são correlativos: o homem não pode realizar o seu destino sem participar dos dois atributos do ente supremo e sem ser imanente a ele. Mas nem mesmo o Ens a se pode realizar o seu próprio destino sem a cooperação do homem. O espírito e o impulso, os dois atributos do ser, não são completos em si, independentemente de sua mútua penetração; eles se desenvolvem justamente manifestando-se na história do espírito humano e na evolução da vida universal” (Die Stellung des Menschen im Kosmos, in Späte Schriften , Bern, 1955, p. 84, apud Anna EscherDi Stefano, op. cit., p. 172.O negrito é meu).
O “coração humano”, o eu como ponto de realização do ser: essas são fórmulas típicas da Gnose romântica, que Scheler repete, e que terão grande difusão em nossos dias.
“O homem, que, em Wesen und Formen der Sympatie, fora definido como “ideia eterna de Deus”, torna-se agora “o único lugar em que e pelo que o ser originário se auto compreende e se auto – reconhece”; não só isso, mas também “o ser em cuja livre decisão Deus pode agir e tornar sagrada a sua essência simples” (Philosophische Weltanschauung, in Späte Schriften, op. cit, p. 84, apud Anna Escher Di Stefano, op. cit. , p. 172- 173).
Para Scheler, “Só o empenho da própria pessoa abre a possibilidade de ‘conhecer’ o ser do Ens a se(das Sein des Durch-sich-seienden)” (Die Stellung des Mewnschen im der Kosmos, p. 71 apud Anna E. Di Stefano, op. cit.p. 173.).
Comentando essa frase, diz Anna E. Di Stefano: “Portanto, é sempre a metafísica que detém a resposta ao apelo do homem, contanto, porém que por metafísica entenda-se a esfera de ser absoluto como constitutiva da essência mesma do homem, bem como auto consciência ou a consciência do mundo” ( Anna E. Di Stefano, op. cit., p. 173).
Essa tese de Scheler acima citada, e o comentário que dela faz Di Stefano, colocam Scheler como gnóstico e pelagiano, pois ele identifica algo da essência do homem ao próprio Ens a se, assim como confunde natural e sobrenatural.
Talvez se duvide de nossa afirmação de que há uma caráter gnóstico no pensamento de Scheler. Para esclarecer esse ponto faremos uma longa citação de Anna Escher Di Stefano. Colocaremos em negrito, nas citações, as palavras que tornam mais explícita a Gnose de Scheler, e intercalaremos às citações, entre colchetes, os nossos próprios comentários: “A relação com o divino sofre, assim, uma reviravolta: Deus não mais existe para o homem, para apoiá-lo, mas o homem existe para Deus; é o lugar do seu fazer-se concreto sobre a Terra. A norma, o valor não são mais colocados em Deus, mas no próprio eu, na consciência da sua colocação no cosmos.’ “A nova posição de Deus leva, pois, a uma nova concepção de mundo. O mundo torna-se a história de Deus, o espaço onde se manifesta a sua racionalidade e irracionalidade. O Deus onisciente, onipotente, infinitamente bom do teísmo está no final do devir divino, mas no início da história do mundo. Ele constitui um fim ideal, que, como vimos, é alcançado quando o mundo torna-se o corpo de Deus”.
[Nossos negritos frisam a coincidência do pensamento de Scheler com o da Gnose romântica] “À doutrina teísta de um Deus, que falsamente atribui a Deus potência criadora e procura justificar o bem e o mal com o “mito” do pecado original, Scheler contrapõe um Deus que não é onipotente e pacífico, mas sofre, ama e tem piedade, um Deus que é imperfeito e busca, através da história do mundo, completar seu próprio ser.”
“O homem vem, assim, a ser divinizado, ao custo da humanização de Deus e, portanto, da rejeição de um salvador estranho à vida humana, de uma igreja propiciadora de graça. O fim da história não é uma vida além do mundo, mas é a história mesma enquanto divinização do homem, a cujo serviço está toda a civilização, toda a cultura, todo Estado, toda Igreja”. [Será preciso mostrar o que é evidente nesse parágrafo ? Scheler, rejeitando o Salvador e a Igreja, coloca sua fé no homem que se divinizará na história, e para cuja divinização trabalham, e devem trabalhar, culturas, Estados e Igrejas, exatamente como, hoje, se proclama na preparação e construção da Nova Ordem do Mundo – a Novus Ordo Saeculorum — que se espera atualizar-se, logo mais, no Terceiro Milênio, pela globalização, pela República Universal e, talvez, por uma “O R.U.”(Organização das Religiões Unidas), da qual o Papa seria o presidente… honorário… ? ] “Do teomorfismo do homem passamos ao antropomorfismo de Deus: o homem é a medida do mundo e da divindade. À pergunta: por que existe o ser e não antes o nada, o último Scheler responde: para que o homem se torne Deus. Não mais o ser, mas o homem é o núcleo da metafísica”
[Constitui-se assim, graças ao pensamento de Scheler, um novo Deus: o homem. E tudo– Igreja e Estado — só devem visar o culto do homem…E esse novo culto, essa nova religião encontrou eco nos lugares mais inesperados, e na palavra de pessoas que nunca se supunha pudessem adotar o culto do Homem, renegando o culto de Deus altíssimo e transcendente, daquele Deus que canta os serafins dizendo: Santo, Santo, Santo, é o Senhor Deus dos exércitos”].
“Ou seja, Scheler, esquecido das críticas que dirigira alguns anos antes ao panteísmo, não só admite um duplo princípio originário, mas além disso atribui ao impulso uma potência maior do que a atribuída ao espírito”.
“No momento em que o homem e Deus tornam-se, ao mesmo tempo, a norma e o fundamento do processo cósmico, o problema do “sistema de conformidade” (Konformitätssystem) perde sua razão de ser, para ceder o lugar àquela posição gnóstica, rechaçada por Scheler no seu período teísta”.
[Evidentemente, aqui a comentadora de Scheler, Anna Escher Di Stefano, comete o equivoco comum de confundir Panteísmo e Gnose. Scheler continuou condenado o panteísmo, mesmo quando explicitou a Gnose que estava embutida, desde o princípio, em sua doutrina].
(Todas estas frases citadas acima, entre aspas, foram retiradas do texto de Anna Escher Di Stefano, op. cit, p. 172).
É claro que a reviravolta, ou melhor, a explicitação da Gnose de Scheler, provocou uma mudança de perspectiva em sua explicação do surgimento da religião.
“A primeira fonte do saber religioso — segundo Scheler — não são sempre e em toda parte, como durante muito tempo se pensou, o animismo e o culto dos antepassados, e ainda menos as inferências metafísicas da razão, mas um contacto-de-experiências entre aqueles que o grupo considera pessoas excelentes e o sagrado”( Anna E. Di Stefano, op. cit., p. 173).
Não cremos que seja necessário salientar a coincidência da “experiência religiosa” exposta por Scheler e a “experiência religiosa” modernista, como fonte da revelação e da religião…
Quem tiver olhos para ver que veja. Quem tiver ouvidos para entender, que entenda.
Para Scheler, “as fontes das idéias do sagrado surgem de um contexto muito heterogêneo: das tradições dos grupos familiares predominantes, das gentes, e das tribos; das intuições dos “homines religiosi”, carismáticos, intuições que se exprimem em fatos, doutrinas, instituições ou que são simplesmente transmitidas e registradas nos chamados “livros sagrados”; do exercício das práticas rituais e culturais, como fontes da experiência religiosa das ideias metafísicas acerca de Deus e do problema da salvação”. ( Anna E. Di Stefano, op. cit. , p. 175).
Como resultado de toda essa elocubração, “a pessoa divina, de “pessoa das pessoas”, de “a única pessoa perfeita e pura”, de pessoa-amor absoluta”, passa a ser espírito impessoal, e a pessoa humana transforma-se em “auto concentração individual e única do espirito divino”. O homem apresentado em Wesen und Formen der Sympathie como “idéia eterna de Deus”, torna-se um microtheós, cujo dilaceramento não depende da oposição ontológica entre corpo e alma, mas da oposição entre vida e espírito, própria também do princípio de todas as coisas” (Anna E. Di Stefano, op. cit., p. 176).
“O homem de Scheler busca Deus, não importa se um Deus-pessoa ou um Deus situado no próprio coração do mundo e do eu”( Anna Escher Di Stefano, op. cit., p. 177).
Toda esta exposição do pensamento de Scheler, fundamentada no comentário de Anna Escher Di Stefano, torna claro o comentário de Nicola Abbagnano sobre a doutrina de Scheler exposta no livro Wesen und Formen der Sympathie. Segundo Abbagnano, para Scheler é possível “uma fusão emotiva do homem com o cosmos vivente”, que se verificaria no ato do amor sexual” (Nicola Abbagnano, Op. cit. Vol. VI , p. 460) .
Aliás, também essa doutrina da realização da união do homem com a divindade através do amor sexual foi típica do autores românticos: Frederico Schlegel e Clemens Brentano falaram disso.
Como você pode ver, meu caro Wildes, no pensamento de Scheler nada há de cristão, eis que, para o Catolicismo: 1) o universo não é vivente; 2) não é possível uma fusão do homem com o cosmos. Tal fusão parece ter uma clara influência do pensamento gnóstico do Romantismo.
3) A afirmação de que é possível alcançar essa fusão através do amor sexual piora ainda mais o caso.
Scheler trata ainda da possibilidade de “uma união mística entre a essência da pessoa espiritual, e a ideia desta essência, tal qual repousa em Deus” (Cfr. Nicola Abbagnano, op. cit, vol. VI , p. 460) Conforme Abbagnano, “Scheller acentuou o conceito de solidariedade entre todos os seres vivos, até chegar a uma solidariedade universal, que incluísse juntamente o mundo e o próprio Deus”(Philosofische Weltanschauung, 1929, p. 71, apud Nicola Abbagnano, op. cit., vol VI. p. 460. O negrito é meu).
Por isso, por meio dessa solidariedade, a história — e este é um pensamento típico da Gnose romântica — a história humana seria uma manifestação do próprio devir de Deus. Deus se realizaria na História, ideia claramente gnóstica e romântica. ( cfr. Nicola Abbagnano, op. cit, Vol. VI, p. 460).
Convém ainda lembrar que, para Scheler, o conhecimento humano contribui para a realização mais alta da alma humana, ajudando sua solidariedade com os outros e com a Divindade. Pelo conhecimento humano, as próprias coisas se solidarizariam com a Divindade, coisa que, por si, jamais poderiam fazer. Através também do conhecimento, o homem poderia dominar o mundo (cfr. Nicola Abbagnano, op. cit. Vol. VI p. 461).
Não quero encerrar sem chamar a atenção sobre o termo solidariedade –que coloquei sempre em negrito — para lembrar o valor quase mágico que essa palavra adquiriu em nossa época.
In Corde Jesu, semper,
Orlando Fedeli