Orlando Fedeli
Retorno do Filho Pródigo (acordo Roma-FSSPX)
- Localização: Rio de Janeiro – RJ
Prezado Prof. Fedeli
Gostaria de manifestar minha estranheza com relação ao posicionamento de Vossa Senhoria ao comentar o recente encontro entre S. Santidade Bento XVI e Mons. Bernard Fellay, Superior Geral da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, sendo certo que o mesmo pode ser encontrado no espaço de “última notícias” existente no sítio Montfort*.
A razão de tal sentimento deve-se ao fato da complacência com a qual Vossa Senhoria reportou-se a um cismático excomungado pela Santa Igreja.
O Sr. há de convir que tal postura não é usual de sua parte com relação a pessoas em tal situação jurídico-canônica e de ordem espiritual, eis que a mesma exclui o cristão da comunhão dos santos e da recepção dos sacramentos, podendo comprometer até mesmo a salvação eterna, em que pese acreditar, conforme ensinou o Senhor e ensina a Igreja, que Deus está sempre pronto a receber de volta o pecador, a começar por mim, apesar de não me encontrar em situação de excomunhão.
Ora não há maior reconhecimento público de pecado e erro do que a excomunhão.
Da mesma forma não compreendi sua empatia para com os dois excomungados Dom Lefebvre e de Dom Mayer, sendo certo caber a Deus e não a mim fazer juízos sobre salvação eterna, mas por outro lado, lembrando que em pública rebeldia realizaram ordenações episcopais sem a compulsória intervenção do Bispo de Roma, necessária para legitimá-las.
O que diferenciaria tais personagens dos ortodoxos, a quem o Sr. se refere sistematicamente com a alcunha desairosa de cismáticos?
Acaso não teriam incorrido nas penas previstas no cânon 1364 c/c cânon 751 do Código de Direito Cânonico?
Contando com uma resposta a altura de sua inequívoca cultura e argúcia.
Respeitosamente, como convém no Senhor.
————————
Muito prezado Dr.
Salve Maria!
Sua carta me fez lembrar do irmão do filho pródigo. Foi ele quem se zangou com a alegria do pai pelo retorno do irmão que andou pelo mundo a comer bolotas.
Claro que não admito que Dom Lefebvre e Dom Myer tenham sido excomungados realmente, e que andaram a comer bolotas. Eles mantiveram a Missa de sempre. Eles — mesmo sofrendo incompreensão e penas graves — mantiveram acesa a tocha da fidelidade. A fidelidade heróica deles lembra a fidelidade de Santo Atanásio, que também foi injustamente excomungado.
Foi Dom Corso que certo dia me explicou que a excomunhão de Dom Lefebvre e de Dom Mayer era duvidosa, dizendo-me que a excomunhão só produz efeitos canônicos, nesses casos, se o penalizado realmente cometeu o pecado que lhe é imputado.
Ora, Dom Lefevre e Dom Mayer jamais negaram que o Papa era o legítimo chefe da Igreja, e sempre proclamaram que queriam estar unidos a ele.
Se o senhor argumentasse com o caso dos Tribunais da Fraternidade, dar-lhe-ia certa razão. Mas, mesmo com os Tribunais – que eu acusei de cismáticos — a Fraternidade Sacerdotal São Pio X, fazendo um acordo com Roma, liquidaria a questão, e qualquer católico deveria se alegrar com a união deles com Roma e com sua submissão ao Papa.
Sua carta revela tristeza e até uma certa zanga pelo fato de o Papa fazer um acordo com Dom Fellay.
Por que ?
Quereria o senhor a desavença?
Meu caro Dr., venha participar do jantar que o Pai de misericórdia ofereceu pelo retorno de um filho, até matando um boi gordo.
Repito-lhe: eu é que não entendo sua zanga e sua incompreensão.
Preferiria o senhor que Dom Fellay não se reunisse com o Papa e que não houvesse paz?
Concordo com o senhor, quando observa, que minha atitude para com Dom Fellay — do qual estou separado, até agora — não é a usual que tenho para com “pessoas em tal situação jurídico-canônica e de ordem espiritual”.
Pois é claro que não.
Dom Fellay e os lefrevistas nunca foram hereges, e sempre lutaram fielmente contra a heresia modernista que assola a Igreja desde o Vaticano II.
O senhor não acredita nisso?
Pois lhe cito um texto do Cardeal Ratzinger — é o atual Papa Bento XVI — e dito por ele em retiro para o Papa João Paulo II e para todos os Cardeais da Cúria, em 1983: (Faz tempo, hein?)
“A Teologia moderna está muitas vezes procurando uma certeza científica no sentido das ciências (naturais, empíricas); e, procedendo deste ponto de partida, é forçada a reduzir o ambiente bíblico às dimensões desta demonstrabilidade. Penso que este erro ao nível da certeza reside no âmago da crise modernista que reapareceu depois do Concílio” (Joseph Cardeal Ratzinger, O Caminho Pascal, Loyola, São Paulo,, p. 28).
Que tal?
O senhor vê, caro Doutor, que Monsenhor Lefebvre e Dom Mayer tinham razão em combater o Modernismo renascido e rejuvenescido pelo Vaticano II.
Compreendeu agora minha “empatia” com Dom Lefebvre e com Dom Mayer?
Pois quero dizer-lhe mais sobre minha “empatia”, porque esse termos não é suficiente.
Fui bem amigo de Dom Mayer, e só vi Dom Lefebvre uma vez. Concordei — e concordo — com eles no combate deles ao modernismo do Vaticano II.
Por eles não tenho só “empatia” ou simpatia.
Tenho muito mais: tenho admiração e fidelidade amiga a Dom Mayer, que foi muito meu amigo. Tenho admiração por muitos padres da Fraternidade que –sei — guardaram amizade para comigo, apesar da divergência sobre os Tribunais. Também à amizade deles sou fiel, porque eles são fiéis à Igreja, e inimigos da heresia modernista.
Discordei dos lefrevistas, e me separei deles, quando eles fizeram tribunais com pretensos poderes para tratar da nulidade do vínculo matrimonial, coisa que só cabe ao Papa. Fui eu quem denunciou esses tribunais por amor a Roma e à Igreja.
Separei-me então dolorosamente deles, o que me trouxe a perseguição do atual Dom Rifan, que negava a existência desses Tribunais (agora, ele confessa que eles existiam, e até os ataca…. O senhor sabe, Dr., a Mitra traz prudência…).
Jamais deixei de reconhecer que os lefrevristas lutavam pela Fé contra a heresia modernista. Jamais deixei de rezar pelo acordo correto — não “campista” — deles com Roma. Agora que se anuncia esse acordo — esse “consenso” de Dom Félay com o Papa, só podia me alegrar. Qualquer católico sincero tem que se alegrar com o retorno de uma ovelha ao aprisco do único pastor.
Quanto mais um retorno que implica no reconhecimento da fidelidade de Bispos bem fiéis à ortodoxia!
Estranha-me, então, sua estranheza.
Respondi-lhe mais do que com cultura e argúcia, com fidelidade, antes de tudo, ao Papa, à Igreja e a meus Bispos amigos, já falecidos, e que combateram heróica e santamente as heresias que renasceram pujantes após o Vaticano II.
Foi o Cardeal Ratzinger quem o disse.
E ele é hoje o Papa Bento XVI.
É ele o Papa que vê os lefrevistas com olhar semelhante ou coincidente com o meu.
É ele o Papa que está trazendo a barca de Pedro para a coluna da Hóstia e para a coluna da Virgem, como foi anunciado no sonho de Dom Bosco, e como se vê no Terceiro segredo de Fátima.
“Dunque, é lui”, disse Dom Fellay recentemente.
Engano-me?
Desejo! Ardentemente desejo,
E o seu olhar, Dr., olha com raiva o filho que o senhor julga erradamente pródigo?
E mesmo que o senhor tivesse razão no julgamento canônico dos lefrevistas, o senhor estaria errado do mesmo modo, por entristecer-se com o retorno de alguém a Roma.
Festejemos pois, Dr..
Convido-o para a festa que será feita …”em tempo razoável…”.
Bradaremos então juntos Viva o Papa,
E também Viva Dom Lefebvre! Viva Dom Mayer!!!
E nesse dia gritarei ainda Viva Dom Fellay!
Mesmo que me guardem rancor pelos Tribunais denunciados.
Luto pela Fé e não para ter amigos.
In Corde Jesu, semper,
Orlando Fedeli
*O professor Orlando Fedeli foi presidente da Associação Cultural Montfort de 1983 a 2010.