Fábio Vanini
NOTRE DAME EST LÀ!
“Ignem veni mittere in terram et quid volo nisi ut accendatur” (Lc 12,49)
O mundo todo assistiu, live e emudecido, a uma das mais belas catedrais medievais do mundo arder. Os católicos choraram in unum clamor, diante das imagens das altas labaredas que a fachada mais bonita de toda a arte humana não pôde conter. O gótico radiante flamejou.
Os protestantes e ateus, como em revoluções de outrora, não se contiveram em sua alegria online, e praguejavam pelo mundo conectado. O Estado Islâmico vibrou e reivindicou a si a autoria do fogo – pois aos terroristas interessa, sobretudo, o terror, para que pareçam grandes. É um poder somente de fachada, já que neles não há doutrina e nem graça.
Aliás, da catedral, graças ao verdadeiro e poderoso Deus, sobrou a bela fachada, dentre boa parte de sua arquitetura. Graças a Nossa Senhora – Notre Dame – que estava lá. Stabat Mater. Veem os tolos uma coluna de pedra, onde se apoia o pedestal da imagem. Enganam-se. Foi a Mãe de Deus que sustentou as colunas.
Dom Bosco viu em sonho as colunas da Eucaristia e de Nossa Senhora sobreviverem às ondas do mar, simbolizando a agitação do mundo. As colunas nem se abalavam com a força das violentas vagas, que quase viraram o navio da Igreja. Também a coluna de Notre Dame de Paris ficou intacta. Pois o que sustenta a Igreja é Notre Dame.
O incêndio na igreja começou por cima, pelo telhado. Não se pode dizer cúpula, pois o gótico não tem cúpula – com exceção da excêntrica catedral de São Paulo. Impossível não se pensar logo no incêndio do teto, que está por cima e cobre a estrutura da Igreja, como um símbolo. Teto desta Igreja “piramidal”, expressão que os teólogos vermelhos espalham em escárnio e o clero progressista repete nos sermões. É preciso livrar-se dela, deste teto elitista.
O papa emérito Bento XVI acabava de publicar um singelo e explosivo artigo*, que pôs fogo no teto de Notre Dame de Paris. Ali, de joelhos, acendeu o estopim, apontando a culpa da corrupção avassaladora do clero de hoje na libertinagem propalada durante o tempo do Concílio Vaticano II.
Pelo Concílio Vaticano II, entenda-se!
Toda a cúpula da Igreja ficou contaminada, desde os seminários! Todo o teto cedeu. Os fiéis que choraram ao ver o teto desabar, choraram em desabafo ao ver o clero jubilado desabando.
O método adotado pelos conciliaristas era o oposto ao método da Igreja de sempre, denuncia o papa emérito. Tentou-se uma nova Igreja que fracassou – estende-se Bento XVI, jogando querosene no telhado de cobre. As reações pelo mundo todo, especialmente das telhas de cobre da teologia modernista reinante, fizeram uma cortina de fumaça, querendo como que sufocar e silenciar Bento XVI, no fumo da raiva sem argumentos.
Um papa que reinou por quase oito anos conhece bem os porões e sacristias de sua Igreja. Sabe bem onde estão os seminaristas e capelães da nova Igreja de vidro fumê, que se opôs à velha Igreja do Dominus vobiscum. Renunciou, é verdade, ao papado. Mas, trazia à mão um valioso dossiê sobre a corrupção do seu clero. Este homem é um arquivo vivo. A voz do papa emérito é que causou o incêndio. Prendam este papa!
Salvou-se a Coroa de espinhos de Cristo-Rei, em memória das Cruzadas, pois Deus não é contra a nobreza nem a realeza, nem contra a autoridade.
Deus quer a desigualdade.
Por isto preservou as relíquias dos santos, separados dos homens pelas mãos do Senhor.
Preservou as imagens dos apóstolos e evangelistas, embora do século XIX, pois Cristo veio trazer fogo e divisão à terra por meio deles, e queria Ele que este fogo de zelo e sabedoria se alastrasse ao orbe terrestre.
A rosácea ficou intocada, pois quis Deus que fosse imaculada e permanecesse a sua desigualdade de cores, na unidade da pedra. Os tesouros também restaram, pois é mentira que a Igreja tem que ser pobre, tendo o menino Deus sido presenteado outrora com ouro.
A Revolução Francesa arrancou as cabeças dos católicos e decapitou os santos de pedra de Notre Dame de Paris. Quase dois séculos depois, a Revolução de 68 terminou por decapitar as consciências, ateando fogo à paz – que é a tranquilidade na ordem, como ensinou São Tomás, tão íntimo da Universidade de Paris.
Curiosamente, em maio de 1968, da Sorbonne, a Universidade que teve início na escola de Notre Dame de Paris, incendiava-se o mundo… e o clero. Assim notou o emérito papa. Seus inimigos, em fúria de atingidos, riram-se do velho, decrépito e enclausurado teólogo bávaro, fechado às vozes do mundo.
E, ontem, viu-se, na fogueira da noite – fazia frio no coração de Pedro! – o teto consumir-se e desabar. Tal qual holocausto, sacrificou-se sobre o altar da Missa de Paulo VI que ficava no centro da catedral.
Santo Elias fez cair fogo do céu e consumir as vítimas de expiação sobre o altar de pedra, para que restasse a verdadeira religião do único Deus. No século XXI, Deus mandou fogo do céu para que restasse a missa de sempre. O Altar-mesa foi consumido pelas brasas junto ao seu teto, deixando somente cinza e pó. Este foi o sacrifício da nova Missa na velha catedral, que se consumou com o fim do que havia para ser consumido.
Restou a pedra.
Restou de joelhos, com fé, o povo em união de oração, de rosários pendentes, de corações ao alto. Permaneceu de pé a catedral de pedra, pois a Igreja de Pedro é edificada por Cristo para prevalecer para sempre.
A igreja estava lá. Notre Dame estava lá. E com ela, a coluna da Missa de sempre. Notre Dame estava lá, sustentando a coluna.
E, por fim, do coração da catedral, via-se o céu que, na aurora da manhã, iluminou o velho altar de pedra ao fundo, incólume, com as velas que resistiram ao calor das chamas prontas para serem novamente acesas. Introibo ad altare Dei.
16 de abril de 2019 – Terça-feira da semana da Paixão
Em tempo: devo minha conversão, em parte, à explicação que recebi do professor Orlando Fedeli sobre a fachada de Notre Dame de Paris.
(*Original em alemão: Klerusblatt, 11/4/2019)