Daniel Aguiar
ONDE ESTARIAM ADÃO E EVA, NO CÉU OU NO INFERNO?
Traduzido do site Aquila Writings (https://aquilablog.substack.com/p/adam-and-eve-in-heaven-or-hell)
[Cristo no Limbo, Buoninsegna Duccio (c. 1308) – Cristo chega ao limbo para libertar seus antepassados: ao ajudar Adão a se levantar, ele pisa em um hediondo Satanás, que jaz vencido e cego de raiva (Crédito WGA)]
Quando começamos a aprender a fé católica, ficamos chocados com as consequências do Pecado Original cometido por nosso primeiro pai, Adão, e logo queremos imaginar como seria um mundo se Adão não tivesse pecado. Esse pensamento, por vezes, também alimenta uma antipatia por Adão e Eva. Mas qual não é a nossa surpresa quando aprendemos que a Igreja afirma que Adão e Eva foram salvos.
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O Catecismo da Igreja Católica, no número 635, cita um antigo sermão explicando que houve um “grande silêncio” após a morte de Nosso Senhor. Foi Cristo que descia ao inferno em “busca de Adão” para libertá-lo da tristeza:
“Um grande silêncio reina hoje sobre a terra; um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio, porque o rei dorme. A terra estremeceu e ficou silenciosa, porque Deus adormeceu segundo a carne e despertou os que dormiam há séculos […]. Vai à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Quer visitar os que jazem nas trevas e nas sombras da morte. Vai libertar Adão do cativeiro da morte. Ele que é ao mesmo tempo seu Deus e seu filho […] ‘Eu sou o teu Deus, que por ti me fiz teu filho […] Desperta tu que dormes, porque Eu não te criei para que permaneças cativo no reino dos mortos: levanta-te de entre os mortos; Eu sou a vida dos mortos.’” (Catechism Catholic Church, 1995, §635).
De fato, durante a Idade Média, a Igreja Católica chegou a celebrar a festa de Adão e Eva no dia 24 de dezembro (Philip Kosloski, 2017), um dia antes da Natividade de Nosso Senhor.
Com Cristo vindo para nos redimir do pecado original, uma variedade de simbologias emergem da queda de Adão e Eva e da restauração trazida por Cristo.
Aqui estão alguns exemplos dessa simbologia em forma de comparação feita por Santo Irineu:
- Entre Adão e Cristo:
- “o pecado do primeiro homem criado recebe reparação pela correção do filho primogênito (de Deus)” (Irenaeus, 2019, pp. 469-470)
- Entre Eva e Maria:
- “Assim como a raça humana virou escrava da morte por meio de uma virgem (Eva), assim ela é resgatada por uma virgem (Maria)”
- “A desobediência virginal (de Eva) foi equilibrada na balança oposta pela obediência virginal (de Maria)” (ibid. p. 469)
- Entre a árvore do paraíso e a cruz:
- “‘Ele se tornou obediente até a morte, até a morte da cruz;’ (Filipenses 2, 8) retificando aquela desobediência que ocorreu por causa de uma árvore, por meio daquela obediência que foi (trabalhada) na árvore (da cruz).” (ibid. pp. 463-464)
Agora, voltando à salvação de Adão e Eva, o mesmo Santo Irineu, no II século, trata de uma seita gnóstica herética chamada Encratitas que, entre outras coisas, dizia que Adão e Eva estariam no inferno.
Santo Irineu repreende-os, explicando que era oportuno que Adão fosse salvo para não restar dúvidas de que o inimigo foi derrotado. A obra da salvação foi realizada por Cristo e realizada de forma excepcional para que não apenas seus filhos fossem salvos, mas também ele, nosso primeiro pai, “que foi tão profundamente ferido pelo inimigo”, fosse libertado do cativeiro:
“visto que o homem é salvo, é (também) adequado que aquele que foi criado, o homem original (Adão), seja salvo. Pois é muito absurdo sustentar que aquele que foi tão profundamente ferido pelo inimigo e foi o primeiro a sofrer cativeiro não fosse resgatado por Aquele que derrotou o inimigo, mas que seus filhos fossem — aqueles a quem ele gerou no mesmo cativeiro. Tampouco o inimigo pareceria ter sido conquistado, se os antigos despojos permanecessem com ele.” (ibid. p. 288)
Alguns séculos mais tarde, Santo Agostinho já reconhece que a salvação de Adão “é aceita por quase toda a Igreja” [1]. Ele também aponta que esse entendimento foi transmitido pela Tradição, não sendo encontrado expressamente nas Sagradas Escrituras. No entanto, ele também reconhece que é a opinião mais comum que no livro da Sabedoria (10, 1-2) existem apontamentos sobre essa afirmação.
“[1] Foi ela que guardou o primeiro homem formado por Deus, para ser o pai do gênero humano, quando foi criado só; [2] (foi ela também que) o tirou do seu pecado, e lhe deu poder para governar todas as coisas.” (Sabedoria 10)
Na Bíblia Comentada de Haydock, lemos que, por essa passagem, “está claro que nosso primeiro pai se arrependeu (Worthington) e foi salvo”.
Já em Gênesis 5, está escrito que “[5] Todo o tempo que Adão viveu foi de novecentos e trinta anos, e morreu”, e nos comentários da Haydock lemos:
“Adão morreu penitente, como nos assegura o Espírito Santo. Sab. x. 2.; e a tradição afirma o mesmo de Eva, tanto que a heresia dos encratitas, que condenaram nossos primeiros pais ao inferno, explodiu de horror. Epip. S. Aug. in hæres. Tirinus”.
Por fim, antigas pinturas de Cristo libertando Adão, Eva e os Patriarcas do Antigo Testamento são encontradas ao longo da história da Igreja, mostrando que essa já é uma devoção antiquíssima.
Aqui, por exemplo, está um belo afresco na igreja de São Francisco em Assis, Itália, onde vemos “O encontro entre as mãos de Cristo e Adão” no Limbo.
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Assim, à luz de Santo Agostinho, Santo Irineu e do Catecismo da Igreja Católica, vemos que Adão e Eva, pela graça de Deus, pela tremenda eficácia das obras de salvação e com sua emenda e arrependimento foram resgatados do Limbo, salvos por Nosso Senhor.
Bibliografia
- Catechism Catholic Church (1995). Catechism of the Catholic Church. [online] www.vatican.va. Available at: https://www.vatican.va/archive/ENG0015/__P1R.HTM [Accessed 21 Feb. 2023].
- Hippo, A. (1887). Letter 164. [online] NewAdevent. Available at: https://www.newadvent.org/fathers/1102164.htm [Accessed 21 Feb. 2023].
- Irenaeus (2019). Against Heresies. Kindle Edition ed. Veritatis Splendor Publications.
- Philip Kosloski (2017). Happy Adam and Eve Day! [online] Aleteia. Available at: https://aleteia.org/2017/12/24/happy-adam-and-eve-day/ [Accessed 21 Feb. 2023].
Notas de Rodapé
[1]: “Quanto ao primeiro homem, o pai da humanidade, quase toda a Igreja concorda que o Senhor o libertou daquela prisão; um princípio que se deve acreditar ter sido aceito não sem razão – de qualquer fonte que tenha sido transmitido à Igreja – embora a autoridade das Escrituras canônicas não possa ser apresentada como falando expressamente em seu apoio, embora isso pareça ser a opinião que é mais do que qualquer outra corroborada por essas palavras no livro da Sabedoria. (Sab 10,1-2) ‘Alguns acrescentam a esta tradição que o mesmo favor foi concedido aos homens santos da antiguidade – a Abel, Seth, Noé e sua casa, Abraão, Isaque, Jacó e os outros patriarcas e profetas, eles também foram libertados dessas dores no momento em que o Senhor desceu ao inferno’” (Hippo, 1887).
