Racismo e Eugenia

Data

Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no linkedin
Compartilhar no email
Compartilhar no whatsapp
Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no linkedin
Compartilhar no email
Compartilhar no whatsapp
image_pdfConverter em PDFimage_printPreparar para impressão

Marcelo Andrade

Racismo e Eugenia

O racismo é a tendência do pensamento, ou o modo de pensar, em que se dá grande importância à noção da existência de raças humanas distintas e superiores umas às outras. Coisa que infelizmente sempre houve na humanidade e ainda há. O racismo não se confunde com escravidão, já que brancos já escravizaram brancos, negros, indígenas e chineses também já escravizaram seus semelhantes. Porém, um pode levar ao outro. Há de se ressaltar que o racismo não é somente em relação a “cor”, mas também em relação a povos diferentes de mesma tez.

Há uma relação entre paganismo e racismo, já que muitas sociedades pagãs tendiam ao racismo. O racismo também é um erro de pensamento, já que os homens são semelhantes (e não iguais), de modo que os homens têm a mesma natureza, mas possuem acidentes diferentes, o racismo impõe que os homens teriam natureza diferente, o que “justificaria” a “inferioridade” de algumas “raças”. A Igreja Católica sempre atacou o racismo, que, aliás, é um pecado grave e por isso, o racismo sempre foi mais forte em ambiente protestante.

Desde a reforma protestante, a Inglaterra foi um epicentro de ideias racistas, o racismo neste país foi crescendo ao longo do tempo, a relação com os irlandeses, por exemplo, já no século XVII, mostra isto, os ingleses se achavam uma civilização superior, tratavam os irlandeses como bárbaros subalternos e qualificavam-nos como sujos, preguiçosos, assassinos e pagãos (TAYLOR, 2001, p. 123). O casamento entre ingleses e irlandeses era proibido a fim de se evitar “degeneração do povo inglês”, segundo um estatuto de 1336 (ELLIOTT 2007, p. 80).

O comandante inglês, Humphrey Gilbert, por exemplo, em uma das inúmeras campanhas inglesas contra a Irlanda (séc. XVII) tratava os irlandeses como bestas, impondo terror e intimidação contra eles, chegou a decorar o caminho de sua tenda com crânios de irlandeses (TAYLOR, 2001, p. 123). O vaidoso primeiro-ministro inglês, Benjamin Disraeli (1804-1881), um típico “dandi”, odiava a religião católica e os irlandeses:

Os irlandeses detestam nossa ordem, nossa civilização, nossa indústria, nossa religião pura. Esta selvagem, imprudente, incerta e supersticiosa raça não tem simpatia com o caráter inglês. Seus ideais de felicidade humana são a alternância de tumultos entre os clãs e a idolatria grosseira. Sua história descreve um inquebrável ciclo de fanatismo e sangue. (CAHILL, 1995, p. 4)

Este ódio contra os irlandeses se espalhou pelas colônias e ex-colônias inglesas, especialmente, Austrália e Estados Unidos[1]. Não era somente contra os irlandeses que o ódio racista era destilado. Os ingleses foram racistas contra os negros, índios e indianos etc., como fica patente no trabalho. Muitos na Inglaterra se julgavam superiores a todos os outros povos,mesmo comparado aos brancos. O megalomaníaco Cecil Rhodes, por exemplo, explorador da África e fundador da The Bears, disse:

Eu afirmo que nós somos a raça mais bela do mundo e que quanto mais do mundo habitemos é melhor para a raça humana … É o nosso dever de aproveitar todas as oportunidades de adquirir mais território e devemos manter essa idéia firmemente ante nossos olhos, que mais território, simplesmente, significa mais da raça anglo-saxão, mais do melhor, a raça mais honrosa, mais humana que o mundo possui. (FLINT, 2009, p. 24)

Políticos do século XIX, como Joseph Chamberlain e Milner também achavam que os ingleses eram superiores a todos e podiam governar o mundo como raça senhorial (FERGUSON, 2003, p. 277).

A Inglaterra foi terra fértil onde se desenvolveram bem ideias como o racismo, a eugenia e o darwinismo social. E essas ideias encontram forte eco na Alemanha e em outros locais.  Houve uma pseudociência que estabelecia uma hierarquia de raças humanas, conhecida como “racismo científico”, o qual colocava o homem branco europeu como superior a todos os outros e esta falsa ciência também criou subdivisões entre os próprios brancos, apregoando que determinados europeus seriam superiores a outros. Desta forma, por exemplo, foi forte um pensamento na Inglaterra que sustentava que os britânicos seria o povo superior a todos os outros. E na Alemanha também, Hitler achava que os alemães deviam escravizar os eslavos em razão de sua superioridade. Nos Estados Unidos, o crescente expansionismo do país era visto como prova de superioridade da raça teutônica dos “anglo-saxões” em relação aos “mediterrâneos”, por exemplo.

Charles Darwin (1809-1882), um dos cientistas mais afamados da história, pouco antes de morrer, escreveu:

Eu poderia mostrar que a luta na seleção natural fez e ainda tem feito mais para o progresso da civilização do que você parece inclinado a admitir. Lembre-se que o risco que as nações da Europa correram, não há tantos séculos, de serem oprimidas pelos turcos, e quão ridícula essa ideia agora é! As mais civilizadas, as chamadas raças caucasianas venceram os vazios turcos na luta pela existência. Olhando para o mundo, em data não muito distante, um número indeterminado de raças inferiores será eliminado pelas mais civilizadas raças em todo o mundo. (HIMMELFARB, 1968)

Em uma viagem feita, na qual passou pela Tasmânia, logo depois da “black war”, Darwin comentou: “(…)Todos os aborígenes foram removidos para uma ilha no estreito de Bass, desta forma a “Terra de Van Diemen’s” (Tasmânia) goza da grande vantagem de ficar livre de sua nativa população(…)” (grifos nossos)[2] Segundo Johnson (2013, p.110), Darwin enxergava a diminuição ou mesmo extinção dos aborígenes na Argentina, Nova Zelândia e Austrália pelas “raças mais fortes” como algo natural e, por isso, bem-vindo.

O Darwinismo minou a moral tradicional e os valores da vida humana, então, o progresso evolutivo passou a ser o novo imperativo moral (WEIKART p.3). Não é a toa que Marx elogiou o trabalho de Darwin:

Apesar do desenvolvido no tosco estilo inglês, este é o livro que contém a base para a nossa visão da história natural.”. (WEIKART p. 4) E meses depois também escreveu a Lassalle: “o livro de Darwin é muito importante e me serve como base da luta histórica das classes. Apesar de todas as insuficiências […] é um golpe de morte aplicado na ‘teleologia’ pelas ciências da natureza (WEIKART, p.1)

Marx (e depois outros socialistas) defenderam o extermínio de povos. Assim Engels escreveu em 1849 no jornal “Neue Reinische Zeitung”, no qual disse que depois da Revolução comunista, haveria sociedades primitivas na Europa (como bascos, escoceses, sérvios etc.) que ele chamava de lixo racial que deveriam ser eliminados. Marx e Engels falavam mal dos eslavos e defendiam que a Polônia não devia existir. Segundo Marx: “As classes e as raças muito fracas para enfrentar as novas condições de vida deveriam retirar-se (…) Elas devem perecer no Holocausto revolucionário”. Ele foi o predecessor do genocídio político moderno.

O termo “eugenia” foi cunhado em 1883 por Francis Galton (1822-1911), primo de Charles Darwin, com base no darwinismo. Ele propôs a “seleção artificial” para aprimoramento da população humana com base na “seleção natural” que seu primo havia formulado. Ele disse: “o que a natureza faz cega, vagarosa e impiedosamente, o homem pode fazer agora, consciente, rápida e agradavelmente”. Galton definiu eugenia como “o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente”[3] e Darwin adorou o livro do primo.

Galton ajudou a fundar a sociedade eugênica inglesa, sendo seu primeiro presidente. Depois da morte dele, Leonard Darwin, um dos filhos de Charles, presidiu a sociedade por vários anos, segundo ele: “Entre todos os problemas que vamos enfrentar no futuro, na minha opinião, o mais difícil será o que concerne no tratamento das raças inferiores da humanidade”.

Vários intelectuais ingleses foram eugenistas.  Bernard Shaw foi um horroroso socialista que defendia o extermínio das raças inferiores, uma poligamia e uma religião eugênicas (GOLDBERG, 2009, p. 280). H.G. Wells defendia igualmente o extermínio das raças inferiores e escuras (GOLDBERG, 2009, p. 280). Havelock Eliis, afamado médico e estudioso dizia que era preciso matar os incapazes (WEIKART). A Eugenia se disseminou para vários países ambiente fértil nos meios protestantes. Em especial, foi forte nos Estados Unidos e na Alemanha.

 A fome de 1943-1944 em Bengala (atual Bangladesh) foi causada menos por problemas climáticos e mais por decisão política. O principal responsável foi Churchill, que aliás era um típico supremacista inglês: “Eu odeio os indianos, eles são um povo bestial com uma religião bestial”. Ou ainda: “Eu sou pró-muçulmano – a única qualidade dos hindus é que há muitos deles e isto é um vício” (HAVARDI, 2009). Churchill deliberadamente ordenou desvio de comida de um povo faminto para os muito bem alimentados soldados britânicos e para aumentar os estoques de gregos e iuguslavos.[4]

Os Estados Unidos abraçaram com entusiasmo as ideias eugênicas. Foi aprovada o “Johnson Reed Act”, que limitava a entrada de imigrantes de países classificados como exportadores de “estoques hereditários inferiores” (WATSON apud MOTA 2013, p. 37) Entre 1914 e 1928, o número de universidades[5] com cursos de eugenia passou de 44 para 376. Foram aprovadas várias leis eugênicas prevendo a esterilização compulsória para determinados casos (MOTA 2013, p. 39). A Suprema Corte dos EUA decretou a esterilização compulsória de uma menina de três anos de idade, sob o argumento de que “três gerações de imbecis” era mais do que suficiente para justificar esta ação (incluindo nessa linhagem a menor, sua mãe e sua avó). Margareth Sanger, americana, era uma eugenista horrorosa e foi fundadora do feminismo moderno. Clarence Darrow, americano, advogado famoso, defendia o uso de clorofórmio para matar crianças incapazes (WEIKART).

Em 1910, foi criado um laboratório perto de Nova York, que se chamava “Oficina de Registro de Eugenia”, neste local, várias informações foram coletadas e arquivadas. A “oficina” estava interessada em todo tipo de característica: desde a cor dos cabelos e olhos até o daltonismo e a epilepsia, além de fazerem “controle moral” colhendo dados sobre promiscuidade, vagabundagem e sobriedade. A eugenia se converteu em uma palavra popular nos EUA: apareceu nos periódicos, no rádio e nos filmes. Nas feiras agrícolas do interior, havia “concursos de famílias mais aptas”, como os de animais, só que as famílias se submetiam a várias provas médicas, além de entregarem um histórico familiar. As famílias vencedoras recebiam uma medalha com a seguinte frase bíblica: “tenho uma bela herança”.

As “Leis Jim Crow”, nos EUA, foram um conjunto de leis estaduais promulgadas nos estados do sul que institucionalizavam a segregação racial em seus territórios, desta forma, em muitos locais do sul, havia restaurantes que não aceitavam negros, havia escolas e banheiros públicos só para brancos etc. Com o fim da escravidão, não terminou a segregação racial, não foram realizadas mudanças significativas na situação social dos negros da região sul, fazendo com que muitos deles vivessem em situação de pobreza e voltassem a trabalhar para seus antigos senhores.

Uma série de julgamentos entre 1878 e 1898, estabeleceu jurisprudências racistas que deixavam os negros praticamente sem defesa contra a discriminação social e política. Na última década do séc. XIX, quase duzentas pessoas por ano eram linchadas por supostos crimes contra a supremacia branca (KARNAL 2020, p. 149). Há de se ressaltar que no norte do país também havia discriminação racial, mas era mais sutil e não havia previsão legal. Houve racismo contra japoneses, também, e chegou a haver escolas separadas para orientais em São Francisco (KARNAL 2020, p. 169).

A eugenia chegou a Adolf Hitler por meio de Haeckel, ardoroso darwinista, ele escreveu ao presidente da Sociedade Eugênica Americana para pedir uma cópia de um trabalho que defendia a esterilização forçada de dez milhões de americanos (GOLDBERG, 2009, p. 278). O eugenista americano, Grant, ex-assessor do presidente Teddy Roosevelt, ao saber de esterilizações alemãs declarou que “os alemães estão ganhando de nós neste jogo” (GOLDEBERG, 2009, p. 278). A instituição mais destacada no mundo contra a Eugenia foi a Igreja Católica. Na Inglaterra, o católico Chesterton lutava contra ela e por isso sofreu muitos ataques (GOLDBERG, 2009, p.288).

Hitler ficou embebido das ideias de Darwin, de forma que seus escritos e discursos estavam eivados de de terminologia e retórica darwinista (WEIKART p. 7). Pelo darwinismo haveria uma luta de espécies que gerariam novas espécies, então a evolução, segundo esta visão, não vai parar no homem, há de vir um “super-homem”. Entre os homens, haveria os mais adaptados e os menos adaptados, os mais evoluídos e os menos evoluídos. Os mais evoluídos, obviamente, seriam alemães e os menos evoluídos o resto. E como a violência é um dado natural entre as espécies selvagens, isto também seria natural no homem, de forma que para esta visão darwinista, a violência seria certa e correta entre os povos. Segundo Fest (2017, p. 280):

Sua concepção [de Hitler] da revolução tinha muito das ideias sobre seleção biológica. Visava não somente a estabelecer formas de dominação e instituições inéditas, como também a criar um homem novo cujo anúncio foi celebrado em numerosos discursos e manifestos como o advento da “verdadeira idade do ouro”.

Em relação à eugenia, ela foi amplamente aplicada no nazismo:

O Estado tribal(…) deve fazer com que tudo gire em torna da raça. Deve cuidar de sua pureza (…) deve providenciar para que apenas às pessoa sadias seja conferido o direito de procriar (…) cujo objetivo será produzir criaturas a imagem de Deus e não monstruosidades a meio caminho entre o homem e o macaco (SHIRER 1964, vol. I, p. 145).

Himmler, criou um programa secreto chamado Lebensborn (“fonte de vida” em alemão), cujo objetivo era aumentar a taxa de natalidade das crianças arianas, isso deveria ser alcançado impedindo as mulheres e meninas solteiras de abortar, oferecendo partos em condições de anonimato, e colocando as crianças ilegítimas para adoção, preferencialmente por famílias de membros da SS O Lebensborn foi responsável pelo sequestro de milhares (50 mil ou duzentos mil, não se sabe o número exato) de crianças das áreas ocupadas pela Alemanha.

Há duas origens para o racismo no nazismo: o veio “racionalista” de Darwin (e mesmo de Marx), supostamente baseado na “ciência” e o veio esotérico de List e Liebenfels. Foram dois ramos dialeticamente opostos que produziram uma faísca revolucionária com Hitler no comando.

Darwinismo social é uma aplicação do darwinismo na sociedade humana, no qual haveria uma seleção natural dos mais aptos na política, na economia e na sociedade como um todo, o termo surgiu em 1877 com Oscar Schmidt, na Inglaterra. E esta seleção natural na sociedade seria boa e não deveria ser combatida. Encontrou guarida no nazismo, afinal, a raça ariana seria a mais apta e as outras poderiam ser eliminadas, justificando a eugenia e o mau imperialismo. De fato, de acordo com a tese da “seleção natural”, os ingleses de posse de sua metralhadora “maxim” estavam mais “adaptados” que os africanos e por isso saíram vencedores desta “luta racial” e isto seria natural e bom porque é a “lei da natureza”. Segundo Zmarzlik: uma análise do social darwinismo revela um processo de padrões em declínio, acompanhado de uma tendência de sacrificar o indivíduo em favor da espécie (…) de subordinar as normas éticas às necessidades biológicas” (WEIKART p. 4).

O “laissez faire” é uma expressão chavão do liberalismo que significa que o mercado deveria funcionar livremente, com interferência do governo apenas para proteger o direito de propriedade. Curiosamente, esta ideia, na sua versão mais radical, é compatível com as anteriores. O conceito do “laissez-faire” foi usado pela Inglaterra para justificar a não interferência na Irlanda na ocasião da grande fome do séc. XIX que dizimou um milhão de irlandeses e provocou o êxodo de outro milhão. (FERGUSON, 2003, p. 268). Caso símile aconteceu na fome de 1876, na Índia, onde o governador da Índia, Lytton, pensava que as “forças do mercado” seriam suficientes para alimentar os famintos (FERGUSON, 2003, p. 237) e por isso nada fez para minorar os efeitos da fome.

Segundo a lógica calvinista, a concorrência capitalista seria boa, pois a “santidade é aliada da riqueza”, na expressão usada por uma autoridade episcopal em Massachusetts (KARNAL 2020, p. 157) e a pobreza seria um castigo. Desta forma esta visão calvinista é compatível com o darwinismo social.

Em relação aos holandeses também foram bem racistas, como por exemplo, na África do Sul, Guianas e mesmo no Brasil, quando dominaram o nordeste. Mas mesmo no caso da colonização inglesa e holandesa houve ainda mestiçagem, mas em menor grau que nas espanholas e portugesas. Na Suécia, o instituto oficial de biologia racial Upsala foi fundado em 1922 e uma lei de esterilização aprovada. Herman Lundborg foi um estudioso que catalogou as características étnicas e era um notório biólogo racial.

No Canadá, em 1928 surgiram leis eugênicas de esterilização contra índios. Na imigração também havia muito racismo, chineses, por exemplo, tinham de pagar uma taxa especial para poderem imigrar. Em 1942, canadenses oriundos do Japão foram enviados para campos internos e tiveram suas propriedades confiscadas. Apenas na década de 1960, as últimas leis racistas foram abolidas.

A Austrália independente herdou o racismo inglês. Em 1897, pouco antes da independência, foi aprovada uma lei, que na prática impedia a imigração de “não brancos”, comentava-se na ocasião sobre o “problema dos negros” nos Estados Unidos que deveria ser evitado na Austrália. Em 1901, outra lei no mesmo sentido foi aprovada, que ficou conhecida como “White Australia policy” (JAMES, 1995, p. 310). O primeiro-ministro australiano, nesta data, declarou que “a igualdade entre os homens não implicava igualdade entre ingleses e chineses”. A lei de discriminação só abolida em 1975, a Austrália, a exemplo dos Estados Unidos, tem uma população pouco mestiça.

No Império Português, muito embora tenha havido aqui e acolá exemplos de discriminação como por exemplo, o padre Valignano ligado ao padroado, que se opôs à admissão de indianos na Companhia (BOXER 2008, p. 265) e constituições sinodais da Bahia, no começo do séc. XVIII que prescreviam que o candidato ao sacerdócio teria de ter pureza de sangue, sem pecha racial de judeu, mouro, mourisco, herético ou de outra alguma infecta nação reprovada” (BOXER 2008, p. 273). Para Edgar Prestage “deve-se levar em consideração que Portugal, exceto no caso de escravos e judeus, não fazia nenhuma distinção de raça ou cor, e que todos os seus súditos, uma vez convertidos ao catolicismo, eram elegíveis para postos oficiais” (BOXER 2008, p. 263) No geral, os portugueses não foram racistas e os exemplos abundam, de início os portugueses se misturaram em todos os locais onde estiveram, talvez sem haver uma única exceção, houve mestiços, houve bispo negro do Congo, padres mestiços, negros, indianos e japoneses, escolas multirraciais em Goa, depois em Angola, Brasil etc. Heróis de guerra com título de cavaleiro como o negro Henrique Dias e o índio Felipe Camarão etc. Houve leis antirraciais no séc. XVIII, como a de Moçambique que dizia: “Sua Majestade não distingue seus vassalos pela cor, mas pelos méritos de cada um” (BOXER 2008, p. 269). Com propriedade, Gylberto Freire (O Brasil em face das Áfricas Negras e Mestiças, p. 19):

Aos métodos patriarcais de integração de gentes primitivas em sistemas de convivência sociologicamente cristã deve-se atribuir, em grande parte, o facto de terem os portugueses, juntando ao autoritarismo necessário ao sistema patriarcal de família a transbordante democracia da miscigenação, lançado as bases de uma nação do porte, da importância e da extensão da brasileira – talvez a maior, a mais autêntica, a mais completa das democracias raciais que o mundo já viu; e de virem lançando as bases de possíveis nações lusotropicais que poderão, em futuro próximo, tomar rumos semelhantes aos do moderno Brasil.

Na Espanha também houve pouco racismo, havia mais uma distinção de classes que de raças. É verdade que havia o sistema de castas que induz a uma certa discriminação: Criollo era o branco nascido nas Américas, Castizo, um tipo de mestiço, pardo etc. e havia pinturas alusivas a isto. Porém, tal sistema de castas era autocontraditório, pois ao mesmo tempo que poderia sugerir discriminação, ele mostrava que havia miscigenação, que começou desde os primeiros estágios da conquista (ELLIOTT 2007, p. 83), negros e índios puderam ascender socialmente.

Bibliografia

BOXER, Charles. Império Marítimo Português. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

CAHILL, Thomas. How The Irish Saved Civilization, 1995.

ELLIOTT, J. H. Empires of The Atlantic World. Yale University Press, 2007.

FERGUSON, Niall. Império – Como os Britânicos Fizeram o Mundo Moderno. São Paulo: Planeta, 2003.

FEST, Joachim. Hitler. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017.

FLINT, John. Cecil Rhodes, Little Brown, 2009.

GOLDBERG, Jonah. Fascismo de Esquerda. Rio de Janeiro: Editora Record, 2009.

HAVARDI, Jeremy. The Greatest Briton: Essays on Winston Churchill’s Life and Political Philosophy Londres: Shepheard, 2009.

HIMMELFARB, Gertrude Francis Darwin, Life and Letters of Charles Darwin, 1870 in Victorian Minds: A Study of Intellectuals in Crisis and Ideologies in Transition New York 1968.

JAMES, Lawrence. The Rise and Fall of the British Empire. New York: St. Martin’s Griffin, 1994.

JOHNSON, Paul. Darwin – Retrato de um Gênio.  Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013.

KARNAL, Leandro. História dos Estados Unidos. São Paulo: Editora Contexto, 2020.

MOTA, André (org.). Eugenia e História. Coleção Medicina, Saúde, História.

SHIRER, William L. Ascensão e Queda do Terceiro Reich. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1964.

TAYLOR, Alan. American Colonies. New York: Penguin Books, 2001.

WEIKART, Richard. De Darwin a Hitler: ética Evolucionária, Eugenia e Racismo na Alemanha.

 

Notas

[1] Em Nova York, por exemplo, os irlandeses foram descriminados e direcionados para os trabalhos mais perigosos. O serviço que era inseguro para um escravo era orientado para os irlandeses que eram rejeitados em muitas lojas e relegados às áreas mais pobres da cidade para morar. A mortalidade infantil era de 80%. Em Boston foi feito um movimento anticatólico e anti-irlandês, conhecido como “Know Nothing party”. Em San Francisco o comitê central da cidade promoveu a erradicação dos irlandeses, dois deles foram linchados e muitos fugiram.

[2] http://darwin-online.org.uk/content/frameset?viewtype=text&itemID=F10.3&pageseq=552

[3] http://www.ufrgs.br/bioetica/eugenia.htm

[4] Tharoor, Inglorious Empire: What the British Did to India.

[5] Harvard, Yale, Princeton e Columbia, por exemplo, tinham processo de seleção que favorecia os WASP (white anglo-saxon protestant) em detrimento de judeus, católicos, asiáticos e negros. Columbia, em 1910, introduziu formalmente um critério não acadêmico de admissão. Ver: The Chosen: The Hidden History of Admission and Exclusion at Harvard, Yale, and Princeton, de Karabel.

image_pdfConverter em PDFimage_printPreparar para impressão