Ir. Anna Maria Fedeli, FSM
TV: amiga ou inimiga?
O naturalismo a tal ponto impregna a mentalidade moderna que, mesmo aqueles que não o professam, são muitas vezes levados a considerar, quando avaliam algo, apenas os benefícios ou prejuízos materiais, deixando de lado tudo o que envolve considerações de ordem espiritual.
Um exemplo desse enfoque naturalista ocorre quando se discute a televisão. Normalmente são invocados contra ela – e não sem razão – os danos que a permanência diante do aparelho ocasiona à saúde física (por exemplo, aos órgãos visuais ou ao desenvolvimento muscular das crianças) ou à saúde mental (como causa de irritabilidade, insônia, apatia etc.).
E, no entanto, a televisão é feita para os homens e estes – quem se lembrará dos velhos catecismos? – possuem além de corpo, alma. Alma que compreende, quer e sente; livre, mas não independente dos agentes externos. Capaz de virtudes e de vícios.
A televisão age, pois, não apenas sobre os corpos, mas também, e principalmente, sobre as almas. Sobre a inteligência, sobre a vontade e sobre a sensibilidade humanas. De que modo? Com que efeitos? Favorecendo a prática da virtude ou conduzindo ao vício?
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A televisão não respeita nem os olhos, nem os ouvidos, nem a memória, nem a inteligência, nem a vontade do telespectador; mas o telespectador respeita a televisão, consagra-lhe seu tempo e seu dinheiro, sacrifica-lhe sua saúde, seus afetos, seu lazer, suas obrigações.
ENTENDER, REFLETIR, LEMBRAR
Deus criou o homem inteligente para que ele conhecesse a verdade. Assim, a inteligência não se deve aplicar indiferente e desordenadamente a todos os objetos, mas de modo organizado e hierárquico àqueles capazes de conduzi-la a seu fim último, o conhecimento da Verdade Absoluta.
Por sua própria natureza, a razão humana atua através da análise, distinguindo e ordenando os objetos que lhe são apresentados, extraindo deles as ideias, abstratas em si mesmas, mas estreitamente ligadas aos sentidos, uma vez que é através das sensações que o homem percebe o mundo exterior.
Na TV, as imagens se sucedem freneticamente, sem ordem e sem objetivo. Passivamente a inteligência recebe informações que não a interessam e que, de forma geral não a conduzem a nenhum ponto. Como quem comesse, sem fome, alimentos inúteis para seu corpo.
As ideias, filhas das imagens transmitidas continuamente pela tela, não têm profundidade, uma vez que o profundo só se atinge quando há pausa num ponto determinado; as imagens da TV não param nunca; não permitem reflexão nem análise; o olho mágico da televisão não perscruta; ela passa velozmente pelas superfícies, viciando a inteligência ao dificultar a prática da reflexão.
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O “saber” supõe o uso da reflexão e do julgamento, a televisão, devido à sucessão rápida e ininterrupta de imagens luminosas não concede tempo para a reflexão nem para o julgamento; ela só pode engendrar crenças sem fundamento razoável, ou pior, julgamentos temerários para o bem ou para o mal. (Turgeon, J.P. – La télévision, p.20)
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Mas, o conhecimento não é sempre bom? Conhecer, qualquer coisa e de qualquer modo, não é sempre melhor do que ignorar?
Nem sempre. É o que ensina São Tomás (cfr. Suma Teológica 2-2 q.167 a.1). Por exemplo, quando “alguém deseja conhecer a verdade das criaturas sem ordenar esse conhecimento de Deus”, cai no vício da curiosidade.
Um segundo efeito da televisão é o vício que poderíamos chamar, em linguagem corrente, pretensão ou vaidade. Dos sentidos humanos, o mais relacionado com o conhecimento é a visão. De tal modo que, naturalmente, temos certeza da veracidade dos fatos que presenciamos. Ora, a televisão produz a ilusão da presença. O telespectador vê o fato e, por isso, tem a impressão de que possui a verdade a respeito dele, emitindo vaidosa e precipitadamente juízos a respeito de todas as coisas, crendo ingenuamente conhecer aquilo de que só lhe mostraram um aspecto, um ponto de vista.
Por fim, ainda no que tange ao conhecimento, a TV é também prejudicial à memória. Aquilo que se adquire facilmente, perde-se também facilmente. Sendo o conhecimento proporcionado pela TV inteiramente superficial, ele se esvai sem dificuldade. Um estudioso do assunto usa uma comparação interessante:
“O telespectador é semelhante a alguém que põe a mão sob um jato d’água. A água corre rapidamente entre os dedos. Se o jato d’água para só ficam na mão algumas gotas. A televisão dá a impressão de proporcionar grande conhecimento, enquanto se a está assistindo. Mas o que sobra quando termina o programa? Quase nada” (J.P. Turgeon – La télévision).
A única coisa que escapa a essa regra, pela repetição, é a propaganda. Dos anúncios, sim, o telespectador se lembra.
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Não são as ideias mostradas racionalmente que tem a força de mover uma multidão, são os impulsos. A televisão não mostra as ideias de um modo racional, pois utiliza imagens que são apenas uma parte da vida, e que são, por maior boa vontade que se tenha, escolhidas, condicionadas, recriadas… (Melon-Martinez, E. – La télévision, p. 231-232)
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JÁ QUE VOCÊ ESTÁ AÍ…
Quando nos sentamos diante de uma tela de TV, renunciamos, durante um tempo maior ou menor, à nossa própria vida, para entregarmo-nos à vida de outros.
O mesmo não acontece, entretanto, quando vamos, por exemplo, ao teatro, ou quando nos dedicamos à leitura de um livro? Sim e não.
O livro fala diretamente à inteligência e, desse modo, as sensações ou emoções que produz não são tão impressionantes e dominadoras.
O teatro, e mesmo o cinema, integram-se num ritual de preparação, de ida, que os isola da vida cotidiana, marcando seu aspecto ficcional.
Assim, ainda que o livro, o cinema, o teatro, nos envolvam, somos senhores deles e eles estão sob nosso domínio.
A TV, ao contrário, domina nossos sentidos, penetra nossas casas, mistura-se a nossa intimidade, habita nosso ambiente. Não podemos desviar os olhos, não podemos dar ouvidos a outra coisa, não podemos falar, e isso de modo contínuo, sem isolamento, sem excepcionalidade.
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Uma vez que a preguiça nos domina, ela se transforma numa verdadeira tirania, uma escravidão cujas correntes se fazem sentir cada vez que movemos um membro. (Pe. Faber)
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A TV torna passivos os seus adoradores. Eles não precisam da vontade. Só precisam apertar um botão, e outros estarão querendo, agindo, vivendo e morrendo por eles. Inexoravelmente a TV conduz à preguiça. Não são sintomáticos os aparelhos que permitem ao viciado trocar de canal sem ter o exaustivo trabalho de levantar-se? E quem não conhece a figura molemente sentada em sua poltrona que, “..já que você está aí…”, pede a cada um que entra na sala os objetos de que necessita, incapaz de mover-se para o que quer que seja?
Também a intemperança é excitada, e de modo violento, pela TV, através da propaganda. A temperança é a virtude cardeal que nos leva a usar dos prazeres com moderação. A propaganda, por seu lado, leva a desejar o prazer sempre e cada vez mais, eliminado toda a medida.
O QUE ESCO???? NÃO VÊEM…
A TV isola o homem de seu ambiente. Ela o domina, tirando-o de seu círculo. “O telespectador é semelhante a alguém que usa binóculos. Ele vê bem o que está longe, mas não vê nada do que está perto” (J.P. Turgeon – op. cit.).
A comunicação é absolutamente necessária à amizade e ao amor. Cortando a comunicação entre os membros da família, a TV destrói, ao mesmo tempo, o afeto entre eles. As pessoas sabem o que se passa do outro lado do mundo, mas ignoram o que se passa no coração dos que vivem ao seu lado.
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O homem apaixonado pela televisão recusa-se a dar seu tempo e seu coração àqueles que o cercam; durante horas, ele prefere apiedar-se ou alegrar-se com situações fictícias ou longínquas; ele priva, assim, seu próximo da compreensão e da simpatia que tem para oferecer. É aí que começa o processo da separação e da solidão… Vivendo diante de seu aparelho de televisão, o telespectador dá as costas aos outros. (Turgeon, J.P. – Le telespectateur, G-13).
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Um último aspecto que também é precioso considerar, embora não pertença à essência mesma da televisão, é o nível moral dos programas.
No Brasil, esse nível – que sempre foi criticável – tem caído ultimamente de modo assustador, transformando alguns programas em pura pornografia. Mesmo quando não se vai tão baixo, é praticamente impossível encontrar um programa que não entre em choque com a moral católica no que tange à virtude da pureza. Cada vez mais o telespectador é conduzido pela TV ao desprezo de todo o pudor e de todo o freio. As pessoas acostumam-se a considerar os homens como meros animais, inteiramente dominados pelas paixões e pelos instintos.
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O telespectador mais aceita do que escolhe. As informações, as impressões vêm a ele, não é ele que as procura. E então ele se torna vítima de uma armadilha: como as imagens o fascinam, ele imagina compreender facilmente a mensagem veiculada.
Esquecendo que as imagens possuem uma carga afetiva, que elas comunicam uma mensagem sob forma de impressão, o telespectador tende a receber as impressões como ideias claras e precisas, sem perceber que a televisão se situa num nível onde o conhecimento está sempre aliado a uma certa emoção. Interpretando as impressões como explicações substanciais, o telespectador corre o risco de se subalimentar. (Benoit, F. – O homem diante da televisão, p.27).
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TEMPLO DE DEUS
As considerações que alinhamos acima de modo nenhum esgotam o assunto. A TV operou, desde seu surgimento, uma verdadeira revolução na moral, nos costumes, nos hábitos familiares, nas relações de amizade. Ela contribuiu em larga escala para o afastamento de Deus, que se acentua cada vez mais em toda a sociedade.
O que quisemos foi apenas fazer refletir sobre alguns de seus efeitos nas almas dos telespectadores. Àqueles que a cada dia recebem em seus lares, alegre e despreocupadamente, as imagens da TV, gostaríamos de recordar as palavras de São Paulo: “Não sabeis que sois templos de Deus?” (1Co 3,16). É nosso dever preservar e enobrecer nossa alma, morada da Santíssima Trindade, templo do Deus altíssimo.