Os Últimos de Filipinas: os Primeiros em Bravura

Data

Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no linkedin
Compartilhar no email
Compartilhar no whatsapp
Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no linkedin
Compartilhar no email
Compartilhar no whatsapp
image_pdfConverter em PDFimage_printPreparar para impressão

Marcelo Andrade

Os Últimos de Filipinas: os Primeiros em Bravura

 

À memória dos heróis do Sítio de Baler

O desfecho da guerra Hispano-Americana de 1898, uma “guerra de encomenda”, teve um triste desfecho para a Espanha O império que um dia nunca via o sol se pôr, com o passar dos tempos, viu diminuir seu tamanho (principalmente com a perda de quase todas as colônias da América) e nessa infeliz guerra, perdeu Cuba, Porto Rico, Filipinas e Guam. A Espanha conheceu o ocaso (nos dois sentidos da palavra). Restariam apenas algumas pequenas colônias africanas.

Nas Filipinas, setores revoltosos, organizados em sociedades secretas, lutaram contra a Espanha a partir de 1896, e com a eclosão da Guerra Hispano-Americana em 1898, os revoltosos passaram a contar com a ajuda americana e neste mesmo ano foi selada a derrota espanhola e foi instalada a primeira república filipina. Porém, em 1899, os EUA não aceitaram a independência filipina e se desentenderam com o governo, assim, os EUA resolveram lutar contra a própria nação, que supostamente estavam ajudando, foi o início da Guerra Filipino-Americana (1899-1902).

 Durante essa guerra, os EUA, que saíram vencedores, agiram brutalmente contra os filipinos, praticaram o que ficou conhecido como o “genocídio filipino”, no qual algum número entre 5% a 10% da população morreu por causa dela. Massacres e torturas (como a “prova d’água”) foram empregados em grande escala. Na ilha de Samar, por exemplo, o general americano Jacob Smith ordenou o extermínio de todos os filipinos com idade acima de 10 anos.

Os americanos instalaram campos de concentração, ou melhor, “campos de morte” e deslocaram milhares de aldeões, tudo isto causou doenças e muita fome entre os locais. Muitas construções do belo estilo barroco-filipino, incluindo igrejas, foram destruídas. O que os EUA fizeram lá lembra o que fizeram contra os índios em seu próprio território. E é claro, o ódio americano foi alimentado por serem os filipinos católicos.

A Espanha que salvou milhões de filipinos da selvageria e do paganismo, dando a eles o sabor da civilização e a religião católica é que era a “malvada”, “bom” mesmo eram os EUA, a nação próspera do “destino manifesto”, adorada pelos liberais, que exterminou boa parte da população filipina.

 Curioso notar que este lamentável episódio da história americana é sumamente ignorado pela historiografia.

 

Os heróis em 1899.

Neste contexto de Guerra Hispano-Americana aconteceu o que ficou conhecido como “Os últimos de Filipinas”, no qual um grupo de militares espanhóis resistiu bravamente durante o “sítio de Baler”.

Na costa oriental da ilha de Luzón, num vilarejo de nome Baler, um grupo de 58 homens se aquartelou na Igreja de São Luis de Tolosa, de 300 metros quadrados, prevenindo-se de ataques iminentes, entre eles, estavam o pároco local e um médico tenente. Esta igreja já tinha sido usada como fortaleza um ano antes. Era o dia 1 de julho de 1898 e o superior era o capitão Enrique Las Morenas.

Os combates não tardaram a começar e sem sucesso na conquista da igreja-casamata, os filipinos tentaram convencer os espanhóis a se renderem, alegando que a armada espanhola já havia perdido a guerra. Las Morenas recusou todos os apelos.

 Os combates prosseguiram dia a dia, depois semana a semana, depois mês a mês… e alternavam-se os períodos de fúria e de calmaria e houve muito vai e vem de forças filipinas.

Certa vez, o soldado Gregorio saiu da igreja-casamata com um pote de líquido inflamável e incendiou algumas casas onde estavam os filipinos e regressou em segurança.

No dia 18 de julho, os filipinos deram um ultimato, que foi ignorado por Las Morenas que disse:

Nos une la determinación de cumplir con nuestro deber, y deberás comprender que si tomas posesión de la iglesia, será solamente cuando no haya nada en ella más que los cuerpos muertos. La muerte es preferible a la deshonra

Após o fracassado ultimato, mais tiros e mais tiros. E mais tentativas de convencer os sitiados a se renderem, tendo em vista a derrota espanhola.

No dia 20 de agosto, os filipinos enviaram dois padres franciscanos para tentar convencer os espanhóis a se renderem: Minaya e Lopez, que não só não convenceram Las Morenas a se render, como foram convencidos a ficar. Tal fato irritou os filipinos, que prosseguiram nos tiros e mais tiros em direção à igreja-casamata.

Las Morenas morreu de disenteria ou de beriberi, em outubro e longe de abaterem, os espanhóis continuaram a resistência, no seu lugar assumiu Martin Cerezo, um homem conhecido por não ter vícios e ser “testarudo”.

Quando a comida começou a rarear, os espanhóis tinham de sair nas madrugadas para caçar animais e colher frutas ou vegetais, numa mata próxima, mesmo correndo o risco de serem mortos. Também contavam com uma “horta” improvisada num “quintal” e fizeram um forno. Evidentemente as doenças eram um problema, principalmente a beribéri e a disenteria.

Martin Cerezo ordenava que sempre se cantassem músicas de fiestas no fim dos dias, fato que muito surpreendeu os inimigos. E nas datas religiosas havia comemoração, assim foi no dia 8 de dezembro, dia da Imaculada Conceição, onde se “banquetearam” com sardinha enlatada e na noite de natal fizeram uma refeição “especial” com abóbora, laranja e café e realizaram uma fiesta, contaram até com o uso de alguns instrumentos musicais.

Em fevereiro de 1899, Olmedo, um oficial espanhol, enviado pelos filipinos tentou convencê-los a se renderem, porém, como estava trajado à paisana e era conhecido de Las Morenas e não de Cerezo, não houve rendição.

Em março de 1899, os filipinos utilizaram um canhão para o ataque e de posse dele conseguiram derrubar o teto da Igreja-casamata, acharam que haviam vencido, e de repente viram um mastro subindo, seria a “bandeira branca”? Não. Era a bandeira espanhola toda remendada, afinal como está no lema da estátua de Carlos V, no Alcácer de Toledo:

“Se eu cair, levanta primeiro meu estandarte”

Nesta época, os sitiados estavam, como era de se esperar, quase sem forças, mas resistiam. Em maio 1899, os combates se intensificaram e chegou a haver combate corpo a corpo num canto da Igreja-casamata, no final deste mês.

Porém, nos últimos dias de maio de 1899, um oficial espanhol, o coronel Aguilar chegou à igreja-casamata e pediu para falar com o superior Cerezo, e lhe diz que a Espanha perdeu de fato a guerra e há ordens para fazê-lo se render e lhe mostra jornais comprovando os fatos.

Cerezo voltou à igreja-casamata e reuniu-se com os outros sitiados, que resolveram, então, entregar-se, mas não incondicionalmente, Cerezo apresentou as exigências aos filipinos que aceitaram:

En Baler a los dos días del mes de junio de mil ochocientos noventa y nueve, el 2.º Teniente Comandante del Destacamento Español, D. Saturnino Martín Cerezo, ordenó al corneta que tocase atención y llamada, izando bandera blanca en señal de Capitulación, siendo contestado acto seguido por el corneta de la columna sitiadora. Y reunidos los Jefes y Oficiales de ambas fuerzas transigieron en las condiciones siguientes:
Primera. Desde esta fecha quedan suspendidas las hostilidades por ambas partes beligerantes.
Segunda. Los sitiados deponen las armas, haciendo entrega de ellas al jefe de la columna sitiadora, como también de los equipos de guerra y demás efectos pertenecientes al Gobierno Español.
Tercera. La fuerza sitiada no queda como prisionera de guerra, siendo acompañada por las fuerzas republicanas a donde se encuentren fuerzas españoles o lugar seguro para poderse incorporar a ellas.
Cuarta. Respetar los intereses particulares sin causar ofensa a personas.

Y, para los fines que haya lugar, se levanta la presente acta por duplicado, firmándola los señores siguientes: el teniente Coronel de la columna sitiadora, Simón Tecson. El Comandante, Nemesio Bartolomé. Capitán, Francisco T. Ponce. Segundo teniente, comandante de la fuerza sitiada, Saturnino Martín. El médico, Rogelio Vigil.

Os heróis saíram da Igreja com suas armas sobre os ombros (só as depuseram um pouco mais adiante) e os filipinos apresentaram as suas armas a eles, num gesto de honraria e de reconhecimento do feito. Era o dia 2 de junho de 1899.

Ficaram ao todo na Igreja sitiada 337 dias!

Resultado do sitio: do lado espanhol, as baixas foram: 17 mortos, 15 devido às doenças beribéri e disenteria e apenas dois mortos devido a ferimentos causados pelos combates; do lado filipino, as baixas foram, entre mortos e feridos, talvez mais de 500. Houve alguns desertores e dois foram fuzilados por causa disto.

Tamanha bravura impressionou o presidente filipino Aguinaldo que publicou o seguinte decreto:

Habiéndose hecho acreedoras a la admiración del mundo las fuerzas españolas que guarnecían el destacamento de Baler, por el valor, constancia y heroísmo con que aquel puñado de hombres aislados y sin esperanzas de auxilio alguno, ha defendido su bandera por espacio de un año, realizando una epopeya tan gloriosa y tan propia del legendario valor de los hijos del Cid y de Pelayo; rindiendo culto a las virtudes militares e interpretando los sentimientos del ejército de esta República que bizarramente les ha combatido, a propuesta de mi Secretario de Guerra y de acuerdo con mi Consejo de Gobierno, vengo a disponer lo siguiente:

Artículo Único.

Los individuos de que se componen las expresadas fuerzas no serán considerados como prisioneros, sino, por el contrario, como amigos, y en consecuencia se les proveerá por la Capitanía General de los pases necesarios para que puedan regresar a su país. Dado en Tarlak a 30 de junio de 1899. El Presidente de la República, Emilio Aguinaldo. El Secretario de Guerra, Ambrosio Flores.

Se até o inimigo reconheceu a bravura deles, comparando-os com heróis da Reconquista, como contestá-la? Foi uma grandiosa “derrota com sabor de vitória”. Assim, foi a excelência militar espanhola, que mesmo quando perdeu houve uma honra enorme.

Em Barcelona, na chegada, os sitiados de Baler foram recebidos como heróis e indagado pela imprensa acerca do seu feito, deveras espetacular, Cerezo apenas respondeu: “Não fiz nada mais que a obrigação”.

Todos os heróis receberam várias condecorações, entre elas o de serem “caballeros cubiertos delante del rey”, uma distinção que consistia em não ter a obrigação de tirar o chapéu na presença do monarca espanhol, o que de fato aconteceu quando Afonso XIII recebeu alguns heróis e eles não tiraram os seus chapéus.

——————–

Nestes tempos de peste, no qual estamos “em quarentena” (irracional, diga-se de passagem) por causa de um vírus ameaçador vindo do oriente, com limitação de ir e vir, lembrei-me deste esplêndido episódio.

Como estamos distantes da bravura deles! E como estamos distantes de um verdadeiro “sítio”! Dá a até vergonha de reclamar da atual situação.

——————–

2 de abril de 2019,

na festa do santo mártir e filipino Pedro Calungsod.

Marcelo Andrade

image_pdfConverter em PDFimage_printPreparar para impressão